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Terça-feira, 22/7/2003
Digestivo nº 139

Julio Daio Borges

>>> CELEBRATION DAY O jornalismo brasileiro é uma bandalheira. Alguém tinha de dizer isso. Dois aspectos marcam a cobertura escandalosa da pseudomorte de Silvio Santos e da anunciada venda de sua empresa, o SBT. Em primeiro lugar, a mídia se ajoelhou no altar das celebridades. Então, tudo o que se relaciona a elas é notícia. Principalmente, o boato. Quanto mais discussão gerar, melhor. Assim, o jornalismo perde uma de suas características mais fundamentais: a necessidade de se “checar” uma “fonte”, seja ela quem for. No caso do rei da pegadinha, Silvio Santos, mais ainda. Há quem afirme, como Ivan Lessa, que entrevista não é jornalismo. Acontece que, no Bananão, uma declaração irresponsável qualquer acaba passando por informação veraz – e até derruba ações na bolsa (como ocorreu com as da Televisa, que viu sua cotação cair no índice DowJones). Um segundo ponto a ser destacado, no triste episódio, relaciona-se a algo que Sérgio Augusto chamou de “o frenesi do furo”. Embora S.A. tenha aplicado a expressão ao jornalismo cultural brasileiro, ela se estende a todas as demais categorias. Ou seja, em busca de uma novidade extraordinária, que “fure” a concorrência, os veículos de mídia abrem mão de qualquer critério, publicam rematados absurdos e, muitas vezes, até “plantam” uma notícia falsa, para lucrar com a vendagem ou com a propaganda enquanto o desmentido não chegar. Foi exatamente isso o que aconteceu. Na primeira entrevista (onde tudo começou), fica claro que o Dono do Baú não levava a repórter a sério, brincava com ela ou coisa parecida. Mas a revista decidiu levar a gozação adiante. Pior: a mídia embarcou na onda e o circo se armou. A gosto do palhaço. Haja adjetivos para desqualificar a atitude dessas pessoas. Pobre do jornalista (se é que ainda existe algum) que tem de mergulhar seu nariz na lama dessas publicações e extrair delas uma mínima nota bem fundamentada, sobre um acontecimento desimportante e banal. A dignidade da profissão já era (se é que um dia houve), e qualquer periódico hoje se submete a tais expedientes para alcançar alguma notoriedade. Afinal, vale tudo por dinheiro – não vale?
>>> Entrevista | O frenesi do furo
 
>>> BETRACHTUNGEN Pouca gente sabe, mas Thomas Mann, um dos maiores autores do século XX, teve mãe brasileira. Julia da Silva-Bruhns, nascida em Parati, mais tarde, Julia Mann, a Dodô. E mais importante do que o fato em si foi a influência que essa mulher teve sobre a obra do filho, eternamente um “Mischling” ou mestiço. É a tese de doutorado de Richard Miskolci, professor da Unesp, que agora sai em livro, pela Annablume editora. Quase um trabalho independente, não teve a repercussão que merecia. Miskolci, negando a tradição academicista de escrever difícil e de citar de maneira excessiva (algo que pode ter espantado a imprensa e os jornalistas), termina compondo uma das melhores introduções ao autor alemão em nossa língua. No primeiro capítulo, Richard traça eficientes paralelos entre a vida e a obra, passando pelos mais representativos trabalhos de Thomas Mann, analisando-os profundamente (sem, no entanto, cair no hermetismo e no didatismo) e justificando plenamente a sua opção – porque Julia Mann está efetivamente lá em cada um dos livros: do “Doutor Fausto” (1947) até o “Tonio Kröger” (1903); passando por “A montanha mágica” (1924), por “A morte em Veneza” (1913) e obviamente pelos “Buddenbrook” (1901). A morena exótica, com inclinação especial para a música, que causou furor nos círculos de Munique, deixou uma marca indelével num dos maiores artistas da língua de Goethe. O trabalho de Miskolci inevitavelmente (também) explora o tema do “desaburguesamento” (“Entbürgerlichnung”) de Mann – o descendente de hábeis comerciantes do norte da Alemanha que foi ser escritor –, e o dos conflitos para exercer uma vocação artística vivendo num mundo de aparências (a sociedade burguesa da época, que Mann abraçou através de um casamento por conveniência; o mesmo que o brindou com seis herdeiros). São graves as contradições do autor de “José e seus irmãos”, aquele que abafou seus impulsos homoeróticos (igualmente presentes em quase todas as suas obras), a ponto de Richard Miskolci terminar não tão bem quanto começou. “Thomas Mann, o artista mestiço”, apesar de um pouco embaralhado no final, é um feito admirável. De uma ambição exemplar, num pesquisador de pouco mais de 30 anos. A exemplo de Mann.
>>> Thomas Mann, o artista mestiço - Richard Miskolci - 163 págs. - Annablume
 
>>> O BOM CRIOULO Em meio ao alvoroço da pirotecnia digital, a delicadeza humana é posta de lado. Enquanto os “blockbusters” do verão americano ganham capas, páginas e mais páginas dos cadernos culturais tupiniquins, um filme como “Longe do Paraíso” (“Far From Heaven”, 2002) passa suave, quase imperceptível. Na verdade, o estardalhaço até combina com as últimas grosserias tecnológicas e com as reedições intermináveis de gêneros já decadentes. Enquanto isso, a economia de gestos, a atitude “low-profile” e até o colorido em tom pastel são a cara do mais recente longa de Julianne Moore nos cinemas brasileiros. Sim, porque nós a podemos chamar pelo nome e, de agora em diante (ou até antes), devemos procurar por ela nos créditos, quando precisarmos de uma indicação mais segura (sobre se a fita merece ou não ser assistida). Desta vez, Moore encarna uma dona de casa, diferente daquela de “As Horas” (2002): não é cheia de inquietações metafísicas, como uma Clarice Lispector doméstica, mas ciosa de seus deveres, dedicada aos filhos e ao marido, e também discretíssima. O suficiente para abafar uma crise no casal, não provocada por ela, que termina conduzindo à separação. Mas o seu estado civil, de uma maneira estanque, não é importante. O que importa é a relação muito sutil que desenvolve, em meio às sucessivas crises conjugais, com o homem que trata de seu jardim: um negro de porte impressionante, mas com voz aveludada, o mais fino trato e uma capacidade quase milagrosa de adivinhar-lhe os estados d’alma. A personagem de Moore nunca se insinua, porém. Sente-se enlevada pela simples presença de seu jardineiro, que muito ambiguamente lhe faz a corte, num misto de bom-mocismo e a mais pura admiração de um homem por uma mulher. Como as coisas se desenrolam a partir daí é o que o espectador irá descobrir – espantado entre as revelações bombásticas do marido e encantado com a possibilidade em que se converte esse “anjo negro”. É uma história de amor. E é o que basta.
>>> Longe do Paraíso
 
>>> CONFORME Alguém deveria escrever um tratado sobre o amor rodriguiano. Alguém que não fosse Nélson Rodrigues, obviamente. Aos trinta e poucos anos, ele já sabia tudo o que passaria repetindo ao longo da vida: para quem ama, só existe o “ser amado” (o resto é “paisagem”); tem mulheres que nasceram para amar um único homem, e tem mulheres que nasceram para amar a todos e, portanto, a nenhum; depois do “primeiro beijo” é que começamos a morrer (ou então na variação de Raul Seixas e Paulo Coelho: ninguém neste mundo é feliz tendo amado uma vez). Nélson Rodrigues era trágico, de um mau gosto assumido e capaz de rompantes tremendos. Mas foi capaz, igualmente, de uma prosa exata, equilibrada, fluente – como poucas vezes se viu em português do Brasil (ainda mais na segunda metade do século XX). “Minha vida”, a autobiografia de Suzana Flag (o mais famoso pseudônimo feminino de Nélson), é de 1946. Saiu como folhetim, em capítulos, na revista “A Cigarra”, que, por causa disso, chegou a vender mais de 100 mil exemplares por mês (alguém consegue pensar em algum autor atual que hoje desperte furor semelhante, numa publicação que não seja nenhuma das “semanais” de sempre?). Vale ressaltar que o primeiro livro de Suzana, “Meu destino é pecar” (1944), vendeu 20 mil volumes logo de saída, e 50 mil nos dois primeiros anos. (O pessoal da “Biblioteca da Folha” comemora se passa dos 10 mil, a preços populares, apostando em clássicos consagrados e em propaganda maciça no horário nobre.) Desta vez, Suzana Flag nos reporta sua trajetória de amores, desde que passou de “menina” a “mulher” até o ponto em que encontrou seu “primeiro homem”. São incansáveis as reviravoltas, com o coração de Suzana se balançando por três admiradores: Jorge, o pretendente e o queridinho de sua avó; Tio Aristeu, o meio-irmão de seu pai, igualmente obcecado por sua mãe (a quem Suzana “puxou”); e Cláudio, o bom selvagem da perna-de-pau, que antes dela havia morrido “para a vida” e “para o amor”. Além de submeter o leitor a uma montanha-russa de sentimentos, Nélson é inevitavelmente cômico (a ponto de se questionar até onde ia a seriedade de sua proposta). Enfim, independentemente de se concordar com suas máximas, o dramaturgo continua dando aulas de português – por mais que se arranque coisas de seu baú.
>>> Minha vida - Suzana Flag - 240 págs. - Companhia das Letras
 
>>> MAU HUMOR

“Ama o teu próximo – se ele for alto, moreno e bonitão, será muito mais fácil.” (Mae West)

* do livro Mau humor: uma antologia definitiva de frases venenosas, com tradução e organização de Ruy Castro (autorizado)

>>> CHARGE DA HORA: "RADICAIS DETONANDO" POR DIOGO



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>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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