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Quinta-feira, 28/9/2006
Eleições: opções ruins, mas pelo menos existem
Adriana Baggio

Daqui a 2 anos vai ter Olimpíadas, eleição para prefeito e aniversário de 40 anos do AI-5.

Em 1988, quando o Ato Institucional completou seu vigésimo aniversário, o jornalista Zuenir Ventura lançou 1968: o ano que não terminou (Nova Fronteira, 2006, 336 págs., integrante da coleção "40 anos, 40 livros" da editora). Os jovens que nasceram nesse ano - um antes das primeiras eleições diretas para presidente no Brasil, após o golpe militar - já têm idade suficiente para votar nas eleições de 2006. E talvez poucos deles conheçam a trajetória de homens que foram protagonistas em 1968 e continuam sendo hoje. Só que de eventos bem diferentes.

O relato de Zuenir Ventura é uma forma acessível e até agradável de conhecer a História do Brasil. Uma história recente, cujas implicações sentimos nos dias hoje, cujos personagens não estão só nos livros. Eles podem ser vistos na TV, nos jornais. Uma História palpável, presente.

O jornalista começa o livro com a descrição de uma antológica festa de Ano Novo, que teria acontecido na casa de Heloisa Buarque de Hollanda, também autora do prefácio da obra. Neste evento, Ventura enxerga uma metáfora para os meses que viriam em seguida. Simplificando a relação entre os fatos: assim como as pessoas daquela festa não estavam preparadas para a liberalidade e para a revolução de comportamento que pregavam, também os movimentos revolucionários não estavam ainda tão maduros a ponto de concretizar o que discursavam. De qualquer forma, as mudanças acontecidas naquele ano ficaram para sempre.

Seria uma verdadeira blasfêmia fazer pouco dos que lutaram, sofreram e morreram pelo desejo de um país melhor, mais justo e democrático. Bem ou mal, pelo Brasil que temos hoje. Por outro lado, o livro de Zuenir serve para desmistificar algumas pessoas e alguns acontecimentos. Uma tarefa mais fácil e confortável, devido à distância do tempo. Mas, mesmo que não seja totalmente isenta, traz alguns pontos de vista bem coerentes.

Os estudantes e os intelectuais tinham a visão de que poderiam estar melhor preparados para defender os interesses também dos operários e dos agricultores. No entanto, talvez os diferentes grupos não tivessem as mesmas aspirações. Na famosa Passeata dos Cem Mil, por exemplo, os trabalhadores do centro do Rio de Janeiro estavam mais interessados em ver os artistas do que participar do protesto. Preferiram ficar na calçada, observando a passagem dos seus ídolos, do que integrar-se aos intelectuais e estudantes. E quem pode dizer que estavam errados?

Esse acontecimento em particular talvez também sirva como metáfora da participação de certos segmentos da sociedade nos movimentos de 1968. O que se percebeu, mais tarde, é que alguns deles talvez não quisessem exatamente acabar com o capitalismo. Eles gostariam mesmo é de acabar com as injustiças do capitalismo e de ter acesso aos benefícios que o sistema proporciona.

O que a gente vê hoje no Brasil parece uma continuidade do que aconteceu naquela época. O PT, partido surgido das insatisfaçãoes e inquietações com os regimes - político e econômico, posicionou-se durante muitos e muitos anos como uma alternativa aos outros partidos, como uma alternativa ao poder das classes dominantes, como uma alternativa a um certo jeito de fazer política. No entanto, quando finalmente chegou lá, a sensação é de que a verdadeira motivação do PT não seria combater o sistema instituído, mas sim aproveitar um pouco do que os outros já tinham se beneficiado antes.

Mesmo com todas as recentes revelações, os integrantes do Governo Federal insistem em se colocar como "diferentes". A meu ver, esta hipocrisia é o segundo grande pecado deles. O primeiro - é importante sempre ter em mente, porque a gente acaba se acostumando - envolve a corrupção, o mau uso do dinheiro público, a cegueira corporativista. Nisso, eles são iguais aos outros.

Não critico os trabalhadores que queriam ver Chico Buarque e Caetano Veloso na Passeata dos Cem Mil e nem os pobres que queriam mais acesso ao consumo. Assim como não criticaria o PT se eles tivessem tido um pouco mais de coerência - antes ou agora. Antes, se fossem lúcidos e corajosos para não se apoiar em um discurso de mudança totalmente retórico, sem nenhuma intenção ou possibilidade de se tornar real. E no agora, se reconhecessem que não são diferentes de ninguém e tomassem providências para extirpar a parte podre do partido (considerando a hipótese de que os vermes estão só na parte podre e ainda não conseguiram contaminar todo o fruto).

Mas talvez este seja um pensamento que ocorra quando a gente está com a barriga cheia, debaixo de um teto seguro. Para quem vive em tamanho estado de penúria que chega a depender do valor de uma cesta básica, fica difícil se preocupar com o discurso do PT. O importante é que o presidente está botando comida na mesa. E como muita gente no Brasil ainda passa fome, aquele que resolve esse primeiro e imediato problema já conquista uma boa vantagem. Quem vai ter coragem de criticar o assistencialismo do Bolsa Família?

E num país com tantas carências, a história é recorrente. Basta lembrar a passagem do filme 2 Filhos de Francisco, em que o pai e os dois meninos cantam uma música "subversiva" na rádio. Eles não entendiam o conteúdo e, mesmo que entendessem, talvez não se mobilizassem. É difícil ser revolucionário quando falta educação que nos faça compreender as coisas e comida que nos dê forças para correr os riscos de fazer oposição.

Isso não significa que os pobres e analfabetos votem mal e os outros votem bem. Se não, as intenções de voto para o candidato à reeleição a presidente não estariam também tão significativas nas chamadas "classes altas", que são impactadas todos os dias com as notícias dos escândalos que rondam o governo. No entanto, quem tem acesso à informação deveria ter mais condições de votar com consciência e mais atitude para exigir.

O problema é que essas pessoas "qualificadas" às vezes não dão muita bola para o voto. Apesar de as alternativas não serem muito motivadoras, ainda acho melhor poder reclamar das opções disponíveis do que não ter a oportunidade de escolher.

Para ir além





Adriana Baggio
Curitiba, 28/9/2006

 

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