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Segunda-feira, 31/3/2003
O perfeito cozinheiro das almas deste mundo

Julio Daio Borges




Digestivo nº 127 >>> Oswald de Andrade foi provavelmente a figura mais emblemática do modernismo brasileiro. Tanto na vida quanto na obra. Quando Vinicius de Moraes faleceu, Carlos Drummond de Andrade comentou: "Eis um poeta que viveu como poeta". O mesmo se aplicaria à disputa entre os Andrades da Semana de 22: Oswald e Mário. Entre o teórico e o prático, "Um homem sem profissão", as relançadas memórias do autor de "João Miramar", faz pender a balança da realização literária para o lado do Antropófago. Oswald é ainda escritor atualíssimo (ao contrário de seus seguidores concretos), senhor de uma prosa limpa, jornalística, livre de conectivos e de embaraçosos neologismos. É o pai da simplificação moderna da escrita, reverberada em veículos como "O Pasquim" (o original) e em jornalistas como Millôr Fernandes e Paulo Francis. O beletrismo de Olavo Bilac e Coelho Neto provocava-lhe horror e o Antropófago fez o possível para banir sua influência das letras brasileiras. Quase conseguiu. (Infelizmente.) A diferença entre Oswald e seus antagonistas se faz sentir nas páginas arejadas, ainda que telegráficas, de "Um homem sem profissão". Trata-se da primeira parte do projeto memorialístico (em três tomos) que Antonio Candido sugeriu ao autor de "Serafim Ponte Grande". Oswald, reduzido a um sexagenário adoentado, amargava o ostracismo de pés inchados, quando foi convencido pelo amigo a narrar suas peripécias antropofágicas. E é com divertido "élan" que ele passeia por suas lembranças de uma São Paulo do início do século (XX), onde deu os primeiros passos como homem, como escritor e como agitador cultural. Ficamos sabendo como seu pai, o vereador José Oswald, se tornou um dos brasileiros mais ricos de seu tempo, ao arrendar e nomear a região hoje conhecida como Cerqueira César. Acompanhamos o desempenho escolar do protagonista nos colégios Caetano de Campos e São Bento, sua passagem tumultuada pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e seus empreendimentos na seara jornalística, como "O Pirralho". E claro, como não poderia deixar de ser, exploramos o desabrochar de uma sexualidade vibrante, mãe de amores eternos: Kamiá, Landa e Daisy. (Ainda viriam Tarsila, Pagu e Maria Antonieta D'Alkmin.) Para além da importância do modernismo brasileiro, se ainda há algo para ser lido, são os escritos de Oswald de Andrade. E esses têm, em "Um homem sem profissão", seu melhor começo.
>>> Um homem sem profissão - Oswald de Andrade - 236 págs. - Globo
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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