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Segunda-feira, 29/7/2002
Ad imortalitatem

Julio Daio Borges




Digestivo nº 92 >>> Vozes inconformadas se levantam neste momento contra o ingresso de Paulo Coelho à Academia Brasileira de Letras. Para além da indignação geral e do absurdo, essa eleição talvez se destaque das outras por seu caráter eminentemente histórico: ela espelha inequivocamente o estado de confusão mental em que se encontram as artes e a cultura contemporâneas. E também a noção que as pessoas fazem de literatura, na aurora do novo século. A criação foi definitivamente dessacralizada, e a fruição banalizada até o limite da ignorância e da insensibilidade. Qualquer cidadão, não importando sua origem ou formação, deve estar apto a consumir "produtos artísticos" e "bens de cultura", independentemente de ter inclinação ou nutrir gosto pela coisa. A necessidade, portanto, das obras-primas se afirmarem justamente por seu caráter mundano permitiu o ingresso de magos dos números (e das cifras) no panteão de espíritos elevados, secularmente inacessíveis ao vulgo. Machado de Assis nunca freqüentou a lista dos mais vendidos, mesmo quando impingido como leitura obrigatória em sala de aula - naturalmente, como se vê, não faria barulho num país de 170 milhões de habitantes e num planeta de 6 bilhões de terráqueos. Já Paulo Coelho obteve consagração intergaláctica, sendo recebido por pequenas multidões de leitores e de chefes de estado, onde quer que pisem seus livros e sua pessoa. Faltava-lhe, nesse contexto, a legitimação dos grandes das letras brasileiras - e onde obter isso senão na casa fundada por Machado de Assis (tradicional, ainda que contestada por muitas gerações)? Paulo Coelho conseguiu; mas isso não o livra de ser esquecido pela posteridade; nem salva seus apoiadores do fogo da inquisição intelectual, em épocas futuras. A literatura de Paulo Coelho não melhora e a literatura brasileira não piora, por ele ser hoje um "imortal". Até porque a imortalidade, aquela que só o tempo confere, está muito além do juízo dos homens.
>>> Paulo Coelho
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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