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Quarta-feira, 1/6/2005
Balada

Julio Daio Borges




Digestivo nº 229 >>> Em um capítulo do Doutor Fausto de Thomas Mann, há a transcrição de uma palestra inteira sobre uma única sonata de Beethoven. Reza a lenda que Mann, tendo recebido uma visita de Theodor Adorno na noite anterior – onde, além de discutir sobre música, trocaram impressões sobre Schoenberg ao piano –, amanheceu no dia seguinte e despejou tudo no referido capítulo da sua obra sobre o compositor fictício Adrian Leverkühn. Quem nos contou essa história, ao vivo, foi o crítico João Marcos Coelho, um dos últimos baluartes da música erudita no Brasil, quando detalhava seu programa no CPFL Cultural. Alguns jornalistas, quando ouviram, fizeram careta – pois acharam que nunca iria entrar, em sua matéria, esse tipo de informação. Quando, inclusive, perguntado sobre os futuros caminhos da música contemporânea, João Marcos Coelho foi taxativo e não viu outra alternativa que não o atonalismo (mais bocejos da platéia...). De novo. Para quem quer tomar contato com as dissonâncias às quais aparentemente estamos condenados (embora haja dissidências), deve ouvir os dois álbuns da pianista Gilda Oswaldo Cruz, que vive entre Lisboa e Barcelona, pela Biscoito Fino, sobre o compositor brasileiro (mais especificamente, sobre o piano de) Claudio Santoro. (Não, nada a ver com aquele ator da Globo.) Santoro viveu entre 1919 e 1989, deixou mais de 400 composições, entre peças as mais variadas, inclusive óperas, sinfonias, etc. Transitou entre o nacionalismo e o dodecafonismo, e ainda que esses sejam termos difíceis para a maioria das pessoas, nada pode soar mais difícil do que a primeira (segunda, terceira, quarta...) audição desses dois CDs (um de 2001 e outro de 2004). A imagem mais próxima é a de um gato solto em cima do piano, pisando em teclas aleatórias e saltando com diferentes intensidades. Brincadeiras à parte, os climas são geralmente densos e soturnos – não absorvíveis numa primeira instância, o que o marxista Adorno considerou uma “resposta” ao mundo burguês, à pobreza, à feiúra, essas coisas. Para quem só acha que vai sofrer arduamente, há o alívio de alguns instantes de inteligibilidade. No mais, fica o gosto mais de uma incursão arqueológica do que de um prazer estético propriamente dito (como o da música tonal). Afinal, para além do gosto, trata-se de um registro histórico, antes de qualquer coisa.
>>> Gilda Oswaldo Cruz
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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