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Quarta-feira, 18/10/2006 Sonoridade imortal de Mozart Tais Laporta Por ele, os palcos receberam 11.388 artistas estrangeiros e 2.638 nacionais. Cerca de um milhão e seiscentos mil espectadores já assistiram aos espetáculos, gratuitos e pagos. Os altos números não anulam, porém, a qualidade das apresentações. Na noite fria que exaltou Mozart na Sala São Paulo, o repertório selecionado corresponde a uma das mais perfeitas realizações da música sinfônica do século XVIII. A história musical ficou grafada, para sempre, depois que o compositor levou a público seus concertos para piano. Vale explicar em que consiste este gênero: é composto por três movimentos (rápido-lento-rápido) executados por um instrumento solista – no caso, o piano – e uma orquestra, que acompanha o conjunto sonoro, em oposição e alternância. O solo é o mais criativo, enquanto que a orquestração faz o contraponto com trompetes e tímpanos. Mas a explicação pouco importa quando se está diante de uma obra com tal magnitude: basta ouvir, que o culto e o leigo entendem a mesma linguagem universal. Isso se confirmou logo que Buchbinder sentou ao piano para iniciar o Concerto para Piano nš 9 em Mi Bemol Maior. A criação representa um divisor de águas na carreira do compositor, por ser o primeiro grande concerto em estilo clássico maduro. Parecido com um personagem de ópera, o piano ocupa todo o primeiro movimento com um acento dramático. Ao seu lado, a Orquestra de Zurique trouxe 23 músicos com instrumentos de corda e sopro. No primeiro grupo, violinos, violas, violoncelos e contrabaixos. No segundo, flauta, oboés, clarinetes, fagotes, trompas, tímpanos e trompetes. Durante o Concerto para Piano nš 23 em Lá Maior, saíram os instrumentos mais agressivos – metais e tímpano – para dar o efeito que Mozart queria. Na obra, não se nota aquelas explosões orquestrais, nem contrastes violentos. Apresentado ao público em 1786, período do grande auge criativo do compositor (que atingiu a marca de 12 concertos em apenas dois anos), a obra prevalece com um caráter contemplativo e idealista. Já no último momento da noite, o Concerto para Piano nš 21 em Dó Maior trouxe três movimentos com um clima mais emotivo, tomado por intensa melancolia, uma das facetas da forte personalidade de Mozart. A obra provoca inquietude, e aí mora sua beleza. Notas longas ao piano ilustram o fundo musical, enquanto que as cordas da orquestra geram sentimentos ambíguos. Alguns estudiosos interpretam a sensação provocada pelo concerto como uma contraposição proposital entre a serenidade da corte clássica e os prenúncios do romantismo. Talento ao piano – Traduzir tão bem o espírito criativo de Mozart é privilégio para poucos. Nesse sentido, o pianista austríaco demonstrou, na Sala São Paulo, que a técnica pouco importa se não houver amor à arte. Como lembra a presidente do Mozarteum, a condessa italiana Sabine Lovatelli, Buchbinder é um artista plural. "Figura superlativa e de muitas facetas, ele caminha pela literatura e pelas artes plásticas com a mesma emoção que libera em seu raro toque ao piano". Não à toa, o músico foi considerado pelo jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung como "um dos mais importantes e competentes especialistas em Beethoven" pela gravação completa das sonatas do compositor, o mais popular da música erudita. De fato, sua biografia revela feitos notáveis. Entre eles, o de ter gravado mais de cem discos em toda sua carreira, prova de que possui um repertório impressionante. Da vasta produção, uma mereceu destaque especial: venceu o Grand Prix du Disque pela gravação de toda obra para piano de Joseph Haydn. Mas difícil mesmo é acreditar que um profissional com tanto tempo dedicado à música ainda consiga arrumar espaço para um passatempo artístico: o de pintor amador. Um parêntese sobre Mozart – Quem quer mergulhar no universo do gênio compositor, pode começar por um caminho acessível. No YouTube há uma série de vídeos com interpretações profissionais e amadoras de Mozart. Ou seja, desde a orquestra internacional até o tecladista iniciante, na casa dele. Também há diversas montagens e paródias – algumas ótimas, outras bem ruins. Por isso, não estranhe se encontrar sonoridades desagradáveis. Para iniciar com uma obra tocante, uma opção segura é ouvir o Concerto nš 23. Mas a graça mesmo é se aventurar sozinho, já que não falta diversidade. Se preferir, há bons livros e sites com a biografia do mestre. Se quiser focar na música sem doer no bolso, o site Accuradio permite ouvir algumas pérolas dele. Basta clicar em "classical", localizar a gravura de Mozart e conferir o resultado. Tais Laporta |
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