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Segunda-feira, 8/5/2006
Não existem autores novos
Paulo Polzonoff Jr

Autores novos não existem. São uma invenção mercadológica para enganar otário. E como tem otário no mundo! Conheço uns e outros que só lêem os escritores que vêm com o rótulo de "novos". Lêem não porque apreciem o livro, mas porque precisam se sentir por dentro do mercado editorial, das novidades. Tudo tem a ver com ostentação, como já expus num livrinho tolo, O Cabotino, que dá conta justamente deste universo de frivolidades literárias.

Cair na armadilha das novidades é coisa de leitor desavisado. Não é ofensa. Também já fui um leitor deste tipo, ávido por autores novos. O novo Guimarães Rosa, o novo Machado de Assis. Até que me dei conta de que, em literatura, o novo e o velho são a mesma coisa. Literatura não tem tempo. E isso serve tanto para livros ruins quanto para livros bons. O que o leitor precisa entender que a novidade mais elogiada do momento é apenas isso: a novidade mais elogiada do momento. Porque novidades expiram, o elogio se perde e o momento sempre passa.

Entendo, porém, a fascinação por trás da idéia de escritores novos. Estamos falando de renovação. Por algum motivo, os leitores ainda pensam que precisam desta renovação. Leitores jovens querem autores que pensem as mesmas coisas que eles. Querem escritores que escrevam livros contando experiências parecidas com as deles. Mais próximas do tempo presente, de uma referência que não precisa de imaginação. Mas, ora, ler (assim como escrever, é claro) não é um exercício de imaginação?

Nos últimos anos, vários escritores que saíram das fábricas com o rótulo de "novos" foram descobertos na internet. Um punhado deles. Pode-se dizer que, há mais ou menos cinco anos, houve uma explosão de escritores novos. A imprensa que se diz especializada mas não é ficou deslumbrada com estes meninos e meninas que escreviam romances em vez de jogar videogame. Livros foram lançados, capas de cadernos culturais foram desperdiçadas, assim como o papel de vários livros que, evidentemente, não alcançaram o público.

Eis que a novidade dos autores novos acabou e é hora de contar os prejuízos. O esforço de se criar uma nova geração literária foi em vão. Deram a esta nova geração títulos que pareciam nomes de boates da moda, como 00. Mas, infelizmente, os escritores desta fornada mal assada se mostraram mesmo zeros à esquerda.

Tenho batido nesta tecla há algum tempo, mas hoje já não tenho esperança alguma de ser compreendido: literatura nada tem a ver com o tempo presente. É algo para o futuro. Mesmo a literatura de um passado remoto, como Shakespeare ou, mais antigo ainda, Lucrécio, é a literatura que se comunica com o presente e o futuro. Não existe uma literatura que se comunique apenas com o seu tempo. E, paradoxalmente, é isso o que o leitor quer e os autores novos tentam dar. Um erro duplo.

Esta noção de algo imediato tem alguma relação, claro, com a internet. Nos últimos anos, a rede iludiu a muitos (eu entre eles) com a idéia de ser um meio de se expressar literariamente sem a necessidade de um suporte físico caro e difícil como o livro. Foi quando surgiram os sites literários e, depois, os blogs. A idéia parecia perfeita e sem contra-indicação: escrevia-se livremente sobre o que se quisesse e se era lido por uma audiência diversificada e fiel. Muita esmola para o santo, como se diz.

Porque o imediatismo vicia e corrói o cérebro. O leitor da literatura virtual, que depois migrou para os livros, sem sucesso, é um leitor que não quer se aprofundar na leitura. Ele quer algo rápido e os escritores, ainda acreditando numa liberdade de que não dispunham, deram isso a ele. Não precisa ser nenhum gênio para perceber o que une os escritores da nova geração: textos curtos, rápidos - e vazios. Histórias pessoais, confissões e um apego que chega a ser ridículo ao agora. Ao que é atual. Sem perceber, porém, que o atual se torna passado muito rápido. Assim como a novidade que, hoje em dia, é vendida como encalhe nas gôndolas dos supermercados.

Daí porque os autores ditos novos vêm e vão e não ficam. Esperneiam, mas não se realizam como tal. Fazem um barulho danado, mas ninguém consegue tocar a matraca o tempo todo. Por isso é que são fogo de palha e joguete editorial e político. Não significam uma proposta nova, ainda que de grupo; significam apenas que são mocinhos e mocinhas que gostam de ser chamados de escritores, que lêem um pouquinho e saem vomitando influências. Livro, eles têm. Literatura que é bom...

Outra coisa que me chama a atenção quando penso nestes autores novos é a preocupação com o mercado. Reparem só: eles não fazem apenas literatura; são também publicitários e representantes comerciais de seus livros. Querem ser famosos e ficar ricos. Eis outro senão dos autores novos, sejam eles velhos ou não: foram picados todos pela mosquinha da celebridade. Não são apenas donos de um ofício, vá lá, nobre. Querem dar autógrafos. Querem reconhecimento. E um camarim com garrafas de uísque e cem mil toalhas rosas, se calhar.

O que não percebem, os autores novos, é que o mercado não quer saber deles. Ou melhor, existe uma parte dos leitores que está, sim, interessada neles. Porque querem ostentar, como eu já disse. Mas a imensa maioria dos leitores já têm suas celebridades literárias e fazem a festa com um Rubem Fonseca por ano. Para esta imensa maioria, não importa a novidade ou a pretensa revolução estética; o que importa é a lista de mais vendidos. A pergunta que cabe aqui é: são estes os leitores que os "novos" querem conquistar, isto é, os alpinistas literários e os cabeças-de-vento das listas de mais vendidos?

Já disse e repito: se admiro autores novos não é porque constam de uma antologia que os trata como vinhos azedos de determinada safra. Nem tampouco porque têm vinte anos e já sabem usar mesóclise. Muito menos porque transaram com cinco mil, cheiraram uma tonelada de cocaína ou passaram fome para comprar um ingresso para o show da bandinha da moda. Nada disso me importa. Se admiro autores novos (e admiro um ou dois nomes, se tanto) é porque já mostraram, em livro, do que são capazes. E isso não tem nada a ver com reconhecimento do mercado. Nem tampouco com a última moda da internet. Admirar um autor novo significa projetá-lo (e projetar-se) no tempo, para um futuro longínquo (vinte, cinqüenta anos), e continuar admirando, lembrando da história e dos personagens, às vezes fazendo paralelo entre a vida e o livro.

É difícil, mas um autor bom consegue. E este é que deveria ser o norte dos autores novos. Mas isto implica em brigar contra o espírito do mundo, por assim dizer, que é veloz e imediato. Quem tem paciência, não é mesmo?

Paulo Polzonoff Jr
Rio de Janeiro, 8/5/2006

 

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