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Quarta-feira, 17/11/2004
Digestivo nº 201

Julio Daio Borges

>>> A LOUCURA DAS CAUSAS Matt Ridley foi editor de ciência da prestigiosa The Economist. E é quase um milagre que ele tenha sido publicado no Brasil, em livro – mas ele foi, pela Record. Milagre não só por Ridley ser um jornalista internacional, mas por escrever sobre ciência e por produzir um trabalho tão sério. Passear por O que nos faz humanos, além de ser um prazer, gera uma interrogação permanente: Quem se interessa hoje pela ciência mais moderna, em formato tão acessível e abordada de maneira tão profunda? Pois o fato é que vivemos cercados por toneladas de best-sellers oportunistas e por conselhos, os mais estapafúrdios, proferidos geralmente por revistas em forma de auto-ajuda. A verdadeira ciência contemporânea, embora diga respeito quase sempre aos seres humanos, parece cada vez mais longe das pessoas. Felizmente, Matt Ridley é um desses corajosos desbravadores da língua inglesa, trazendo conhecimento em instigantes obras de divulgação – que podem (e devem) ser lidas por qualquer pessoa. Ridley retoma o antigo (ainda que novo no Brasil) debate entre “natureza” e “criação”. Para quem não sabe, a “criação” ganhou terreno durante praticamente todo o século XX – apostando na certeza de que o ser humano nasce como um livro em branco, onde se pode escrever qualquer coisa. O conceito tem múltiplas implicações: desde uma simples mudança de personalidade até a crença desastrosa de que se poderia manipular povos e nações, via engenharia social. Já a “natureza” ganhou novo fôlego nas últimas décadas, com o avanço da genética – provando, não sem resistência da parte dos behavioristas, que o ser humano, por mais maleável que seja, nasce com alguma pré-programação, contida no código genético. Os dois lados seguem em plena guerra e sujeitos como Ridley tentam, atualmente, mostrar que os dois lados podem ter razão. Por meio de conceitos como imprinting (marcas que ficam, para toda a vida, desde o nascimento), o autor de O que nos faz humanos leva o debate a um outro patamar, revelando que essa dicotomia (nature vs. nurture), como tantas outras, é simplista e está perdendo a importância. Num momento em que a política se tornou um jogo de cartas marcadas (em todo o mundo), essas são as reais discussões do novo século, e do novo milênio.
>>> O que nos faz humanos - Matt Ridley - 399 págs. - Record
 
>>> COISA DE ACENDER Djavan musicalmente atravessou metade dos anos 90 e quase metade dos anos 2000 longe de suas potencialidades criativas em outras décadas. Como artista, quase obrigou seus fãs à desistência – algo que Gil e Caetano impuseram, a seus admiradores, mais ou menos na mesma época. Em outras palavras: como a obra atual dos Tropicalistas, Djavan era quase um caso perdido. Sua saída das majors, seu segundo casamento e agora o disco Vaidade, porém, provaram que não. Djavan ainda tem o que dizer; ou o que cantar. Virtualmente empurrado para a independência dos “selos”, parece ter recuperado a liberdade esquecida em lançamentos insossos e em seqüências anteriores de álbuns ao vivo. “Se acontecer”, que abre o disco e que desde algum tempo toca no rádio, por exemplo, aposta numa estrutura não muito palatável para os padrões de consumo fácil: múltiplas seções rítmicas, com variados andamentos e versificação sugerida mas não muito clara. E o que dizer de “Sentimento verdadeiro”, emulando as sessões de Kind of Blue, de Miles & Coltrane, com marcação difícil de ser seguida e frases entoadas no contratempo? A aposta em células básicas, sem quase nenhuma orquestração, como em “Mundo vasto”, parece que permitiram a Djavan um reencontro com sua veia de compositor – aquela que Jorge Vercilo, o clone ou o genérico (como a Veja fala), não consegue captar. E a guitarra está particularmente inspirada. É Max Viana? Claro que Djavan não se livra de bobagens novelescas como “Amor algum”, a própria “Vaidade” e “Estátua de Sal”, mas todas perdoáveis e perfeitamente compensadas por surtos de inventividade como “Celeuma” e “Tainá-flor”. E “Dorme, Sofia”, homenagem mais que descarada de um pai-babão, já está provocando muxoxos naqueles que vêem limites para os cruzamentos entre vida & obra. Na verdade, Djavan havia apelado para recursos similares e inclusive produzido uma bela peroração, em 1994, sobre o fato de ter sido avô (em dueto com a filha, Flávia Virgínia). Enfim, ainda que Vaidade não seja uma obra-prima, é saudável ver Djavan voltando à velha forma – e não se rendendo à indústria, que exige do artista a aplicação constante (e esterilizante) das mesmas fórmulas.
>>> Vaidade - Djavan - Luanda Records
 
>>> BEHOLD, I TELL YOU A MYSTERY Do Messias, oratório de Haendel, o mínimo que se pode afirmar é que impressionou Haydn a tal ponto que, depois de conhecê-lo, o mestre do classicismo e de Mozart voltou para casa e compôs A Criação e As Estações. Não poderia, portanto, haver encerramento mais adequado para a Temporada 2004 do Mozarteum Brasileiro, no Theatro Municipal de São Paulo, em fins de outubro. A cidade raras vezes dispôs de um coro como o da Sinfônica de Bamberg, de um regente como Rolf Beck e das vozes de Christiane Karg (soprano), Alison Browner (contralto), Hartmut Schröder (tenor) e István Kovács (baixo). Graças às legendas e à pronúncia irretocável dos cantores, foi possível acompanhar o desenrolar da obra em toda sua beleza e complexidade, desfrutando de cada interpretação e de cada passagem nos mínimos detalhes. É uma pena, no entanto, que a platéia não tenha extraído todo o brilho de trechos naturalmente preenchidos de qualidade literária, como tantas citações ao profeta bíblico Isaías, por exemplo. Dada a extensão do Messias, infelizmente nem todo mundo manteve a atenção e a atitude interessada, principalmente depois da primeira parte e do intervalo. Houve, obviamente, manifestações mais exaltadas por parte do público no chorus “Hallelujah!”, entre a segunda e a terceira partes, mas não durou mais que alguns minutos, como que respondendo à exaltação temporária do coro. E as interpretações “teatrais” das vozes foram, como se diz, uma atração à parte. Schröder, o tenor, era viril e usava de gestual forte, parecendo sublinhar os graves; Kovács, o baixo, era mais delicado e se preocupava sobretudo com a expressão facial, a qual não economizava; Browner, a contralto, muito altiva e elegante, conduzia as falas com ar professoral e não se furtava a acompanhar o coro, em alguns momentos, sibilando em voz baixa; Karg, por fim, foi a última a entrar – sempre enérgica, como convém a uma soprano, fazendo bom uso da aurora de seus 20 e poucos anos. Como se vê, o Messias esteve bem representado, e Haendel indubitavelmente teria aprovado, apesar da platéia dispersiva do século XXI e da presença tão pouco freqüente de oratórios assim bem montados.
>>> Mozarteum Brasileiro
 
>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO RECOMENDA



>>> Cafés Filosóficos
* As finanças ocultas dos pobres - Paul Singer (FEA/USP), Gilson Schwartz (ECA/USP) e Ricardo Abramovay (FEA/USP)
(Qua., 17/11, 19h30, VL)

>>> Palestras
* A arte de enriquecer - José Antonio Pinotti
(Ter., 16/11, 19h30, VL)
* Faces do Fanatismo - Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky
(Qui., 18/11, 19hrs., VL)

>>> Noites de Autógrafos
* A irresistível busca de sentido - Scarlett Marton
(Ter., 16/11, 18h30, CN)
* A palavra inscrita - Mario Chamie
(Qua., 17/11, 18h30, CN)
* O rei ausente - Ana Paula Torres Megiani
(Qui., 18/11, 18hrs., VL)
* A república das elites - Agassiz Almeida
(Qui., 18/11, 19hrs., CN)
* São Paulo vista do alto - Irineu Idoeta, Ivan Valeije Idoeta e Jorge Pimentel Cintra (Sex., 19/11, 18h30, VL)

>>> Shows
* The Red Hot Peppers - Traditional Jazz Band
(Sex., 19/11, 20hrs., VL)

* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
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>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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