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Sexta-feira, 10/9/2010
Das cinzas à beleza
Eugenia Zerbini

Duda Penteado, artista plástico brasileiro radicado há 15 anos nos Estados Unidos, foi testemunha in loco da destruição das Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001. Estava em seu atelier, em Nova Jersey ― do outro lado do Rio Hudson ― naquela funesta manhã. Até hoje, passada quase uma década, lembra-se de que, após o choque do segundo avião contra o aço, o vidro e o concreto do World Trade Center e o massacre das pessoas que lá chegavam para o trabalho, rumou para a laje de cobertura do prédio em que se encontrava. Mas não sabe o que aconteceu dessa hora até à noite, quando se percebeu confortando um amigo, já nas redondezas do epicentro do grande desastre. A gravação do depoimento desse amigo faz parte do projeto maior, cuja abertura oficial ocorrerá dia 11 de setembro, no SESC Pinheiros (SP), intitulado Das cinzas à beleza (Beauty for ashes).

Em 2002, Duda Penteado finalizou a obra cujo título é emprestado ao projeto, inspirada em Guernica, do espanhol Pablo Picasso, traçando um paralelo entre o bombardeio daquele vilarejo espanhol pela força aérea alemã, com o aval do generalíssimo Franco, em 1937, e o ataque dos fundamentalistas islâmicos àqueles dois edifícios em Nova York, nove anos atrás. Porém, a inquietação do artista não se aplacou com o resultado dessa obra e se desdobrou em algo maior.

Adotando os pressupostos que a arte deve transformar a realidade, uma vez que é a única linguagem que pode ser intuída por todos os povos, e que por meio da educação é possível entender-se, além do mundo, o Outro, Duda Penteado decidiu investigar a seguinte questão: "Qual é a sua Guernica?". Para respondê-la, adotou como fio condutor a tensão entre o coletivo global e as realidades locais e, em um "road show", colocou sua proposta em circulação. No início, nas comunidades da região metropolitana de Nova York. Agora no Brasil e, futuramente, seguindo a agenda do artista, não apenas em outras cidades dos Estados Unidos, mas também na China, Índia e Espanha.

Embora a abertura oficial do projeto no SESC Pinheiros ocorra no próximo dia 11, a partir das 19h30, com palestras a serem ministradas pelo artista, pelo crítico de arte norte-americano Goerge Preston e pelo reitor da New Jersey City University, Carlos Hernandez, em memória dos nove anos do atentado de 2001, a consecução da parte de destaque da exposição ― o mural com a resposta paulistana ao mote "Qual é a sua Guernica?" ― já teve início, a cargo dos alunos do Instituto de Artes da UNESP, sob orientação de Penteado.

Das cinzas à beleza é um projeto interessante e complexo. Abarca desde uma escultura de Duda Penteado (a cauda de um avião, onde estão inscritos os horários exatos dos dois golpes às Torres Gêmeas), poemas de autorias várias, vídeos com depoimentos, registros do making of de outras exposições, além de blogs, que serão elaborados tanto pelo artista como pelos alunos da UNESP (como é o caso de Thomaz Rosa) encarregados de dar corpo à proposta em cartaz no SESC Pinheiros.

Essa tentativa louvável de se integrar por meio da arte é uma esperança (que, segundo Gramsci, é uma virtude revolucionária; ou, como quer a Igreja Católica, uma das virtudes teologais). Nela já apostaram o festejado maestro judeu Daniel Barenboim (1942 ―) e o scholar palestino Edward Said (1935-2003), ao fundarem a West Eastern Divan Orchestra, na qual músicos judeus, árabes e palestinos tocam ombro a ombro. No mesmo sentido, localmente, a Orquestra Sinfônica de Heliópolis, reunindo jovens dessa região carente de São Paulo, que recentemente se apresentou na Sala São Paulo e agora embarca para uma turnê europeia. Tudo isso dá razão ao poeta alemão Hoëderlin (1770-1843) que cantou que onde está o perigo também está a salvação. Duda Penteado acredita nisso. E vale a pena conferir.

Para ir além
Das cinzas à beleza ― SESC Pinheiros, de 8 de setembro a 2 de outubro de 2010, com abertura oficial dia 11 de setembro de 2010, às 19h30.

Nota do Editor
Eugenia Zerbini venceu o Prêmio SESC Literatura 2004 na categoria romance, com o livro As netas da Ema. Tem contos publicados no jornal Rascunho, revista Cult e no blog do caderno "Prosa e Verso" de O Globo.

Eugenia Zerbini
10/9/2010 às 18h44

 

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