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Segunda-feira, 26/1/2009
Genialidade
Ricardo de Mattos

"O fim da alma, em sua evolução, é atingir e realizar em si e em volta de si, através dos tempos e das estações ascendentes do Universo, pelo desabrochar das potências que possui em gérmen, esta noção eterna do Belo e do Bem, que exprime a idéia de Deus, a própria idéia de perfeição." (Léon Denis, em O problema do ser, do destino e da dor).

O tema da Genialidade, proposto para o Especial do mês, será aqui abordado com a especialização de premissas gerais que adotamos em nossas reflexões a respeito do Homem e seu papel no planeta. A base maior é a compreensão de um Criador responsável pela existência do que vemos e do que não vemos. Em seguida, a compreensão de que fomos todos criados diretamente por Ele e encaminhados para a trilha da Evolução. Entendemos que a Evolução dá-se em dois planos, o que justifica a existência de um corpo material provisório sobre o qual atua a inteligência individualizada e imortal, atuação pautada pelo seu estágio de amadurecimento. Estamos convictos, enfim, de que uma só existência corpórea é insuficiente para cumprir todo um programa de depuração intelectual e moral, e de que a vida imaginada pelo ser só é plena e real no plano espiritual. Não é questão de Fé, impressão causada pela predominância, no Brasil, do aspecto religioso do Kardecismo.

Todo espírito é criado simples e ignorante, para que desenvolva por si sua própria inteligência e garanta o mérito de seu trabalho. Recorrendo a um Deus que é absoluto em todos seus atributos, não seria fácil explicar Sua Justiça com base na diversificação de privilégios: uns mal sabendo empilhar dois pratos sem quebrar três, outros embasbacando-nos com suas conquistas nas Artes e nas Ciências. Como indivíduos dos mais diversos níveis de intelectualidade e de moralidade coexistem no mesmo plano, e como o homem moderno ignora, ou mesmo rejeita, o conhecimento de encarnações sucessivas e gradativas, o resultado são o pasmo contínuo e a revolta.

Outro grande problema enfrentado é o do relativismo moral. A famosa frase "o que é moral para você pode não ser moral para mim" causou aos indivíduos, e, por extensão, à sociedade, um mal que estamos começando a avaliar através dos fatos que nos são fartamente noticiados. Encarar a diferenciação entre o certo e o errado leva a pessoa a defrontar-se consigo própria como num espelho indesejado, e poucos estão dispostos a proceder com as reformas que deveriam ser decorrentes da investigação íntima. Daí o acerto de Vauvenargues, em suas Máximas e reflexões: "Nossa indiferença pela verdade na moral vem do fato de estarmos determinados a seguir nossas paixões a qualquer preço: e é isto que faz com que não hesitemos quando é preciso agir, apesar da incerteza de nossas opiniões. Pouco me importa, dizem os homens, saber onde está a verdade, sabendo onde está o prazer".

Entretanto, a evolução do espírito é aferida pelo que o indivíduo realizou nos dois campos. O mais comum é que ele firme seus passos num lado e negligencie o outro. Considerando que não se perdem as conquistas feitas através dos séculos terrenos, chega o momento em que ele se depara com o desequilíbrio. Por isso encontramos pessoas intelectualmente deslumbrantes, mas que revelam uma convivência difícil com seus semelhantes, bem como pessoas boas e honestas que sabem apenas o suficiente para sobreviver.

Onde se situa o denominado "gênio"? É o ser que nas suas constantes vindas a este plano adquiriu, conservou e desenvolveu um grande cabedal intelectual. É o indivíduo cujo conhecimento em determinada área do Saber é tão vasto, profundo e sistematizado, que a certa hora parece ocorrer um "Big Bang" pessoal. Ele não apenas sabe, mas consegue transmitir, aplicar e impulsionar o progresso. O Tempo transcorre e suas realizações continuam impressionando as gerações. Falamos não só de artistas, filósofos e cientistas, como também daqueles cujas ações foram de destaque na orientação da sociedade. Falamos de Einstein, Bach, Gandhi, Pasteur, dos Curie, Galileu, Newton, Darwin, Thomas Edson, Teresa de Calcutá, Beethoven, Benjamim Franklin, Michelangelo, Buda. Incluímos também Allan Kardec, que apresentou racionalmente conhecimentos antes velados por uma infinidade de símbolos, numa obra que nos faz considerá-lo um dos últimos grandes filósofos sistemáticos. Atualmente, podemos citar de imediato o físico Stephen Hawking como coroado pela genialidade.

E o homem de talento? É aquele que exibe as primeiras manifestações do que será o gênio. Seus trabalhos demonstram o progresso, mas também revelam lacunas. Michelangelo foi um gênio; o francês setecentista Watteau, um talento. Ambos, porém, atenderam à vocação, que nada mais é do que a força que impele alguém a continuar uma trilha já iniciada. Isso não livra ninguém de estudar, trabalhar, desenvolver técnicas e atualizar conhecimentos, sempre com aplicação e disciplina. Havendo este encaminhamento o resultado é certo.

A subida ao patamar da genialidade começa, portanto, com a escolha certa em atender à vocação. "Mas se é uma vocação, uma espécie de impulso, não podemos falar em 'escolha'". Claro que podemos, o livre arbítrio é exercido ao se atender ou não ao chamado íntimo. Quantos suam sangue e desenvolvem sarna nervosa desejando ser poetas, músicos ou pintores e, apesar disso, nunca escrevem, compõem ou pintam um só verso, canção ou tela que preste? Se persistem é por orgulho, ignorância, falta de autoconhecimento, baixa autoestima ― não se julgam capazes de fazer outra coisa ― e mesmo certa vaidade e erro de julgamento quanto ao que confere status social. Acham mais bonita a apresentação como "poeta" do que como "técnico de reciclagem", embora na segunda ocupação talvez desenvolvessem um trabalho social muito mais importante.

À medida que a inteligência se desenvolve e é acompanhada pelo senso moral, em que são acumulados conhecimentos extraídos não só dos livros, mas das experiências pessoais, do contato humano e da observação do mundo, o espírito localiza quais necessidades da humanidade são mais prementes e pode assumir uma tarefa visando supri-las. É o momento em que se dispõe a continuar a desenvolver-se, mas de maneira a ajudar seu semelhante. Eis a origem do gênio.

Ricardo de Mattos
Taubaté, 26/1/2009

 

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