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Sexta-feira, 15/8/2008
Digestivo nº 377

Julio Daio Borges

>>> CARA B, DE JORGE DREXLER Se Contardo Calligaris é o novo Chico Buarque, então Jorge Drexler é o novo Caetano Veloso. Chegou ao Brasil proclamando, até pela Veja, que pretendia homenagear João Gilberto em seu novo show, mas a estética estava mais para Fina Estampa (ainda que, nessa turnê, Caetano vestisse terno como o Inventor da Batida). Se a bossa nova ecoou de imediato no jazz americano ou até antes — com Caymmi e Barroso adotados pelos gringos antes do primeiro show no Carnegie Hall —, a MPB ecoa, como novidade, até hoje pela América Latina. As declarações de amor de Devendra Banhartcomentando os discos de Caetano dos anos 70 e 80 no YouTube — não parece ser um caso isolado, depois desse Cara B de Jorge Drexler. O compositor da trilha do Che Guevara de Walter Salles (para evidenciar que a linha se cruza mais de uma vez) mostra que sua admiração pela música brasileira vai além de um dueto em estúdio com Maria Rita (em 12 segundos de obscuridad), gravando agora "Dom de iludir" em português aprendido (o que, a propósito, não faz muito sentido no todo). "Gracias", por exemplo, é um samba (vale lembrar que João Gilberto sempre chamou a bossa nova de "samba"). "Todo se transforma" poderia conter "Filhos de Gandhi" (de Gil, o duplo de Caetano) como música incidental; e "Cara B" (a própria) parece que vai embalar com versos de "Da maior importância" (de Qualquer Coisa). Tudo bem, o Tropicalismo não inventou o "banquinho & violão", mas existe uma faixa da produção de Gil e Caetano — do exílio em Londres aos primeiros discos da volta ao Brasil — que se reflete "presentemente" em artistas contemporâneos como Drexler e Banhart. E, claro, Jorge Drexler tem dicção própria — assim como Devendra —; seu diálogo atual com a Espanha deve ser, inclusive, de maior relevância. Para o Brasil, contudo, nada ofusca o fato de que ele é o novo Caetano Veloso.
Foto de Paula Marina Castro
>>> Cara B - Jorge Drexler
 
>>> NÃO ESTOU LÁ, COM CATE BLANCHETT Não estou lá foi mais anunciado pelo casting superestelar para dar conta do camaleônico Bob Dylan do que por qualquer outra coisa — mas é mais uma mensagem cifrada para não-fãs de Dylan do que um cartão de visita do seu songbook (para não-iniciados). Apesar de presenças de peso, como o já jovem mito Heath Ledger (o atual Coringa) e o galã aposentado Richard Gere, quem brilha, incontestavelmente, é Cate Blanchett. Focada no primeiro e mais interessante ponto de inflexão de Bob Dylan — quando ele abandonou a aura de profeta folk e se converteu às guitarras elétricas (virando popstar) —, apresenta a última crise de consciência de Zimmerman, antes de vender a alma ao establishment, a qual poderia tê-lo matado (como deixa sugerido o próprio filme). Mesmo Blanchett, contudo, não explica muita coisa — dura, por exemplo, um segundo a cena em que ela apresenta as drogas aos Beatles. E seus delírios com Allen Ginsberg compensam — apesar de ininteligíveis — a perseguição cansativa do âncora do jornalismo, querendo, invejosamente, desconstruir o mito. O personagem Woodie Guthrie desempenhado pelo jovem ator negro Marcus Carl Franklin foi, efetivamente, uma sacada — embora jamais cole um Dylan tão precoce. Ben Whishaw solta bons aforismos autodenominando-se "Arthur Rimbaud" — mas quem entende a sutileza daquilo? Heath Ledger vale por afirmar que "mulheres nunca poderiam ser poetas"; no mais, é um bêbado enfadonho brigando com uma mulher mais chata ainda. Christian Bale compensa evocando Lee Oswald, mas estraga tudo (até Julianne Moore) convertendo-se ao cristianismo. Não estou lá, enfim, é um filme à clef, com altos e baixos — não aconselhável, portanto, para não-versados no tema Bob Dylan.
>>> Não estou lá
 
>>> FREDERICA VON STADE E JAKE HEGGIE Frederica von Stade ascendeu ao pódio da simpatia sobrepujando, até agora, todas as demais atrações da Temporada 2008 do Mozarteum Brasileiro. Entrou fulgurante, de vermelho, reluzindo em brincos e emendando logo "I am rose", de Ned Rorem. Jake Heggie também brilhou ao piano, numa mistura alegre de Eduardo Dussek com a elegância esguia de um restaurateur Charlô. Além de protagonizar uma interação rara de mezzo soprano e pianista com a platéia, souberam dividir o programa em blocos temáticos, suavizando a execução normalmente mecânica em duo, graças a sets como "Rosas", "Paris", "Religião", "Crianças", "Shady Ladies" e "Moi". No primeiro bloco, apesar do anúncio do maestro Chnee (no Clube do Ouvinte), Schubert terminou abafado pelas palmas (insistentes); Strauss, com "Die Erwachte Rose", soou mais denso que Schubert; Fauré passou relativamente despercebido, para encerrarmos, em apoteose, com "La vie en rose" (mais técnica e menos orgânica que a de Piaf). No segundo bloco, o parisiense, destacou-se, de novo, Ned Rorem ("Early in the morning"), deixando Poulenc para trás, fechando com "Japão" e "Marcha Nupcial" (em Daniel Schmitt e Marc Berthomieu). "Religião", o terceiro, trouxe a solenidade pretendida, coroando, subitamente, com o mesmo Poulenc de antes ("Priez pour paix", lembrando nosso André Mehmari, pelo dedilhado bem minimalista). "Crianças", depois do intervalo, chamou a atenção por Copland, "Little Horses" (um primor de pronúncia), e pela homenagem (mais emocionante até do que a própria performance) ao mesmo Heggie (em sua "Don't say a word", de Dead Man Walking). "Shady Ladies" superou a correção política em "Amor", de William Bolcom; e "Moi", o último bloco, talvez começou melhor (com Sondheim) do que terminou (com Bernstein). De todo modo, uma seleção de Primeiro Mundo — com um desempenho de Primeiro Mundo (o que é, convenhamos, ainda mais raro).
>>> Mozarteum Brasileiro
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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