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Segunda-feira, 9/4/2007
Eduardo Mineo, muito prazer
Eduardo Mineo

Levanto minha mão direita e digo "Olá, sou o Eduardo Mineo." Alguns me chamam de "Eduardo", outros de "Mineo". Os mais brabinhos me chamam de "Eduardo Mineo", assim, tudo junto, para indicar seriedade. Ou "Senhor Eduardo Mineo". Certos tipos, totalmente possuídos pela ira, usam "Este Senhor Eduardo Mineo Aí", apontando trêmulos para o monitor e espirrando saliva. Enfim, escolham o que mais agradar (menos "dudu", por favor, este é inadmissível).

Sou paulistano, mas gosto mais da palavra paulista. Sou paulista - bem melhor. Paulista, vocês, espertos que são, devem saber que é o sujeito que nasce no estado de São Paulo, mas fora da capital, ao passo que paulistanos são estes pobres diabos nascidos dentro da capital, possivelmente em alguma parte do caminho até a maternidade, uma vez que o trânsito não coopera. Mas evito falar de minha cidade. Uma vez já gostei sinceramente de São Paulo; hoje, apenas nos toleramos.

Estudei minha vida toda num colégio católico, num bom colégio católico, e que teve muita influência no meu caráter, embora religiosamente eu tenha sido um grande fracasso para ele. Mas, mesmo assim, teve muita influência no meu caráter e hoje gosto muito dos meus valores conservadores que formei lá, meio quadradões, mas charmosos e simpáticos. Todos eles são bonitinhos e bem comportados. Ouvem boa música, lêem boa literatura e jamais permitiriam que a conta de um restaurante fosse tocada por uma mulher. Alguns deles ainda ficam muito chocados quando vêem crianças falando sobre camisinha na MTV e isto sempre os deixa com vontade de bater na televisão, de fazê-la sofrer. Outros já se conformaram com o caminho das coisas. Às vezes, eu também.

Fui um adolescente besta, que é o que os adolescentes são. Mas nunca fui socialista (percebam meu semblante sereno de quem nunca foi socialista). Nunca fui socialista, mas já fui fascistinha e achei que uma ditadura no Brasil até que seria legal. Já castiguei meu organismo com tudo que existe de pior no mundo: miojo e punk rock. E já tive ódio pelos Estados Unidos - que é uma calça-boca-de-sino que ainda não saiu de moda. Estou contando tudo isto, mas, pelo amor de Deus, que o assunto morra aqui. Seria terrível admitir estas coisas. Terrível.

Descobri que a vida era mais do que McDonald's e bandas de rock quando, sem querer, prestei atenção numa aula de literatura do cursinho e fui contaminado por Machado de Assis. Foi horrível. Passei anos escrevendo "cousas" e "virou-se-lhe". Achava isso tudo muito erudito, muito distinto. Tentava escrever muito, muito difícil e ser todo profundo e essas coisas. Eu era muito ridículo. Fui ridículo até me dar conta de que só Machado de Assis tinha o direito de escrever "cousas". Escrever "cousas" não sendo Machado de Assis é patético, patético; parem com isso.

Então passei a tentar escrever como gente, como Paulo Francis. Me recordo de algum amigo me mostrando muito animado um jornal com uma coluna do Francis e tive muita vontade de ter escrito aquilo. Foi quando comecei a formar opiniões políticas um pouco mais elaboradas. Mais elaboradas até do que hoje eu consideraria saudável, é verdade, mas valeu como experiência e me sinto muito seguro sobre certos temas, embora eu estivesse disposto a dar minha vida para não ter de falar sobre Lula, sobre PSDB, sobre estes assuntinhos aí. Vamos falar sobre literatura; literatura é tão melhor...

Tudo que sei de literatura, de uma certa forma, é conseqüência das aulas daquele professor de cursinho. Jorge Luís Borges, Dorothy Richardson, Scott Fitzgerald, Bernard Shaw, Jane Austen, Tolstoi, tudo por causa de uma aula bem dada de classicismo. Provavelmente todos os problemas brasileiros com educação acabariam com uma aula bem dada sobre Camões. Sim, é possível. Antes, posso dizer, eu era analfabeto, espiritualmente analfabeto. Resolvi ler e escrever de verdade assistindo suas aulas. Gostei. Conheci amigos que também gostavam de ler e escrever sobre as mesmas coisas que eu gostava e fui melhorando com o tempo. Abri blogs, apaguei blogs e atualmente assino o Introibo ad altare Dei com o pseudônimo de Edward Bloom, com o qual até já publiquei alguns textos aqui no Digestivo Cultural.

Me perguntam sempre por que criei um pseudônimo e a única resposta que consigo inventar para isso é que não queria usar meu nome verdadeiro - muito coerente e tal. Escrevi algumas coisas boas usando meu nome, mas a maioria era muito ruim e eu achei melhor me desvincular até que eu sentisse segurança em meus textos, ou pelo menos até não sentir mais vontade de apagar tudo duas semanas depois. E como já fez um ano que escrevo como Edward Bloom e o índice de arrependimento foi razoavelmente baixo, acredito - creio é a vovozinha (imitando o Francis) - que esta seja uma boa hora para usar novamente meu nome.

Na semana passada, eu fui convidado para escrever regularmente no Digestivo Cultural, desde que não usasse meu pseudônimo. Aceitei, claro, todo comovido, etc. Portanto, me apresento como um de seus célebres colunistas. E me apresento com a mesma despretensão que tenho de um dia ainda comprar a Áustria e um carro anfíbio. Se quiserem falar comigo, sou o sujeitinho discreto e encolhido num dos cantos deste site. Posso ser tímido, mas sei fingir que sou extrovertido e interessante. Só não fumem do meu lado que eu sou um desses panacas que simulam tosse quando sentem cheiro de cigarro. E agora me deixem abaixar minha mão que está doendo. Tchau.

Eduardo Mineo
São Paulo, 9/4/2007

 

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