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Sexta-feira, 18/7/2008
Digestivo nº 373

Julio Daio Borges

>>> BEM-VINDO À SUA CRISE, DE LAURA DAY Em macroeconomia, no Brasil, quando a inflação ameaça, o Banco Central remedia, via reunião do Copom, com aumento da taxa Selic, a taxa básica de juros — mas, e quando a crise acontece na vida pessoal, que remédio se deve buscar? Partindo do princípio de que crises são inevitáveis, assim como as catástrofes naturais, muitas vezes também imprevisíveis, Laura Day escreveu Bem-vindo à sua crise, um manual de sobrevivência com elogios de Nicole Kidman. Cinema nem sempre tem tudo a ver com psicologia, mas uma celebridade, às voltas com relacionamentos efêmeros, deve conhecer bem o significado do termo crise (ou, pelo menos, deveria). Day, uma terapeuta de Nova York, redefine a crise como o momento propício para se abandonar velhos padrões (que, justamente, falharam) e tentar construir, do zero, a vida que se quer efetivamente levar. Recheado de exercícios, em que o sujeito em crise é obrigado a "desenvolver" e até a mexer na ferida, o volume de 200 páginas é, relativamente, curto, mas denso na travessia (sobretudo se a carapuça servir). Dependendo da crise, pode parecer impossível encará-la como uma espécie de "benção", mas é isso mesmo que a autora advoga — afinal, sem a crise, nada mudaria e a vida continuaria uma porcaria. A crise, portanto, deve ser um ponto de inflexão. Uma chance de corrigir a própria trajetória. As pessoas, em geral, reagem à crise de quatro maneiras típicas: ou com violência; ou com ansiedade; ou depressivamente; ou negando a própria crise. Laura Day "trabalha" cada caso no livro e insiste para que não se caia nas três principais armadilhas pós-crise: ruminação, recriminação e revanche. A crise, quase sempre, é a crise de um modelo, que se deve abandonar (porque não serve mais), construindo, no processo da crise, outro. (A tal da "mitologia pessoal".) Depois de um golpe — ou até de um nocaute —, é difícil se reerguer, mas, como dizia Nietzsche, o que não mata, fortalece — então Bem-vindo à sua crise serve como um catalisador.
>>> Bem-vindo à sua crise
 
>>> ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ, DE JOEL E ETHAN COEN Quem entende de cinema, sabe que os Irmãos Coen estão entre os melhores diretores e roteiristas dos últimos tempos — mas essa ficha só foi cair para o mainstream a partir do Oscar. E agora chega, com estardalhaço, a versão em DVD de Onde os fracos não têm vez (No Country for Old Men; um título, para variar, mal traduzido, que justifica, por exemplo, o personagem de Tommy Lee Jones). Filmes de guerra são comuns em tempos de guerra — e alguém até disse que o povo norte-americano só entende a própria realidade quando a vê espelhada em tela grande —, mas, ao contrário da Guerra do Vietnã, que gerou vários longas sobre o front, desde Platoon até Nascido para matar, a Guerra do Iraque, talvez pela ascensão dos mercenários contemporâneos, popularizou, na telona (e na telinha), a figura do agente, do matador de aluguel, do assassino em série. Até em seriados de TV: o exemplo mais acabado é o Jack Bauer, de Kiefer Sutherland, em 24 Horas (longa-metragem prometido para 2009). E em matéria de séries para o cinema, consagrou-se a trilogia Bourne, estrelada por Matt Damon. Pode parecer distante o paralelo com um gênero híbrido, como em Onde os fracos não têm vez, que mistura faroeste até com road movie (disseram), mas está lá, novamente, o tipo que mata por dinheiro, que, em determinado momento, enlouquece (ou desiste) e que, por isso, é perseguido por seus mandantes (contratantes) ou por seus iguais. Afinal, um ex-super-herói, desiludido da vida (ou maluco), não pode andar por aí à solta. Jack Bauer tem suas crises, mas, invariavelmente, volta pra casa (ou para o que restou dela); Jason Bourne não quer voltar mais, então tem de viver fugindo; já Anton Chigurh (Javier Bardem) é pior do que "uma encarnação da peste bubônica", logo, não está nem aí (que venham todos). Secos e insubordinados desde a primeira realização, os Irmãos Coen, quem diria, rimaram com o mainstream e com a "correção política" de tempos de guerra. Mas Onde os fracos não têm vez deve ser visto e Bardem merece toda a consagração da qual tem sido vítima.
>>> Onde os fracos não têm vez
 
>>> A MODERNIDADE DA TRADIÇÃO, DE MARCOS SACRAMENTO O que dizer do melhor senão que é, simplesmente, "o melhor"? Talvez para mudar um pouco, podemos dizer que Marcos Sacramento já era "perfeito" quando começou, em 1994, com A Modernidade da Tradição, relançado agora pela Biscoito Fino. Na onda de regravações de Chico Buarque (nem ele agüenta mais), Sacramento desbanca todo mundo com a interpretação provavelmente definitiva de "A Volta do Malandro", que emenda, habilmente, com "Largo da Lapa", de Wilson Batista. Cala, de novo, já na segunda faixa, abrindo com "Pela décima vez" ("Jurei não mais amar..."), de Noel Rosa, impecavelmente emendada com "Fez bobagem", de Assis Valente. "Mulher sem alma", de Nélson Cavaquinho, soa como uma mistura de tragédia e confissão, pungentíssima; "Morena", de Paulo César Pinheiro, anuncia o ritmo exato de Memorável Samba (seu segundo pela BF); "Lábios que beijei", de J. Cascata, vem clássica desde a respiração; "Dos prazeres, das canções", de Péricles Cavalcanti, um "Samba da Benção" avant la lettre, engata, surpreendentemente, com "Genipapo Absoluto" (melhorada), de Caetano Veloso. A Modernidade da Tradição fecha com "Infidelidade", de Ataulfo Alves, num épico triste, e "Apoteose do Samba", para não acabar em fossa, num dos melhores momentos do álbum (e do samba, também). Se não fosse o primeiro registro de Marcos Sacramento, poderíamos afirmar que é mais uma obra-prima dele, quando é, na verdade, a primeira. Há enorme mérito, não podemos esquecer, nas presenças de Maurício Carrilho (ao violão) e Marcos Suzano (na percussão) — mas não podemos esquecer, igualmente, que eles acompanharam outras "promessas" e que nem todas atingiram (ou mantiveram) seu potencial. A Modernidade da Tradição se dispõe a reiteradas (e variadas) audições — num tempo em que quase nada lançado resiste a algumas voltas na vitrola.
>>> A Modernidade da Tradição - Marcos Sacramento
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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