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Segunda-feira, 17/10/2005
O Terrorista, Ele Observa

Julio Daio Borges




Digestivo nº 249 >>> Criar tipos para criticar costumes, na nossa sociedade, foi uma prática que se disseminou dos anos 90 pra cá, no nosso teatro, desde que Pedro Cardoso estreou seu espetáculo Os Ignorantes (1999) — outro dia lembrado por Matheus Natchergaele, numa eleição particular dos "mais mais" — ou desde antes (não se sabe...). O fato é que tivemos, entre altos e baixos, ainda o furor da Terça Insana, de Grace Gianoukas, e o desbunde de Cócegas (daquelas duas que diziam "não conseguir trabalho"...). E o fato é que agora temos Prego na Testa (Sesc Belenzinho), com Hugo Possolo, dos Parlapatões, um grupo acima de qualquer suspeita, segundo os insiders... Parece que até podemos adivinhar a lógica: um determinado grupo, cansado de peças sérias, ou de comédias sérias — vá lá —, decide cair no gosto do público e apela para o expediente das imitações, focando, justa e ironicamente, a própria platéia, a sempre emparedada classe média (já que a "classe alta" há muito não se interessa por teatro, se é que um dia se interessou, e já que a "classe baixa" não tem dinheiro para comprar entradas). Possolo, como ator, é um virtuose do palco e deve perder tantas calorias quanto um corredor de maratonas ou quanto um rapazola (ou uma moça) saltitando numa rave por dias e noites. Alguns tipos são impagáveis, como o burguês emergente, descendente de italianos, que oferece aos filhos a picanha "sangrentinha", realizando-se na grelha, enquanto a família está lá na piscina, e protegendo a casa de campo com modestas cercas eletrificadas; ou o aspirante a ator, que deve efetivamente assediar Possolo após cada apresentação, rogando por sua presença no Next, quarta-feira, uma e meia da manhã, a fim de introduzir-lhe à nova vanguarda do teatro nacional, numa peça com sangue e carnes de açougue... Outras, porém, caem na "voz corrente", de quem mira na classe média (supostamente) acomodada nos seus hábitos. E Possolo merece todo o sucesso que conseguir conquistar (se é que o objetivo é mesmo esse), mas talvez devesse agredir um pouco menos seu espectador. O humor, em si, já é demolidor, por natureza, e uma dose maior de sutileza nunca faz mal — mesmo para uma classe média obsedada pela televisão. No mais, vida longa aos Parlapatões!
>>> Prego na Testa - Parlapatões - Sesc
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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