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Quarta-feira, 15/5/2002
Digestivo nº 81

Julio Daio Borges

>>> QUE VENÇA... Segundo a lógica marqueteira da nossa época, quando um empreendimento vai mal, não merecendo a atenção da mídia, o que se faz? Cria-se um fato novo. Não importa se a repercussão a esse fato será positiva ou negativa (aliás, conforme o chavão “falem mal mas falem de mim”, isso não está mesmo em questão). O fundamental é mobilizar o máximo de veículos e de pessoas (incluindo os especialistas e o público leigo), para que o empreendimento volte à ordem do dia, mesmo que toda a armação prejudique a tal “credibilidade” e redunde num fracasso futuro ainda maior. Foi precisamente o que aconteceu no circo da Fórmula 1. E todo mundo caiu feito pato, indignando-se com fervor, quando soube que Rubens Barrichello cedeu, de propósito, o primeiro lugar, no grande prêmio da Áustria, a seu companheiro de equipe, Michael Schumacher. Não existe novidade na “marmelada” (ou “palhaçada”, como preferirem); a novidade está em a Fórmula 1 (como um todo) beneficiar-se dela, numa tentativa calculada de voltar a ser assunto. São quase cômicas as declarações de repúdio dos espectadores brasileiros, prometendo “pela milésima vez” (desde a morte de Senna) nunca mais assistir ao grande prêmio, no domingo de manhã. O que há de asqueroso, no entanto, é a retórica pseudo-inconformada de jornalistas e entusiastas do esporte que sabem muito bem que isso sempre aconteceu, embora a maquinação estivesse normalmente acobertada; ao posar de inocentes e ludibriados, vendem o seu peixe (sob a tarja de ineditismo) e ainda contam com a simpatia da massa revoltada. Nessas horas, Deus não se mostra lá muito brasileiro. Ainda assim, nossa “alma de vira-lata” se sente vingada, quando o mundo inteiro constata que “aquele algo de podre”, que contaminava o nosso futebol, está presente em praticamente todos os outros esportes, seriíssimos até então.
>>> Para: Rubens Barrichello De: Sua ex-torcida
 
>>> JAI GURU DEVA OM O cartaz não inspira muita confiança: Sean Penn bancando o bonzinho e Michelle Pfeifer em pose de “mulher apaixonada”, típica dos filmes que às pencas estrelou. Mas a trilha... [Ah, a trilha...] é uma das mais interessantes dos últimos tempos. Está certo, ninguém mais agüenta ouvir falar em Beatles – mas o que fazer se as versões dos Fab Four ainda dão pano pra manga? É engraçado ver, por exemplo, Eddie Vedder, um ex-rebelde do grunge, numa versão bem comportada (absolutamente reverencial) de You’ve Got To Hide Your Love Away, com gaitinha e menos de três minutos. Também os setentistas do Black Crowes, convertendo Lucy In The Sky With Diamonds em canção de ninar, completamente divorciados de suas guitarras, apelando para teclados e sons de caixinha de música. Nick Cave chegou até a abandonar “aquele tom soturno”, para se afinar com a filosofia esperançosa de Let It Be. Por incrível que pareça, Sheryl Crow foi mais ousada que o normal, transformando Mother Nature’s Son em hino “country” (algo que a original de Paul McCartney já insinuava mas não desenvolvia plenamente). Ben Harper nunca esteve tão pop e nunca soou tão Motown quanto em Strawberry Fields Forever. O que é tudo isso, afinal? Isso tudo é Beatles. Não apenas um conjunto de composições, mas um “jeito” de interpretar, uma “postura” musical, que ainda toma conta de uma geração inteira de músicos – pois, apesar dos diferentes “backgrounds”, a unidade do disco se afirma, indelével. A quem creditar essa façanha senão a John, Paul, George and Ringo? Bons achados também nas (re)leituras de: Across The Universe (por Rufus Wainwright); I’m Looking Through You (The Wallflowers); I’m Only Sleeping (The Vines); Revolution (Grandaddy). Mas que ninguém se engane: o que se ouve, de ponta a ponta, é Beatles.
>>> i am sam (uma lição de amor) - Trilha Sonora - Sum Records
 
>>> UM LONGO DESAMOR Ana Lúcia Torre e Eduardo Moscovis, o núcleo da última montagem de “Eles não usam Black Tie”, estão de volta aos palcos paulistanos com “Norma”, de Dora Castellar e Tonio Carvalho. Depois de uma bem sucedida temporada no Rio de Janeiro e de uma elogiada passagem pelo Festival de Curitiba, a peça chega a São Paulo, no Teatro do Centro da Terra. De concepção intimista, para palcos pequenos e platéias selecionadas, o espetáculo é pontuado pela delicadeza e pelos gestos vagarosos, embora marque o espectador mais pela catarse. Norma (aquela que vive a “regra”) e Renato (aquele que passa por um “renascimento”) encontram-se por acaso, graças a um número de telefone que precisava ser atualizado – mas acabam descobrindo semelhanças, coisas e pessoas em comum, que possibilitam uma experiência profunda e também dolorosa. Em linhas gerais, Norma redescobre em Renato o filho que nunca aceitou; e Renato redescobre em Norma a mãe amargurada e solitária, num ideal de perfeição. Atualmente, em teatro, o consenso é de que as grandes situações cênicas só podem ser alcançadas quando as personagens vivem um momento de crise. Portanto, é quase comum topar com textos que conduzem a platéia até a beira do abismo (nem sempre havendo redenção). Talvez fosse importante também ressaltar o aspecto lírico, que em Norma igualmente enriquece e encanta. Pena que a crítica só se preocupe com a “regressão psicanalítica”, orientando as iniciativas teatrais por esse viés, quando há também a música, a dança, as palavras doces e o afeto desinteressado. É preciso retomar os bons sentimentos, que – tanto quanto os “maus” – também transformam o espectador. Eis aí justamente a oportunidade de questionar a norma.
>>> Norma - Teatro do Centro da Terra - Rua Piracuama, 19 - Tel.: 3675-1595
 
>>> O CONSELHEIRO TAMBÉM COME (E BEBE) Inaugurado em abril, o “Restaurante do Instituto” (no caso, o Tomie Ohtake), comandado pela chef Leila Pires, vem encantando os paulistanos recém-saídos de uma exposição, de uma reunião de negócios, ou simplesmente atrás do já famoso “brunch” (sempre aos domingos). Concebido pelo arquiteto Ruy Ohtake (e dirigido por seu irmão Ricardo), em homenagem à sua mãe Tomie, o Instituto inaugura um modelo híbrido que combina mostras com escritórios, artistas com executivos, cultura com iniciativa privada. Além de arrojada e bem implementada, a idéia aponta uma saída para os eternos impasses financeiros por que passam as casas de cultura. Para dirigir o restaurante do prestigioso Instituto, os Ohtake convidaram a chef Leila Pires que, há quase 20 anos, está à frente do conceituado buffet “Panella Bonita”. Além de assinar toda uma gama de criativos pratos (o cardápio muda a cada quinze dias), Leila é também uma humanista: por trás de seus empreendimentos, há toda uma filosofia de trabalho e uma declaração de princípios, algo que praticamente inexiste na cena gastronômica brasileira. Seus garçons e suas garçonetes, finos, educados e bem-apessoados, são, por exemplo, todos ex-comissários de bordo. Fora a remuneração acima da média, Leila lhes garante assistência psicológica e condicionamento físico, pois acredita no bem-estar individual e na força do ambiente de trabalho. Essa preocupação com o ser humano reflete, obviamente, nas relações com a clientela. Detalhista e perfeccionista ao extremo, a chef fiscaliza e acompanha tudo o que sai de sua cozinha (volta e meia, trocando pratos e assumindo panelas). Como se não bastasse todo o profissionalismo, Leila é uma artista. Impossível esquecer a experiência de seu “brunch”, a culinária leve, e a estética na disposição e na apresentação dos alimentos. Não há sugestões específicas, o cardápio deve ser provado como um todo. Se alguém ainda assim insistir, a própria Leila seleciona diariamente uma de suas especialidades. Nesse Dia das Mães, inclusive, ela prepara um menu especial à base de flores. É mais uma chance de visitá-la e render-lhe os cumprimentos que ela merece.
>>> Restaurante do Instituto - Rua Coropé, 88 - Pinheiros - Tel.: 6844-1918
 
>>> GREAT POWER, GREAT RESPONSIBILITY É apenas uma questão de dias até que o Homem-Aranha chegue até nós. Vem escoltado por uma tentacular campanha de promoção da Sony (Music) e da Columbia (Pictures), como nunca se viu antes; quebrando recordes por onde quer que passe. Nada indica que com o Brasil seja diferente: aqui também terá a maior bilheteria da História, já no primeiro fim de semana. O filme vem sendo anunciado em trailers, como nenhum outro predecessor; está previsto para estrear em mais 500 salas em todo território nacional. Tem tudo para ser o arrasa-quarteirão deste século XXI. Inclusive argumento; atores competentes; e, principalmente, embasbacantes efeitos especiais. Com a supressão das cenas do World Trade Center, os vôos rasantes do Aranha pelas ruas de Nova York se converteram numa bela homenagem ao Manhattan Skyline. Graças a uma técnica revolucionária (creditada a um desses geninhos da computação gráfica, John Dykstra), a câmera acompanha o tarzan da selva de pedra, com seus cipós em forma de teia, como se fosse a sua própria sombra; promovendo mergulhos vertiginosos e profundos, aproximando o espectador da experiência da queda livre. Panorâmicas que, por si só, já valem o ingresso. No que se refere à adaptação, os fãs de quadrinhos podem ir sossegados: um dos produtores executivos é nada mais nada menos que Stan Lee, criador do Spider-Man há exatos quarenta anos; sem contar que Sam Raimi, o diretor, costumava dormir sob um quadro do Aranha, que pediu para pintarem no seu aniversário, quando criança. Tobey Maguire está suficientemente cativante e charmosamente desajeitado, como Peter Parker; e Kirsten Dunst deu uma Mary Jane Watson bonita à altura, mas não tão maliciosa (ainda que isso não comprometa). Willem Dafoe administra bem os conflitos de personalidade do vilão; e o casal, Cliff Robertson e Rosemary Harris, acolhem o jovem Peter com a ternura idílica dos tios (no caso, também pais de criação). Além da movimentação típica dos filmes de aventura, há no Homem-Aranha muito humor. É, portanto, apesar do barulho, diversão completa. E digna de ser vista.
>>> Spider-Man
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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