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Segunda-feira, 9/8/2010
Big Brother da Palmada
Daniel Bushatsky


Ilustra: o urso azul

A Lei da Palmada, ou melhor, da não Palmada está para ser sancionada. Isso é o que estabelece o Projeto de Lei 2.654/03, da deputada federal Maria do Rosário, do PT do Rio Grande do Sul, que acrescenta uma emenda ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Os pais que descumprirem a nova lei, dando uma palmada em seu filho, mesmo que educativa e na melhor das intenções, poderão ser punidos de diferentes formas, desde encaminhamento ao programa oficial ou comunitário de proteção à família, passando por tratamento psicológico, ou cursos e programas de orientação e, até, obrigados a encaminhar a própria vítima a tratamento especializado (por causa de uma palmada?).

A deputada usa como principal argumento para a aprovação da Lei, a palmatória, instrumento usado até meados do século passado nas escolas brasileiras, e que possui célebre passagem em um conto de Machado de Assis, chamado "Conto de Escola", em que a palmatória se faz onipresente: "E essa lá estava, pendurada do portal da janela, à direita, com os seus cinco olhos do diabo. Era só levantar a mão, despendurá-la e brandi-la, com a força do costume, que não era pouca".

Convenhamos, o argumento é um pouco ultrapassado e a legislação brasileira já protege muito bem a criança quanto a abusos físicos ou psicológicos, existindo assuntos muito mais importantes a serem elaborados e votados.

O fato é que a Lei ficou famosa, dividiu especialistas, e até o Presidente da República comentou que era favorável ― provavelmente não tinha mais nada para fazer. A Lei, na minha opinião, é um absurdo por completo. Uma ofensa ao livre arbítrio dos pais, às garantias individuais e ao direito da intimidade.

Fora isso, ninguém explicou ainda como seria a fiscalização. Eu já comecei a imaginar: de repente, sem mais nem menos, um fiscal, carregando uma cestinha, invade sua casa, confisca o chinelo, coloca na cestinha, e notifica a infratora mãe (em geral, são sempre elas) para comparecer a tratamento psiquiátrico, sob pena de multa, por estar "castigando" a pequena filha, que tenta colocar o dedo na tomada ― sempre é a tomada. A denúncia anônima é do vizinho, o mesmo que havia discutido uma semana antes por causa do cheiro da comida. A da casa dele não tem um aroma tão gostoso...

Mas a Lei tem seu lado positivo, pois aumenta o poder de barganha dos filhos, incentivando a negociação. Os pais não poderão mais corrigir ou mesmo falar coisas chatas, sob pena de denúncia, mesmo que imotivada.

Mas o melhor mesmo é que enquanto discutimos se é positiva ou negativa a ação da palmada (algo que nem os psicólogos conseguiram definir), nossos governantes estão prestes a aprovar uma Lei, cujo objetivo será a dispensa de licitação para obras públicas que tenham como desígnio a infraestrutura para Copa do Mundo.

Ou seja, enquanto nós estamos perdendo tempo com uma Lei inócua, pois não só é impossível fiscalizar, bem como é um abuso à intimidade e ao núcleo familiar, nossos queridos governantes estão dando bandeira verde para a corrupção, permitindo que a administração pública escolha, a seu bel prazer, a empresa que celebrará contratos milionários para as necessárias obras de infraestrutura. Já estão, também, por meio de Medida Provisória aumentando o orçamento das cidades escolhidas para a Copa.

É esta Lei que deveria estar no noticiário, na capa das revistas e dos jornais. O governo, sabiamente, deu pão e circo para a população: "discutam a palmada, enquanto discutimos como poderemos tirar proveito da Copa".

Óbvio que precisamos de obras urgentes. Óbvio que os eventos esportivos são importantes. Mas não é óbvio que a administração pública possa delegar obras milionárias sem licitação, que garante em sua base (e em tese) o melhor contrato para o ente público. Lembrando que quem paga a obra, no final, somos nós.

Se simplesmente conversar resolve, como a deputada e seus colegas afirmam, acho que está na hora de conversarmos com nossos governantes. Colocá-los de castigo. O problema é que denunciar até agora ainda não resolveu. Prisões? Foram poucas e de duvidoso alcance punitivo/exemplificativo. Mas se não der certo, o que faremos? Uma mudança legislativa.

Proponho que o cidadão pego em qualquer ato de corrupção, seja ele político, advogado, empresário, leve umas palmadas, poucas e boas, devagar para que doam, e, lógico, com caráter educativo.

Não vale espancar e nem constranger moralmente. Deve, obrigatoriamente, ser precedida de conversa.

Para não haver injustiças, acho que as primeiras deveriam ir para o Lula. É verdade que nunca foi provado seu envolvimento direto com a corrupção, mas como muitas palmadas são preventivas, e há tempos avisamos que as suas companhias não são boas, e ele ainda não aprendeu, nada mais justo!

Nota do Editor
Leia também "Palmada dói".

Daniel Bushatsky
São Paulo, 9/8/2010

 

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