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Quarta-feira, 2/4/2003
The Spooky Art

Julio Daio Borges




Digestivo nº 127 >>> Embora tenha sido escrito no dia 27 de fevereiro e publicado no "The New York Review of Books" de 27 de março, o ensaio de Norman Mailer sobre a guerra do Iraque é o que há de mais pertinente para se ler sobre o assunto. Soa mais ou menos óbvio que as melhores análises sobre o conflito, que envolve a política doméstica dos Estados Unidos, saiam de penas que acompanham o dia-a-dia de democratas e republicanos - assim como os melhores perfis de Lula só podem sair da cabeça de gente que conhece os meandros da política que se faz no Brasil. Além disso, o sujeito precisa traçar paralelos com outras guerras e outros conflitos semelhantes, dentro e fora da América do Norte. Por último, é necessário saber escrever. Reunir essas três qualidades, hoje, numa única pessoa é quase impossível. Aqui, para começar, os jornalistas estão dominados pela ideologia de seu partido: cada um vai contar a história "do seu jeito". Depois, poucos viveram, por exemplo, o Vietnã - sendo cronologicamente incapazes de comparações fundamentais entre, digamos, Donald Rumsfeld e Robert S. McNamara. Para terminar, escrever, de verdade, muito poucos sabem. Então Norman Mailer - 80 anos, jornalista ativo, escritor entre os maiores dos Estados Unidos - dá um banho em cadernos inteiros que a imprensa brasileira diariamente regurgita sobre a guerra. Mailer intitula seu ensaio "Only in America", algo como: "Só [mesmo] nos Estados Unidos". A seguir, parte de uma reconstituição do fenômeno George W. Bush que remonta ao governo Bill Clinton, atravessa o escândalo Monica Lewinksi e se consolida com a derrota de Al Gore numa eleição e numa apuração macarrônicas. Refresca a nossa memória sobre a figura biônica do ditador Saddam Hussein, estabelece a comparação básica com Osama bin Laden e termina concordando que a briga, mais que por terrorismo, é por petróleo. Mas não absolve a Europa de todas as suas culpas, nem inocenta a China ou a Rússia (seu passeio pela guerra fria é igualmente notável). Engata, contudo, um raciocínio que é dinamite pura: Bush, os republicanos e os neoconservadores de última hora, no fundo, querem é "salvar o mundo". Reverter a liberação sexual, o lixo atômico produzido pela mídia, a força ameaçadora das "minorias" reinantes. Mais do que o discurso, é a luta do "bem" contra o "mal" - e a mensagem do império nunca esteve tão clara: "Se nós não desviarmos o mundo do caos e do mau caminho, quem o fará?". Esse é Norman Mailer, emulando George W. Bush. Deleite puro. A imprensa brasileira deveria urgentemente traduzi-lo, e elevar a discussão a um patamar mais adequado.
>>> Only in America
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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