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Sexta-feira, 20/10/2006
O Escrivão Bartleby
Marília Almeida

Do alto de seus 56 anos de carreira, direção de 85 peças de teatro com alguns dos mais importantes atores brasileiros e atuação em 29, o diretor e ator Antônio Abujamra agora dirige com primor O Escrivão, em cartaz em São Paulo até o dia 29 de outubro. O espetáculo não deixa nada a desejar: seja pela cenografia dinâmica e surpreendente de J.C Serroni, que explora todos os ângulos possíveis do palco e recria uma torre de dois andares; a iluminação e figurino impecáveis de Kleber Montanheiro e a trilha sonora original de André Abujamra, além de grandes atuações.

Com adaptação e direção de produção de Marília Toledo, autora de Amídalas, pelo qual ganhou o prêmio APCA em 2000, além de Marias do Brasil e Mistinguett, a peça é baseada na novela Bartleby, o escrivão, do escritor norte-americano Herman Melville, autor de Moby Dick. Escrita em 1853, foi considerada pelo renomado escritor argentino Jorge Luis Borges uma das obras mais importantes para a humanidade e precursora de Kafka. Ela já havia sido anteriormente adaptada para o teatro pelo americano R. L. Lane e montada em 2004 pelo diretor inglês Jonathan Holloway, obtendo sucesso de crítica e público.

Situada no final do século 19, a narrativa se desenvolve em um escritório de advocacia de Wall Street e tem início quando o proprietário contrata um novo escrivão: Bartleby. Ele se mostra um funcionário esforçado e produtivo que se diferencia dos demais, mas, ao mesmo tempo, uma pessoa misteriosa sem história ou passatempos, a não ser admirar o infinito. Mas esta personalidade exótica não interfere em seu trabalho; até que um dia, ao ser requisitado por seu chefe a fazer uma tarefa, diz preferir não fazê-la. Esta resposta e um crescente imobilismo do escrivão traz à tona fatos surpreendentes e uma grande reviravolta na história, mostrando como a rotina rígida pode se mostrar frágil diante da negação inesperada e as instituições, ocas.

A peça tem uma peculiaridade: explora movimentos de personagens no palco puramente ilustrativos, que se assemelham a ponteiros do relógio e expressam a passagem do tempo e de cena. Ainda utiliza um telão para contextualizar datas e um pequeno balcão situado ao lado do palco é lugar para um desabafo pessoal do ator dirigido à platéia, como se vislumbrássemos por um momento o tempo presente, fora da história que se passa à nossa frente. A expressão dúbia de Miguel Hernandez como Bartleby é eficiente e complementada pelas boas atuações de Marcelo Galdino, como Prudente; Adriano Stuart, como Horácio; André Corrêa, como Rufus; e Abrahão Farc, no papel de Ravid. As tiradas sarcásticas dos personagens com pitadas de assuntos modernos suavizam a peça e dão cor e leveza a uma obra por natureza pesada e monocromática.

Para o diretor Antonio Abujamra, Bartleby deve existir pelas esquinas, mas nunca conseguimos decifrá-lo. "Percebi, sob as aparências, o mundo infinito que invade Bartleby e foi uma luta, sem dúvida, feroz, para chegarmos dentro de uma análise cruel deste Melville que é um bumerangue, nos atinge de volta e parece querer cortar a nós mesmos, com o caos na garganta, fazendo de Bartleby uma comédia-pânico, onde as palavras iluminantes mostram, na sua pureza, um esplendor humano".

Para ir além
Teatro Aliança Francesa - Rua General Jardim, 182 - Telefone: 11 3188-4141 - Sexta, às 21h30; sábados, às 21h; e domingos, às 19h - Preço: R$30 (inteira) e R$15 (meia) - Até 29 de outubro.

Marília Almeida
20/10/2006 às 13h11

 

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