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Sexta-feira, 10/2/2006
E eu comprei um iPod; e a minha vida mudou
Julio Daio Borges


Criador e criatura: iPod e Steve Jobs

Eu era daqueles que, como você provavelmente, não via muita utilidade no iPod. Pra quê? Eu já tenho os meus CDs. Para tocar no carro? Eu já tenho lá o meu CD-player. Pra baixar músicas na internet? Mas tem tanta porcaria, tanto arquivo de péssima qualidade sonora... Pra usar como walkman? Mas eu já tenho walkman também; eu já tenho discman! Pra ouvir podcasts? Pode ser; mas eu escuto no trabalho, nas caixas de som do meu computador... Pra assistir videocasts? Mas eu não assisto nem televisão!!!

É, eu, como você possivelmente, não via a menor utilidade no tal do iPod. Até a minha namorada ganhar um; até eu comprar um. Pois como diz a prima da minha namorada - praticamente prima minha - que mora nos Estados Unidos: "O iPod muda sua vida". Mas, antes de começar, eu gostaria de esclarecer o seguinte ponto: quando falo aqui em "iPod", eu falo em qualquer player de MP3, de arquivos sonoros, de arquivos em vídeo, de imagens, de arquivos em geral. Existem inúmeras marcas e inúmeros modelos, e eu não estou falando necessariamente da Apple; embora, quando escolhi o iPod que eu iria comprar, eu escolhi o da Apple, para dar o devido crédito ao Steve Jobs. O Steve Jobs é o pai do meu primeiro computador, um Apple II+, fabricado aqui no Brasil pela hoje extinta Unitron. (Ganhei no Natal de 1985, antes de completar 12 anos...)

Outra coisa: eu não posso responder diretamente pelo fenômeno do iPod junto às novas gerações; quanto a elas, quanto aos chamados "Milennials", eu posso apenas conjecturar... O que eu sei é que o iPod tem um apelo muito forte junto à minha geração - em torno dos 30 anos -, porque nós tivemos walkmans e porque nós já vivemos, de certo modo, essa "emoção" de carregar nossa música pra qualquer lugar. De forma limitada, claro, em fitas de - hoje - relativamente curta duração (45, 60, 90 minutos), depois em CDs, ultimamente em DVDs.

E eu gastei meus ouvidos na adolescência. Ouvi heavy metal até cansar. Eu não podia tocar heavy metal a todo volume nos toca-discos da minha casa, no carro da minha família (embora, às vezes, tocasse - embora, às vezes, até tocasse guitarra!). Enfim, o que eu quero dizer é que a formação e o desenvolvimento do meu gosto musical - e do gosto musical da minha geração - passaram pelo walkman. E eu só parei de ouvir walkman quando ganhei um carro. Aí entrou a fase dos toca-fitas e dos CD-players (os de painel e, depois, os de porta-malas).

Então hoje é engraçado que o iPod seja, ao mesmo tempo, essas duas coisas combinadas. A diferença básica do iPod - que não parece ser muita coisa, mas que é no final - reside do fato de que você pode carregar virtualmente tudo o que você possui, toda a sua discoteca, coleção de CDs, ou o que for, num aparelhinho deste tamanho. Porque pense só: você nunca teve aquela sensação - no carro, na rua, em qualquer lugar - de parar e ardentemente desejar: "Pô, agora, eu queria ouvir aquela música!". Pois é, se não calhar de você estar com "aquela música" à mão - seja em que suporte for, inclua aí também "som ambiente" e rádio -, você simplesmente não vai escutar. E se você já teve alguma epifania musical, você sabe a diferença que isso faz...

Apenas para não perder o fio da meada: vou derrubar - ou tentar - um a um os meus próprios argumentos "contra" o iPod (antes de eu ter, ou conhecer, um iPod). O do walkman é apenas o primeiro deles. Óbvio que - como eu mesmo venho repetindo aqui -, nada como a experiência da tecnologia para você dizer se ela é válida, se ela acrescenta verdadeiramente alguma coisa, se ela facilita realmente a sua vida - ou se ela é apenas mais blablablá. Continuando então...

O CD já foi uma revolução, para nós, em termos de armazenamento, no final dos anos 80. O primeiro CD que eu comprei me foi vendido por treze dólares. Era um álbum duplo (ex-LP duplo) condensado num único disquinho pelo qual eu pagaria, sei lá, o dobro (?) se fosse adquirir a versão em vinil ou "bolacha". E embora persista a eterna discussão sobre a perda dos graves - na transformação do LP em CD -, eu sou da geração CD, então, ainda assim, aposentei meus long-plays a partir de 1989 (os mesmos que, há anos, guardo lá em cima, numa parte alta do armário...).

O iPod, nesse sentido da capacidade - retomando o fio -, é uma espécie de milagre. Isso porque houve um gênio lá atrás, lá na época do Napster - 1995, mais ou menos -, que inventou o formato MP3. Vocês me desculpem se eu não dou o devido crédito. O fato é que o sujeito conseguiu comprimir um arquivo sono ".WAV", ou sei lá, em até um décimo do tamanho, através do MP3. Outro dia, aliás, eu indiquei um link MP3 para um veterano jornalista e ele me respondeu peremptório pelo e-mail: "Não 'baixo' MP3; não sou a favor da pirataria; sou a favor dos direitos autorais!".

Confusões à parte (o ".MP3" não é um formato ilegal, é apenas mais um formato - como é o ".DOC" do Word), arquivos sonoros com até um décimo do tamanho, apesar da nova perda de qualidade sonora, acabaram se firmando no mercado. Porque quem já tentou armazenar CDs no computador, antes de adotar o MP3 ou um formato similar, sabe: cada arquivo .WAV - ou similar - tinha na época dezenas de megabytes; era impossível manter uma discoteca básica quando os HDs (hard disks) tinham, mal e porcamente, um gigabyte de capacidade. Se você se perdeu no raciocínio, faça a seguinte conta: uma canção ocupava, digamos, 50 Mb de espaço no seu HD; um CD de, digamos, 10 faixas ocupava 500 Mb; logo, dois CDs ocupavam 1 Gb (!) - pronto, seu computador, antes do MP3, já estava lotado e você não havia armazenado ainda nada.

O iPod - eu falei pra minha irmã - não passa de um HD adaptado. Um hard disk, ou disco rígido (ou Winchester), com uma telinha, alguma programação e alguns menus. Se você desmontar o iPod, como hardware, vai perceber que ele não é novidade. A novidade está em seu uso, em sua aplicação, em sua funcionalidade. Pois se existe alguma coisa genial no iPod, são os seus controles. Li que o Steve Jobs testava cada protótipo e reclamava, com os engenheiros da Apple, quando demorava demais para executar um determinado comando que ele desejava. É por isso que o iPod não tem, praticamente, botão liga-desliga; aumenta ou diminui de volume num passe de mágica; e não precisa de mais do que meia-dúzia de etapas para te entregar o arquivo (sonoro, de imagem, de vídeo) que você procurava.

Com essa facilidade toda, no armazenamento e no manejo, meu primeiro impulso foi querer gravar minha "discoteca" inteira no iPod. CDs acumulados em mais de quinze anos... Claro que já perdi a conta de quantos são. Principalmente depois do advento do Digestivo Cultural. Abrindo um parêntese agora: aqui todo dia chega CD novo. Ouço, fico ou passo. (O mais rápido que posso.) E mesmo que escreva, e goste, já desisti de guardar. A Carol, minha namorada, guarda. Eu não tenho mais onde guardar. Fisicamente falando... Ainda bem que veio o iPod! Fechando o parêntese agora: eu acho que tenho alguns milhares de CDs na minha casa; e eu passo uma média de dez CDs por dia pro meu iPod. Comprei ele no mês passado. E calculei já: vou demorar mais de um ano pra passar minha discoteca inteira pro iPod. Mas o processo em si é interessante. E eu queria contar...

Dúvida cruel (inicial): você tem sua discoteca toda olhando pra sua cara e você se pergunta: "Afinal, por onde começar?" Quem eu ponho primeiro? Quem vai ter a honra de inaugurar meu iPod? Na verdade, minha primeira tentativa foi no computador da Carol (a minha namorada). Ela já tinha um iPod e ela podia me poupar do trabalho de copiar CDs para o novo formato. Copiei feliz da vida então... E atenção detentores dos direitos autorais (e advogados em geral): "copiei" e não "pirateei", mas - fiquem tranqüilos - logo perdi... Perdi tudo. Todo o trabalho, com a Carol, em vão. Assim, comecei tudo de novo... E a primeira coisa que joguei, acho, foi o Led Zeppelin (atenção aqui também: eu tenho o CD original). Uma homenagem à minha banda de rock preferida (Beatles não é banda de rock; e até o Paul McCartney confirmou, na Folha: ["E depois dos Beatles, o que há?"] "Ah, depois dos Beatles... tem o Led Zeppelin!").

Nenhum walkman te dá essa facilidade - essa capacidade. Nenhum CD-player de automóvel. Nenhum quatro-em-um (antigo três-em-um). Nenhum home theater. Nenhuma jukebox (quem não tem pais que viveram nos anos 60, não vai saber o que é jukebox...). Não importa: é uma capacidade - e uma facilidade - impensável (impensáveis) anos atrás. Não muitos anos atrás... E isso porque eu nem tenho o adaptador pro som do carro (iTrip). Eu uso o da Carol, quando a gente viaja. E as caixinhas de som portáteis (Creative Labs), também da Carol. É indescritível a sensação de ter uma parte da sua discoteca em todo lugar que você vai. Isso se você é dado - como eu - a epifanias musicais...!

Esse capítulo da "discoteca básica" própria é divertido, mas existe outro. Outro capítulo que, além de divertido, é também infinito. O capítulo da internet. Nem vou entrar aqui na discussão acerca do compartilhamento ilegal de faixas. Vamos ficar na legalidade. Vamos pegar, por exemplo, o caso do iTunes. Dificilmente alguém que não comprou um iPod ou que não tem um Macintosh (ambos da Apple), vai saber do que exatamente trata o iTunes... Para simplificar, vamos dizer que o iTunes organiza sua discoteca básica no computador - porque nem sempre você vai copiar tudo o que você tem pro seu iPod; e porque é sempre bom manter um back-up (vai que você, como eu, perde o conteúdo do seu iPod...).

O iTunes te ajuda nessa tarefa, digamos assim... Ocorre que, já nos Estados Unidos, o iTunes também é a loja on-line que está revolucionando o comércio de música no mundo. Lembra daquela história das grandes gravadoras que quase foram à falência - porque cada vez menos gente comprava os CDs que elas fabricavam? E lembra daquela história do Steve Jobs ter aparecido nos quarenta e cinco do segundo tempo com uma possível solução? Pois é, o Comércio de Faixas Separadas - que, pelo seu lado, encontrou a adesão dos potenciais "compradores" (nós)... Sim, estamos falando do mesmo iTunes, do mesmo iPod, do mesmo Macintosh - tornando esse tramite todo uma coisa trivial. (O iTunes, para as majors, é a salvação.)

E o iTunes agora está vendendo vídeos. E você pode "assinar" nele podcasts (gratuitos). E você pode assinar videocasts (gratuitos também)... Para quem não sabe, ou conhece: eu, por exemplo, baixei o próprio Steve Jobs falando pros calouros de Stanford; e uma reportagem, do washingtonpost.com, sobre um músico que retornou a New Orleans depois da catástrofe... E eu recebo o Discofonia, via iTunes, no meu iPod; e eu recebo o GavezDois; e o Night Passage... E eu guardo minhas últimas fotos, como se o iPod fosse um álbum digital... E, se eu quiser, eu sincronizo minha agenda, meu calendário... E transporto meus contatos... Onde vai parar o iPod? Antes de ontem, eu ouvi que - com o iPod - as rádios e os canais de televisão, assim como as revistas e os jornais, vão mesmo acabar. Foi, inclusive, num podcast. Será?

Antes do iPod, eu não acreditaria. Antes do iPod, eu achava que eu não iria precisar de mais um walkman digital: talvez nem precisasse mesmo, mas, se ele já existe, por que não experimentar - e gostar? Antes do iPod, a ambição de ter toda a minha CD-teca ao alcance de um toque do meu dedo indicador me parecia meio exagerada, meio infundada... Mas hoje - se é possível - por que não? Por que não satisfazer aquele desejo instantâneo de ouvir aquela canção? Antes do iPod, eu estava contente em ter uma lista de podcasts pra consumo diário no meu computador. Hoje, eu escuto com a minha namorada, a Carol, no carro, como se fosse efetivamente um programa de rádio. Antes do iPod, eu progressivamente havia desistido de ligar a televisão. Agora, é estranho, - mesmo na telinha pequena do iPod - eu voltei a assistir a vídeos e a achar graça no audiovisual...

Se isso não for mudar a vida, o que será então?

Julio Daio Borges
São Paulo, 10/2/2006

 

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