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Quarta-feira, 4/2/2009
Gênios
Luiz Rebinski Junior

Nas rodas de bar, um dos passatempos mais fascinantes e inúteis é a catalogação de jogadores de futebol. O exercício é tão saboroso quanto desprovido de serventia. Afinal, quase nunca se chega a lugar nenhum quando o objetivo é classificar "os melhores de todos os tempos". Em geral, as categorias são três, mas podem variar de acordo com os integrantes da mesa. São elas: "bom jogador", "craque" e "gênio". Os classificados como "bons" são muitos (Raí, Adriano, Aldair, Bebeto, Leandro, Paulo César Caju etc.); "craques", há de punhados também (Djalminha, Roberto Dinamite, Reinaldo, Gerson, Zico, Sócrates, Tostão, Falcão, Rivelino, Júnior etc.); já os "gênios", esses são escassos até mesmo nas rodas menos criteriosas. Pelé e Maradona são figuras fáceis. Puskás, Garrincha, Di Stéfano e Romário são passíveis de citação. Mas há sempre aqueles que acham, por exemplo, que Ronaldinho Gaúcho pode fazer parte desse seleto time. E achar, nessa discussão, é o que mais pode. Pois classificar alguém como gênio é algo tão abstrato que não se pode recriminar nem mesmo aquele míope que acha o Junior Baiano um baita craque.

Isso acontece porque, no futebol, não há parâmetros minimamente eficazes para se decretar que um é craque, outro é gênio e o resto é resto. Se o critério, por exemplo, fosse o número de gols marcados, Túlio Maravilha, o jogador-vereador, estaria na cola de Pelé e já teria deixado para trás gente como Zico, Falcão e Careca. Mas nem com três mil gols Túlio amarraria a chuteira dessa turma. Portanto, se há alguma chance de pontuar gênios no mundo da bola sem que isso se torne uma brincadeira de bar, eu desconheço. Pode-se, claro, definir parâmetros, mas nunca se chegará a um consenso. Como fazer, por exemplo, que um argentino entenda que por mais brilhante que Maradona tenha sido, foi inferior a Pelé? Para grande parte dos amantes do futebol, é praticamente uma heresia contestar a genialidade de Pelé, mas não para um argentino.

Também refuto as correntes que acreditam que o gênio é uma espécie de aberração da natureza às avessas, que nasceu com cérebro mais avantajado e, por isso, tem mais capacidade do que aqueles considerados normais. E o exemplo mais claro disso está naquele que é, de forma quase unânime, aclamado como o maior gênio do século XX.

Desde 1955, quando Albert Einstein morreu e seu cérebro foi embalsamado pelo médico Thomas Harvey, nunca se confirmou a hipótese de que o cérebro do físico alemão se diferenciasse do cérebro de gente de inteligência normal. O que se sabe é que o cérebro de Einstein era 15% mais largo, em uma região chamada parietal, do que o de pessoas normais. Ainda com essa diferenciação, o cérebro de Einstein se assemelha, anatomicamente, aos cérebros de outros matemáticos e físicos que não são considerados gênios. O que quer dizer que se há alguma diferença de ordem física nos gênios, a neurologia ainda não demonstrou. Ou porque não tem meios suficientes para tal (o ideal, dizem os especialistas, seria estudar o cérebro de Einstein em funcionamento, ou seja, fazer o estudo da mente e não do cérebro do cientista), ou porque realmente essa diferenciação não existe.

Por isso, sou daqueles que, como Harold Bloom, o supercrítico americano que ousou apontar quem são os 100 gênios da literatura mundial, acham que genialidade é uma questão que passa ao largo da anatomia humana ou da configuração genética. Para Bloom, a genialidade está diretamente ligada à originalidade. Duas palavras que soam como sinônimos e que levam, invariavelmente, à máxima tão batida do "talento (ou genialidade) é 10% inspiração e 90% transpiração".

É claro que, aliado ao esforço, há uma "propensão natural" dos gênios à atividade que se dedicam. E não me perguntem o que é essa tal "propensão natural" porque nem eu nem a ciência sabemos responder. O que fez, além da conjuntura social e influência da família, Mozart escolher, aos cinco anos, a música como profissão? Por que não foi ser pintor? E se fosse pintor, seria gênio? Como ainda não podemos responder a esse tipo de pergunta, prefiro acreditar que os fatores externos (influência, dedicação, empenho etc.) é que são determinantes para o surgimento de um gênio. Nunca li um grande escritor que não fosse um grande leitor. Mas e se Dostoiévski tivesse colocado toda a sua obsessão literária a serviço da música, estaria hoje na lista dos maiores compositores de todos os tempos? O que seria de Darwin se não embarcasse no Beagle?

Há exemplos que podem sugerir respostas. Como não sou elitista, e consigo ver originalidade na música pop, sempre achei Bob Dylan o artista dos artistas, um gênio da música pop com uma trajetória difícil de ser superada. Mas nos anos 1960, no auge de sua criatividade (que teve picos durante toda carreira), talvez inebriado com o próprio talento, Dylan se aventurou nas artes plásticas. O máximo que conseguiu foi fazer umas imitações baratas de Marc Chagall. Tudo bem que se pode argumentar que Dylan nunca tentou ser, efetivamente, um pintor (apesar de ter exposto alguns de seus quadros, pela primeira vez, em 2007, na Alemanha), mas suas criações pictóricas estão longe da qualidade de suas composições. O que quer dizer que Dylan talvez esteja, por uma razão desconhecida, fadado a ser reconhecido "apenas" como um grande compositor, por mais que queira o contrário.

Isso quer dizer que aquilo que, sem pensarmos direito, chamamos de talento, está ligado diretamente à maneira como determinada pessoa se dedica a uma atividade. Esse é o aspecto menos complicado da questão: é óbvio que ninguém é gênio por obra do acaso; há muito já foi superada a idéia de que basta ao poeta, simplesmente pelo fato de ser poeta, olhar para o céu para escrever o mais belo dos poemas sobre as estrelas. O insight da inspiração é pura lenda.

O problema é estabelecer parâmetros para saber quem é e quem não é gênio. Voltamos aos jogadores de futebol. Pelé ou Maradona? Zico foi gênio? Talvez uma das saídas seja recorrer a outro artifício: o da influência. Leonardo da Vinci é um exemplo incontestável. Não foi influente apenas nas artes plásticas, mas em diversas outras áreas do conhecimento. Na música pop, quem conhece a história do rock pode afirmar com todas as letras que os Beatles foram o maior grupo do gênero de todos os tempos. Pode ser. No entanto, Bob Dylan é o artista que mais influenciou outros grandes artistas, incluindo aí os próprios Beatles. Não vendeu tantos discos quanto Lennon e McCartney, mas, por outro lado, teve uma carreira (ainda que com altos e baixos) mais longínqua e com mais discos importantes. Em suma, ambos são geniais, mas Dylan foi mais regular, soube se reinventar ao longo das décadas.

É claro que isso é pura peroração inútil, masturbação pseudo-intelectual. O fato é que para cada argumento que usei até aqui, há pelo menos dois outros bem melhores. Sei disso. Mas, assim como as listas de Nick Hornby, pontuar mentes brilhantes ― e compará-las ― é um ótimo passatempo.

Luiz Rebinski Junior
Curitiba, 4/2/2009

 

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