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Segunda-feira, 22/1/2007
Tom Jobim, memórias e histórias
Fabio Silvestre Cardoso

So close your eyes/ for that's a lovely way to be/ Aware of things your heart alone/ was meant to see/ The fundamental loneliness goes/ whenever two can dream a dream together.

A epígrafe deste texto é a letra em inglês de "Wave", de Tom Jobim, que completaria 80 anos no mesmo dia do aniversário da cidade de São Paulo, que, apesar do buraco, comemora 453. Desnecessário é dizer que Antonio Carlos Jobim merece muito mais homenagem que a terra da garoa, A capital da solidão, como escreveu Roberto Pompeu de Toledo, ou a cidade cujo horizonte é de cinco metros, conforme anotou Nélson Rodrigues. Não, leitor, não estou fugindo do tema. Justifico-me, tão somente. Para tanto, utilizei as referências acima. É uma estratégia reconfortante estar ao lado de nomes que referendam aquilo que você, muitas vezes, arrisca dizer. Faço isso nos meus textos, sempre que posso, mas outros nomes, com maior gabarito, fazem em suas respectivas áreas. E o homenageado deste especial, Tom Jobim, também procedia assim em suas músicas. Jazz, samba, Chopin, e o toque sutil do swing. Muito além de suas influências, Tom Jobim é autor de algumas das canções mais significativas da música popular brasileira. Com efeito, foi ele um dos nomes a fazer com que a Bossa Nova fosse tida como referencial da música brasileira, a despeito das distorções arregimentadas pela Indústria Cultural em vender esse conceito como uma identidade nacional do Brasil nos Estados Unidos e na Europa. Nem a Bossa Nova precisava disso, muito menos a música de Tom Jobim, um fino exemplo de como o popular pode ser refinado, e não popularesco; discreto, mas ainda assim único; nacional, sem apelar para a mesquinhez dos rótulos "regionais".

A propósito, é o crítico e professor Arthur Nestrovski quem define uma das músicas de Tom Jobim como "o samba mais bonito do mundo". Este é o título do ensaio de Nestrovski que, sem deixar de lado sua paixão pelo maestro, explica conceitualmente a beleza do poema e da música "Águas de Março". Nas palavras do crítico: "É impressionante quanto do poema já veio pronto", sobretudo porque a canção (e aqui trato do conjunto da obra, ou seja, letra e melodia) possui influências tão díspares quanto interessantes. De um lado, o poema "O caçador de esmeraldas", de Olavo Bilac, declaradamente um dos preferidos de Tom Jobim, conforme se pode ler em um de seus depoimentos disponíveis em seu site. Por outro lado, há o fato de o maestro, à época, estar no início de uma de suas fases mais célebres, com músicas que rendiam grande homenagem, se assim é correto afirmar, à natureza. Tal fase se aprofundaria depois, mas é com "Águas de Março", conforme observa Nestrovski, que isso se inicia. E para não dizer que não se tocou, aqui, no âmbito das coisas mais elementares, tangíveis, a todo o momento Tom Jobim alude a acontecimentos do cotidiano, como a reforma da casa que, com efeito, se processava naquele momento na casa dos Jobim.

Como a história do parágrafo anterior, existem muitos outros relatos, mitos e causos que cercam a vida do grande parceiro de Vinícius de Moraes. Sobre esta parceria, aliás, basta dizer que "Garota de Ipanema" é uma das canções mais executadas na história, perdendo, se a memória não falha, apenas para "Yesterday", da dupla Lennon & McCartney. Ainda assim, se sobram histórias sobre um dos fundadores da Bossa Nova, como atestam os livros produzidos por Ruy Castro (A onda que se ergueu no mar e Chega de Saudade) ou ensaios sobre sua música, também não é exagero afirmar que Tom Jobim ainda carece de uma biografia que seja, como se costuma dizer, definitiva. Um trabalho que examine não somente suas motivações e influências artísticas e intelectuais, mas que também esclareça ao leitor alguns detalhes de sua vida pessoal, até mesmo porque, como o artigo de Nestrovski mostra, muito da música de Jobim era fruto de seus afetos que não se encerravam - só para citar Olavo Bilac.

Não que textos biográficos sobre Tom Jobim não tenham sido escritos. Uma rápida procura nas livrarias e nos sebos mostra, con seguridad, dois livros que tentam trazer o Antonio Brasileiro do âmbito privado para o público. É o caso de Antonio Carlos Jobim: um homem iluminado, livro que conta com assinatura de Helena Jobim, irmã do biografado. Neste livro, o principal gancho, como preza a linguagem jornalística, é o fato de autora ter partilhado de inúmeras experiências íntimas com o personagem central, a ponto de ser capaz de precisar dados que cercam a origem da família Jobim: "José Martins da Cruz Jobim, nascido na freguesia de Santa Cruz de Jobim, no bispado do Porto, chegou ao Brasil como tenente dos dragões". Poucas páginas depois, a autora detalha o nascimento do irmão: "23 cromossomos do pai, 23 cromossomos da mãe. Carregam em seus núcleos os genes determinantes das características do indivíduo (...) O bebê nasceu em casa às onze e quinze da noite, na rua Conde de Bonfim, 634, no bairro da Tijuca". E, de fato, Helena Jobim prossegue com uma descrição documental impressionante, mas que, de um lado, exala parcialidade e, do outro, carece de uma interpretação de conteúdo, como a que realizou o jornalista José Castello acerca do já citado Vinícius de Moraes.

Talvez o que mais tenha se aproximado, com o risco de ter atingido o objetivo, é o jornalista Sérgio Cabral, que, além de grande crítico musical, conviveu com o maestro. Qual é o problema, então? Ora, Tom Jobim morreu em dezembro de 1994 e o livro foi editado já em 1997. Em outras palavras, era ainda um tanto cedo demais para tal empresa, uma vez que muito ainda estava por se revelar. Só para citar dois casos. Há alguns anos, uma grande celeuma envolveu a também já mencionada "Águas de Março". Dizia a matéria publicada na Folha de S.Paulo que Jobim havia se inspirado em excesso, se assim pode-se afirmar, num disco chamado Cinco estrelas apresentam Inara, de 1956. À época, em 2001, críticos do porte de Luís Antônio Giron e José Ramos do Tinhorão se manifestaram a respeito, debatendo se ocorrera plágio ou não. Mais ou menos na mesma época, um grande shopping de São Paulo "descobriu" uma música de Tom que homenageava a cidade. Coincidência ou não, a canção apareceu em horário nobre como vinheta do referido centro de compras e, infelizmente, foi o único registro que os admiradores de Tom chegaram a ouvir de "Te amo, São Paulo", canção de estrofes simples e absolutamente sentimental (o amor à cidade é declarado em 4 idiomas!).

É evidente que, de um modo geral, os interessados por Tom Jobim não são leitores de biografias que optam pelo celebridismo. Antes, são interessados em música, mas que gostariam de uma versão dos fatos a partir da perspectiva da vida do maestro. Por enquanto, uma opção é combinar as duas biografias até aqui já citadas. E, para completar, não esquecer daquilo que é fundamental: ouvir os discos de Tom Jobim. Não há melhor maneira de conhecer o homem e sua obra.

Fabio Silvestre Cardoso
São Paulo, 22/1/2007

 

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