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Sexta-feira, 9/2/2007
Digestivo nº 315

Julio Daio Borges

>>> RUMOR DE FACAS Num tempo em que é tão debatida a função do editor, com toda a “virtualização” e a possibilidade de autopublicação, poucas coisas são mais oportunas que um curso – ou, uma conversa – com o lendário Pedro Paulo de Sena Madureira, na Casa do Saber. Depois de uma palestra aberta, em 2006, que extrapolou o horário da Casa em quase duas horas, arrastando a platéia até quase a meia-noite, Pedro Paulo concordou resignadamente em estruturar um mês de bate-papos sobre suas quatro décadas como editor de livros. Desde seu primeiro trabalho como editor da Nova Fronteira, contratado pelo “Doutor Carlos” (Lacerda) em pessoa, até suas últimas investidas na editora Girafa e mesmo sua participação nos polêmicos eventos da Brasil Connects, Pedro Paulo passa pela descoberta de Lya Luft (hoje, best-seller), pela antecipação de Umberto Eco como romancista (antes aqui do que na Itália), pela consagração de Danusa em matéria de etiqueta (uma Glorinha Kalil avant la lettre) – entre outros sucessos. Sem contar sua vivência, literária em muitos sentidos, sempre cercado por escritores (alguns dos maiores do Brasil de sua época), em meio a uma ascendência francesa (e baiana), o que lhe conferiu uma memória proustiana e um verdadeiro dom para a conversação. Pedro Paulo de Sena Madureira, com sua bengala e sua gravata borboleta, parece saído de uma máquina do tempo (no bom sentido), alheio ainda à velocidade da vida moderna, à padronização do gosto e, corajosamente, a um mundo onde a literatura continua como última prioridade. A Casa do Saber, mais uma vez, oferece contato com uma lenda viva na sua área de atuação – justo num momento em que o livro, coincidente, experimenta novos formatos (eletrônicos), e sofre leituras diversas (diagonais, fragmentárias, hipertextuais). A ponte entre Gutenberg e a internet, no Brasil, passa por Pedro Paulo de Sena Madureira.
>>> Casa do Saber
 
>>> DOCE PRESENÇA Uma das constatações predominantes nas homenagens aos 80 anos do nascimento de Tom Jobim tem sido, justamente, a falta de novidades desde 1994, ano de sua morte. Jobim definiu uma espécie de cânone da música popular brasileira, desde a bossa nova, que, como os standards de jazz, às vezes funciona à maneira de uma camisa de força, paralisando a inventividade, a interpretação, e provocando apenas a repetição monotônica, de seu legado, como um mantra. Tanto é verdade que a primeira maior “novidade” em termos de interpretação do autor de “Tereza da Praia” acontece por obra e graça de João Gilberto (na contramão dos cantores de fossa); e a segunda mais marcante, em 1974, no álbum Elis & Tom (com a ajuda do próprio compositor). De lá pra cá – e de 1994 pra cá, ainda mais intensamente –, perpetua-se um karaoke de versões, iguais à primeira (João) ou à segunda (Elis), que nada ou pouco acrescentam ao cancioneiro jobiniano. Rosa Passos, para o nosso alívio, parece sinalizar com uma terceira vertente, esperamos, igualmente inovadora. Passos – que, apesar de baiana, circula alto, entre Ron Carter e Yo-Yo Ma – quer dedicar este seu ano ao Brasil e deu uma mostra do que isso significa, no final de janeiro, em São Paulo, no novo Teatro Fecap. Com um repertório entre os 25 anos da morte de Elis (19/1) e os 80 do Tom (25/1), Rosa Passos virou do avesso peças do “maestro e soberano” de Chico Buarque de Holanda. Descolando a melodia do ritmo, mais ainda que João Gilberto em “Águas de Março”, Passos tornou quase irreconhecíveis (por isso, não agradou todo mundo) “Só danço samba”, “Fotografia” e a própria “Águas de Março”, ao violão. Desfez também, de outros compositores, “Samurai” (Djavan), “Desenho de giz” (João Bosco e Abel Silva) e “Só Deus é quem sabe” (Guilherme Arantes). Rosa Passos é efetivamente estrela internacional, de repente tão desconhecida quanto longe de seus patrícios; mas, por causa da mesma distância (e do alcance que ela proporciona) talvez seja a única que possa, atualmente, recriar o Antônio Brasileiro. João Gilberto, via Embratel, e Elis Regina, via Maria Rita, aprovam.
Catarina Falcão
>>> Rosa Passos
 
>>> NO LARGO DO PAÇO Das homenagens prestadas aos 100 anos do vôo do 14-bis, uma das melhores, e mais criativas, foi a de Spacca, também endereçada a Santos Dumont, no álbum Santô, lançamento da Cia. das Letras em 2005. Parece que na esteira do sucesso dessa realização, fruto de anos de pesquisa histórica do próprio Spacca – embora seja uma “simples” HQ –, a editora lançou, em 2006, Debret em Viagem Histórica e Quadrinesca ao Brasil. Debret, como todo mundo sabe (ou deveria saber), produziu uma das mais ricas iconografias sobre o Brasil do século XIX. Primo e discípulo de Jean-Louis David, o célebre pintor neoclássico, Debret se viu desamparado, com a queda de Napoleão III, e a mudança de ventos políticos na França, quando recebeu um convite para fundar uma Escola de Belas Artes no Rio. Mudou o rumo das artes brasileiras e mudou, inclusive, a maneira como o próprio Brasil era visto no Europa (e se via a si próprio). (Para quem tiver ainda dúvida, a editora Capivara registra isso muito bem num catálogo portentoso...) Spacca, em seu Debret atual, conta um pouco dessa saga, de 15 anos no Brasil, mesmo que de forma mais breve, e menos profunda, se compararmos com o seu quase perfil de Santos Dumont. Ainda que tenha produzido incansavelmente, como um Balzac dos pincéis, Debret não teve seu caminho facilitado no Rio e, como parte da chamada missão francesa, teve muitos dos seus desejos frustrados ou postergados, como a Escola de Belas Artes (que permanece até hoje mas que demorou a se concretizar). O álbum de Spacca, de certa forma, evoca uma seção de seu próprio site em que ele, como cartunista, homenageava mestres do traço. Para a geração conectada da virada do século, que mal conhece a representação de seu País em pintura, Spacca e a Cia. das Letras estariam prestando um enorme serviço se seguissem por essa trilha agora aberta.
>>> Debret em Viagem Histórica e Quadrinesca ao Brasil
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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