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Quarta-feira, 10/11/2004
Digestivo nº 200

Julio Daio Borges

>>> MUTATIS MUTANDIS E a reforma gráfica do Estadão pegou todo mundo de surpresa. Quando foi anunciada, nas publicações especializadas, estava a alguns dias de ser implementada. E foi. Muita gente caiu da cadeira e não entendeu, pelo menos no primeiro dia, um domingo, como é que o periódico mais sóbrio do País de repente aparecia jovial e arejado. Muitos não gostaram. Outros, ao ver a cara de seus colunistas preferidos, não simpatizaram e simplesmente pararam de “freqüentá-los”. Mas o que há de realmente relevante nesta transformação, inicialmente, plástica? Em primeiro lugar, a tomada de decisão na direção de um certo “modernismo”, de uma certa “contemporaneidade”: o Estadão fica mais parecido com o Valor Econômico, quase um jornal de vanguarda no início dos anos 2000, e isso é bom. Depois, o Estadão abre espaço para novos nomes – ou nem tão novos, mas que vem renová-lo; salvo raríssimas exceções, seus colaboradores andavam muito vetustos (alguns – se se permite a baixeza da expressão – com o pé, literalmente, na cova). Foi refrescante, por exemplo, abrir o “Cultura/Caderno2” nas últimas semanas e encontrar gente como Marçal Aquino e Luiz Ruffato – às vezes, fisicamente – dando as caras. E o tal do “Link”, que é ambicioso até não poder mais? Quem esteve pela internet e/ou pelo Orkut deve ter recebido convites para a comunidade “Link” antes do caderno “ir ao ar”. Parece uma idéia interessante: promover o cross media entre jornal, rádio (Eldorado) e a WWW. Que as intenções não fiquem apenas nesse primeiro ensaio, de Orkut caboclo, e em colunistas como o batido Marcelo Tas. Conforme dito, as intenções soam boas. E o caderno “Aliás,” (com vírgula), nem lá nem cá – interessante também: flertando com os semanários, mas encartado dentro de um diário. Mais um bom motivo, até agora, para ler, mais uma vez, o Sérgio Augusto, e para mergulhar em entrevistas mais aprofundadas. E, last but not least, uma vedete da reforma: o “Guia”, quase autônomo, muito mais prático e eficaz – sempre no socorro dos desorientados de fim de semana. Enfim, pontos para o Estadão – é o que dá para avaliar. Claro que as mudanças, aos trancos e solavancos, assustam um pouco – mas o ar é de boas novas (algo que não se deve desconsiderar).
>>> Estadão
 
>>> ROLL OVER BEETHOVEN Mozart, que ficou conhecido por elevar o piano a outro patamar, talvez tivesse gostado das versões acústicas que Alex Masi gravou de suas composições. Masi, um músico egresso do universo pop rock, não resistiu ao tentar tornar o grande compositor de Salzburg ainda mais palatável e optou por alguns trechos, ou movimentos, em vez de interpretar peças inteiras. Ouve-se uma guitarra e o que parece ser um baixo e/ou uma guitarra base. Todo mundo sabe que a proposta de qualquer acústico é utilizar instrumentos, “desplugados” ou não-eletrificados, mas, além da forma ter se tornado mais maleável, a completa ausência de efeitos nas cordas de Masi evoca uma execução de câmara – se é que isso é possível no rock. A transposição de partituras mozartianas tão intrincadas é cuidadosa e os arranjos, mais do que a execução, deve(m) ter sido a parte mais trabalhosa. Por mais insólito que possa parecer, inclusive algumas passagens sugestivamente contrapontísticas foram preservadas – evocando um diálogo agora travado entre guitarra solo, lead guitar e baixo. O momento virtuosístico (em matéria de Mozart, não poderia faltar), fica por conta de um alegro em dó maior (K. 545), em que solistas acelerados chegam a duelar em arpejos de fazer inveja a Yngwie Malmsteen. Malmsteen, sintomaticamente e durante muito tempo, jactava-se de executar obras de Paganini, o violinista do século XVIII que, com suas acrobacias, virou sinônimo de habilidade e técnica. E quem disse que a orquestra não poderia conversar com Alex Masi e seu ensemble? Ela se faz presente no Concerto para piano nº 24 (K. 491), onde o mesmo é substituído evidentemente pelas seis cordas e pelos dedos velozes de Masi. Para quem sente falta de um opus mais popular, consta da seleção o infalível Rondo alla Turca (K. 331), preferido entre os maestros que querem, mais do que executar elegantemente o programa, apelar aos corações dos leigos no bis. E In the Name of Mozart, o álbum, abre com “Eine Kleine Nachtmusik”, mais conhecida como o tema para os perfumes de Vinólia (que os eruditos perdoem aqui a referência chula, mas a imagem das donzelas desfilando por entre árvores, ao som de Amadeus, está mais do que impregnada no inconsciente coletivo). Masi não parece o tipo que se aproveita do atual crossover entre gêneros, como Rod Stewart, mas, embora tenha tido uma iniciativa louvável, vai ter de transpor uma barreira cultural entre o rock’n’roll e a música clássica. Uma barreira considerável, como se vê.
>>> In the Name of Mozart - Alex Masi - Hellion Records
 
>>> CENAS DE ABRIL A partir dos anos 60, a impressão que se tem é de que o Brasil sempre foi da música. A mensagem de compositores populares atravessou por décadas barreiras que as outras artes, apesar de bem realizadas, não conseguiram superar. Assim, a imagem que se tem da cultura brasileira, e com a qual se cresce desde o meio do século XX, é a da música. Nos anos 80, não foi diferente. Qualquer adolescente (hoje e na época) evoca(va) os nomes de Cazuza e de seus contemporâneos, mas dificilmente vai(ia) saber alguma coisa sobre a poeta Ana Cristina Cesar. Talvez para preencher essa lacuna, nos bancos escolares, Laura Sandroni incluiu a “Ana C” no rol de autores que compõem a coleção Novas Seletas da editora Nova Fronteira. E Ana Cristina, apesar de ter feito parte da geração aparentemente despojada da “literatura de mimeógrafo”, mereceu agora ensaio de Silviano Santiago (o prefaciador das obras completas de Carlos Drummond de Andrade), e obviamente apresentação de seu amigo Armando Freitas Filho. O que chama a atenção hoje, para aqueles que já passaram da fase da influência, é, mais que a poética, os insights e as percepções argutas da poetisa, como esta: “A gente sempre acha que é/ Fernando Pessoa”. Ou, antecipando a problemática dos relacionamentos pós-modernos, que permanece: “Nós estamos em plena decadência (...) Quando duas pessoas chegam a se dizer isso tranqüilamente, é sinal de terra à vista”. Ou ainda sobre a consagração precoce: “Assinei meu nome tantas vezes/ e agora viro manchete de jornal”. Ana Cristina Cesar se suicidou aos 31 anos e, nesse sentido, são comoventes os testemunhos de seus familiares incluídos no volume. Tentam alguma comunicação depois de mais de 20 anos (ela se foi em 1983) ou enfileiram lembranças da juventude, da infância, num exercício livre de interpretação da escritora e de seu “duplo”. Como observa Freitas Filho, a graça da sua poesia, mais que qualquer coisa, é que ela “ia à praia, às festas, jogava bola, suava”. Portanto, seus parentes têm razão em aproximar a artista da pessoa Ana Cristina Cesar. Cazuza reina soberano no rol de preferências dos conjuntos destes anos 00, mas talvez fosse igualmente importante conhecer a fonte inspiradora de autores como Ana Elisa Ribeiro, a “ana e”.
>>> Ana Cristina Cesar - 144 págs. - Nova Fronteira
 
>>> CHARGE DA HORA: "RACHADURAS" POR DIOGO



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>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO RECOMENDA



>>> Cafés Filosóficos
* Sobre a alma e sobre o mal: de Sócrates a Santo Agostinho
Marcelo Perine e Rachel Gazolla
(Qua., 10/11, 19h30, CN)

>>> Noites de Autógrafos
* Cartas a um jovem terapeuta - Contardo Calligaris
(Ter., 9/11, 18h30, CN)
* Moda contemporânea - Cristiane Mesquita
(Ter., 9/11, 18h30, CN)
* A arte de gerir pessoas - José Wilson Paschoal
(Ter., 9/11, 19hrs., VL)
* Façam a festa por mim - Maria Lúcia Quaresma
(Qui., 11/11, 18h30, VL)

>>> Shows
* Musica das Nações - Raïff Dantas Barreto
(Seg., 8/11, 20hrs., VL)
* O jazz branco - Traditional Jazz Band
(Sex., 12/11, 20hrs., VL)
* Espaço Aberto - Mario Eugênio
(Dom., 14/11, 18hrs., VL)

* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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