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Segunda-feira, 29/1/2007
453 – São Paulo para gregos e troianos
Verônica Mambrini

Ou minha pequena contribuição para amar uma cidade tão detestável

Todo mundo sabe que São Paulo era só uma vilinha à toa, jogada no meio do nada, servindo de missão jesuítica, primeiro, e depois, de entreposto comercial. Mesmo os ciclos do ouro e do café não mudaram tanto o jeitão pacato e interiorano de São Paulo de Piratininga. Mas de repente, um lugarejo perdido na mata atlântica virou um monstro de conurbações e ferocidade asfaltada. Começou com a vinda dos imigrantes italianos, em fins do século XIX, seguiu com café e indústria; daí, o trem descarrilou. Deixo os detalhes para vocês lerem aqui. O que importa é que eu nasci na cidade mais urbanizada e difícil do País, e que na última semana fez aniversário - 453 anos.

São Paulo é praticamente um "poço de lixo", já que a barreira natural da Serra do Mar não deixa a poluição massiva gerada aqui se dispersar. A rotatividade da mão-de-obra é uma das maiores do Brasil. Se isso é um problema grave para quem já está enraizado na cidade há gerações, para quem vem de fora concretiza a imagem perfeita da "terra das oportunidades". Isso traz uma infinidade de conseqüências, como crescimento desenfreado, violência urbana, insuficiência na infra-estrutura, e por aí vai. A lista de motivos para fugir de São Paulo é enorme. Mas Sampa continua crescendo, absorvendo pessoas, tendências, mudanças. Essa receptividade toda, junto com os contrastes econômicos, culturais e sociais esculpiram a relação de amor e ódio pela cidade tão típica de quem vive aqui.

Nesse aniversário, a cidade está bem caidinha. Um dos marcos que está abrilhantando a efeméride, de mãos dadas com o atual governo, é a inauguração da nova Avanhandava, rua do centro de São Paulo que acaba de passar por uma reforma completa. O restauranteur Walter Mancini (que já tinha três casas na rua e aproveitou a oportunidade para inaugurar mais três) fez um belo trabalho urbanístico, investindo pesado em conjunto com a operadora de cartão de crédito Visa e com a prefeitura. Mas - inevitável nesse tipo de consórcio - as benfeitorias giram em torno do consumo. Caso semelhante aconteceu com a rua Oscar Freire. Se é bom que a iniciativa privada se responsabilize pela conservação e urbanismo do seu entorno, é perigoso que o poder público concentre seus investimentos onde há interesse de capital privado. Caetano Veloso já matou a charada faz tempo: é "a força da grana que ergue e destrói coisas belas". A depender desse tipo de parceria, não havendo interesses comerciais, as regiões mais pobres da cidade continuam sem os investimentos necessários.

Essa questão - a do espaço público - é um dos problemas estruturais de São Paulo que mais me incomodam. Aqui, a coisa pública não está intrinsecamente ligada ao interesse coletivo. A classe média se satisfaz com shoppings centers e a classe alta cria seus bunkers, com lazer e segurança inclusos na taxa de manutenção do condomínio. Não há praças, parques e centros culturais pulverizados pelos bairros, de forma a atender a demanda de todos os estratos sociais da população. Para a maioria esmagadora dos paulistanos, não há onde praticar esportes, namorar, passear, conviver, sem precisar consumir. Minha avó, nascida e criada no Cambuci (bairro meio esquecido pela especulação imobiliária, ainda com suas vilinhas operárias italianadas por estreitos sobradinhos), é descendente de italianos e de espanhóis. Ela conta que conheceu meu avô no footing, costume antigo de passear com os amigos em alguma praça, geralmente perto de casa mesmo. Assim se construía a malha social, num espaço de todos e mais democrático.

Talvez por essa falta de espaços públicos de qualidade os cariocas que vêm parar por essas plagas fiquem tão perdidos. Solte um carioca em São Paulo e ele perde o chão. Além se desorientar com a falta de mar, a própria configuração da cidade conspira pela solidão. Não tem o contraste da natureza estonteantemente bela e sobretudo da praia, que democratiza a felicidade. No Rio de Janeiro, o sofá da sala de estar fica virado para a janela, para a paisagem. É o contrário de São Paulo, cidade de interiores, onde tudo se volta para dentro. Desse defeito nasce também uma qualidade inequívoca (ajudada pela imigração de gente do mundo todo para cá): a variedade da gastronomia que se encontra na cidade. Mais um clichê para engrossar a lista: programa de paulistano é sair para jantar. A bem da verdade, no Brasil, São Paulo é o paraíso para quem gosta de comer bem. Dá para achar restaurantes de todos os níveis e tipos, para todos gostos e bolsos. Além de a padaria e mais ainda, a pizzaria, serem verdadeiras instituições paulistanas. Basta dar uma olhada em qualquer guia turístico: a maioria das atrações de Sampa City vêm acompanhadas de garfo e faca.

São Paulo bate sim, em quem vem para cá. Mas é uma relação rodrigueana, um tapa seguido de carícias. E mesmo que essa receptividade seja meio torta, todo mundo acaba se encaixando aqui de um jeito ou de outro (com exceção, talvez, dos cariocas), porque a cidade é tão esquizofrênica, comporta tantas cidadelas se sobrepondo celeremente, que em alguma delas a pessoa se há de ajustar. Daí, São Paulo é tantas cidades que não é nenhuma. Sempre fica um buraco, um pedaço faltando - possivelmente seja isso que dê um mínimo sentido de integração. Parafraseando Tom Jobim, viver em São Paulo é uma merda mas é bom. Fora daqui, é bom, mas é uma merda. Nada resta aos paulistanos senão sermos doentes por essa cidade.

Nota do Editor
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Verônica Mambrini
São Paulo, 29/1/2007

 

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