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Sexta-feira, 17/12/2004
Acossado

Julio Daio Borges




Digestivo nº 206 >>> Por algum motivo, têm pipocado, através do mundo, revisionismos sobre os anos 60. Desde as incursões discursivo-cinematográficas de Denys Arcand até romances, como no Brasil, O Silêncio do Delator, de José Nêumanne. Bernardo Bertolucci, o diretor italiano que já havia visitado o tema, digamos, indiretamente, resolveu também mergulhar de cabeça e escolheu o episódio de maio de 68. O interessante é que, embora tenha tomado para si um marco político dos mais candentes, produziu um filme lírico — chegando, até onde se pode afirmar, a conclusões muito semelhantes às do brasileiro Nêumanne e às do canadense Arcand. A maior herança dos anos 60, segundo Os Sonhadores (The Dreamers, o longa), foi a revolução comportamental, de costumes, e não a política, de engajamento social. Óbvio que essa visão irritou os sobreviventes ideológicos daquele então, e fez com que, por exemplo na França, se lançassem trocadilhos depreciativos em cima do título em francês, Les Innocents. The Dreamers, de certa forma (consciente ou não), faz pouco da agitação juvenil que envolveu a Paris de 1968 — pois seus protagonistas, mais do que se encantar com a movimentação nas ruas, preferem explorar sua sexualidade, solitária ou em grupo, com ou sem tabus. Os Sonhadores começa com a interdição da Cinemathèque Française, onde os personagens se descobrem, e se encerra com o enfrentamento entre policias e estudantes, com direito a gás lacrimogêneo e coquetéis motolov. Mas são apenas molduras finas que justamente contextualizam o miolo do filme, onde um americano, uma francesa e seu irmão se trancam num apartamento e se amam sem restrição. Malgrado os protestos dos detratores da "arte pela arte" (eles acham inconcebível que se fale de 68 sem exatamente se falar em 68), Bertolucci conseguiu o feito brilhante de retratar, vá lá, o desbunde sexual daqueles anos, sem cair em clichês inevitáveis e sem produzir uma "novidade" que não traz nada de novo (três décadas e meia depois). Mesmo para quem não vê graça em política (e essa é a reclamação das viúvas de 1968), The Dreamers é uma viagem irresistível com trilha sonora de Jimi Hendrix, Jim Morrison e Janis Joplin. Não vai conquistar todo mundo, é lógico — mas os poucos fisgados já terão compensado as atuais chuvas e trovoadas.
>>> The Dreamers - Bernardo Bertolucci (entrevista)
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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