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Quarta-feira, 10/1/2007
O melhor das revistas na era da internet
Tais Laporta

O princípio da ação e reação conseguiu impulsionar o mercado de revistas (impressas) em 2006. Um verdadeiro movimento em cadeia - como pede a terceira lei de Newton - provou que a imprensa está disposta a figurar ao lado da web, ao invés de perecer por causa dela. Para garantir o sustento dos jornaleiros, precisou fazer as pazes com a revolução virtual. Capas finalmente cederam ao reinado dos iPods, da tecnologia P2P e do YouTube. Hoje, revista que se preza não insiste em dizer que é auto-suficiente, sob a pena de ficar sem leitores. Hospeda seu site em grandes servidores. Se não tem um, trata logo de criar. Exagero ou não, a estratégia funciona.

Embora boa parte das publicações seja efêmera, o mercado registrou poucas mortes e muitos nascimentos de revistas em 2006. Cerca de dois mil títulos aparecem mensalmente nos 30 mil pontos de venda espalhados pelo Brasil. Os dados são da Associação Nacional das Editoras de Revistas (Aner), com uma observação: aparecem porque vendem. As revistas customizadas - que crescem como compras de Natal - impulsionam essa tendência. São tão segmentadas que lançam o desafio de se imaginar uma área que ainda não tenha sua publicação específica. O vendedor de anéis, brincos e colares de luxo lê revistas sobre sua atividade. Da mesma forma, a socialite pode comprar uma revista sobre anéis, outra sobre brincos, e outra que fale de colares. Pode também ler um periódico sobre todo tipo de adereços, inclusive braceletes e tornozeleiras.

Mas a ultra-segmentação é só uma das reinvenções do mercado editorial. Para compensar a perda de leitores para a Internet, o apelo visual foi a grande aposta das revistas (e também dos livros). O "produto" das editoras prioriza o marketing da embalagem. Coisa que muitos sites de conteúdo se dão ao luxo de dispensar. Capas fluorescentes, títulos atrativos e imagens desesperadamente estéticas brigam pela atenção do potencial comprador - ou seria leitor? - que dobra a esquina na hora do almoço. Quanto mais ele insiste em trocar o papel pelas telas, maior o desespero das editoras. Assim, o mercado colocou o design gráfico e a imprensa como amigos inseparáveis. E fez das bancas de jornal verdadeiras butiques carnavalescas.

Num sono hipnótico, acabamos sempre lá. Mas o que um emaranhado de letras saltitantes pode oferecer que a internet não possa, gratuitamente? Com razão, alguém dirá que o papel é insubstituível. As revistas nunca foram tão apalpáveis, um convite irrecusável ao tato. Trazem altos-relevos de camurça e texturas que saltam das órbitas editoriais, de modo que o toque passa a ter valor agregado. Também tamanhos e pesos parecem tão essenciais para a identidade da revista quanto seu conteúdo. Algumas publicações até exalam perfumes adocicados. Dessa forma, os atrativos sensoriais garantem, muitas vezes, a venda de "produtos" nem sempre tão interessantes quanto sua embalagem.

Em 2006, o mercado disparou algumas "capas-anúncios" indiscutivelmente interessantes, mas com miolos medíocres. Instigaram a curiosidade, mas não a saciaram como prometiam, ao contrário da internet, que surpreendeu antes de criar expectativas pretensiosas. As revistas entenderam que os rankings vendem bem. Anuários destacam as melhores empresas e os melhores produtos. Os mensais e semanais se especializaram em criar fórmulas prontas. Depois das frases de efeito, agora são os números: 10 lições para ficar rico; 50 segredos para um bronzeado perfeito; 101 dálmatas. Raramente o leitor coloca em xeque os critérios para essa seleção. Em outubro, a Veja São Paulo convocou seu júri - amigos e conhecidos dos editores - para eleger as 30 mulheres mais belas da capital paulista. Todas ricas, bem-sucedidas e populares. E nem sempre tão belas assim.

Destaques do ano
Mas, como colunista deste Especial, agora é minha vez de destacar os acertos e tropeços do mercado de revistas em 2006. Não é uma lista incontestável, muito menos um ranking. É bem possível que cometa belas injustiças ao não mencionar algum título. Por isso, como mera observadora, vou me ater aos lançamentos, fechamentos e atitudes das revistas que chamaram a atenção em 2006.

Nascimentos

* Rolling Stone - Dirigida à juventude "cabeça", porém descolada, a versão brasileira da publicação surgiu com pompa e belos anúncios em outubro. Música, estilo e atitude - três vertentes que se confundem há três gerações - norteiam as pautas da revista. O projeto anterior, viabilizado nos anos 70 pelas mãos de Luiz Carlos Maciel, durou pouco mais de um ano. Na estréia de 2006, trouxe Gisele Bündchen na capa como a "maior popstar do Brasil". O Digestivo lamentou que a publicação não tivesse destacado algum ícone brasileiro da música. Mas em razão de boas matérias no miolo, a Rolling Stone foi perdoada temporariamente. Agora, no terceiro número, a estrela é também a musa do Faustão e das micaretas, Ivete Sangalo. O rumo que a revista vai tomar em 2007 deixa dúvidas no ar.

* Piauí - Foi anunciada com boas promessas. Nomes de peso assinam na capa e indícios de jornalismo literário ocupam longas páginas como não se via há tempos. Embora não assuma um desprezo pelo visual, Piauí privilegia o texto em detrimento de um projeto gráfico sofisticado. Talvez uma revista toda ilustrada por titãs, como Millôr Fernandes, se baste dessa forma. Financiada pelo documentarista João Moreira Salles e dirigida por Mário Sérgio Conti, quer atingir os amantes do texto bem trabalhado. "Nossa idéia é apenas ocupar um nicho que até agora estava vago. Nossas pretensões são relativamente simples: queremos fazer uma revista perene, que seja divertida e que revele coisas curiosas, importantes, fúteis, boas e ruins sobre o Brasil", revelou Salles em entrevista ao Digestivo.

* Raiz - No começo do ano, surgiu o primeiro número de uma revista cultural bonita, grande e bem feita. Raiz nasceu sem raízes. Leva no bojo, até agora, textos aprofundados e belas imagens. Até poderia assustar a Bravo! se não fosse uma diferença editorial: se limita à cultura popular brasileira, suas raízes e manifestações anônimas. Ignora os fenômenos de mídia. Os de massa, como carnaval e futebol, leva no tom analítico. Se mantém com um tempo de vida considerável se comparada a títulos efêmeros no mercado.

Mortes

* Primeira Leitura - A sucessora da antiga revista República bateu as botas em junho último. Comandada pelo jornalista e blogueiro Reinaldo Azevedo, a publicação assumiu um viés conservador e antipetista. Além de política, Primeira Leitura cobria economia e cultura. Alegou falta de anunciantes para justificar o fechamento, mas houve rumores de que a revista manipulou verbas de publicidade em favor do PSDB. O fim da revista coincidiu com um ano eleitoral marcado por uma imprensa polarizada e conspiratória. As principais revistas do país, sempre muito bem "vendidas", entraram de cabeça no jogo, e o público parece ter perdido o fôlego. Talvez por isso, os últimos meses foram terra fecunda para novos lançamentos.

* Nossa História - A diretoria da revista anunciou seu último número. "Por uma decisão empresarial, a Nossa História deixará de circular a partir de janeiro de 2007. A edição de dezembro, com a capa dedicada ao crescimento das religiões protestantes no Brasil, será a última a ir para as bancas". Tudo indicava um futuro pródigo, como lembrou o Digestivo em 2004: "Nossa História não chama o leitor de débil mental e fala de um tão alto nível que uma das maiores preocupações dos editores é não transformá-la num periódico de viés acadêmico." Enquanto isso, as revistas genéricas de história caminham a todo vapor.

Atitude
Acima de tudo, 2006 reafirmou uma tendência de poucos anos atrás: a dependência das revistas em relação à internet. Se não pode mais fingir sua inexistência, pode usá-la como aliada. Roberto Civita, presidente da editora Abril, disse em entrevista ao site Canal da Imprensa que não consegue imaginar uma revista sem uma homepage. "O site é uma extensão da revista, interativa, fantástica".

Um passo louvável de humildade foi a bem lembrada capa da Bizz, de novembro. O Digestivo deu boas-vindas ao ato de coragem: "(...) abdicou de qualquer ídolo pop - pois, de acordo com o subtítulo, ídolos são coisa do passado - e deu uma capa inteira para o futuro da música: 'sem CDs, sem gravadoras e sem rádios'". Títulos como a Bizz despertam a consciência, mesmo que tardia, para a fusão das mídias. Enquanto a web caminha com pernas próprias, as revistas vão de guincho, logo atrás. Mesmo assim, 2006 ainda não definiu o lugar exato das revistas na era da internet.

Tais Laporta
São Paulo, 10/1/2007

 

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