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Sexta-feira, 10/9/2010
Escrevemos para nós mesmos (?)
Rafael Rodrigues


Ilustra: o urso azul

Nos últimos anos, o número de pessoas que escreve ― ou, pelo menos, que consegue publicar o que escreve ― aumentou muito. Esse crescimento se deu juntamente com os avanços tecnológicos e a relativa popularização da internet. Criar um blog ou um perfil no Twitter é fácil, e tanto uma plataforma quanto outra tem sido citada pelos grandes meios de comunicação com bastante frequência.

Isso faz com que mesmo quem não entende muito de computadores e internet fique curioso em saber como funcionam esses meios de comunicação/publicação. Daí a quantidade astronômica de blogs e tweets. Enquanto escrevo este texto, o site Blog Pulse informa que passa de 145 milhões o número de blogs reconhecidos no mundo. No início do mês de agosto, o Twitter chegou ao número estrondoso de 20 bilhões de mensagens postadas.

O número de livros publicados no Brasil cresce, juntamente com o mercado editorial (apesar de este ano ter sido detectada uma estagnação). Mas, mesmo assim, não vemos o número de leitores aumentar como desejamos. Melhor dizendo: não vemos o aumento no consumo/leitura de determinados nichos literários, como a literatura brasileira ― e até mesmo a produção estrangeira, abrindo uma exceção para os best-sellers, claro.

Um paradoxo. Enquanto uma quantidade enorme de pessoas escreve/publica, o consumo de livros não aumenta na mesma proporção. Repito: na mesma proporção. Tem aumentado, mas não o esperado ou o desejado. Por quê?

O principal motivo, por incrível que possa parecer, talvez seja o fato de alguns escritores não se importarem muito com os leitores.

É comum, e perfeitamente normal/compreensível, ver/ler um autor dizer que escreve para ele mesmo, ou seja, que coloca no papel o que ele quer ler. Não há problema algum nisso, lógico. Este texto, por exemplo, estou escrevendo porque quero "dizer" o que nele estou "dizendo". Não estou escrevendo isto para agradar leitores, mas sim porque quero colocar determinadas opiniões minhas aqui.

A mesma coisa com meus contos: os escrevo porque são histórias que eu gostaria de ler. Se boas ou ruins, paciência. O que quero deixar claro, repetindo o que foi dito no parágrafo anterior, é que não há nenhum problema nessa postura. O problema começa quando, depois de escrito o romance, conto ou poesia, o autor não faz nenhum esforço para que sua obra chegue ao maior número de pessoas possível; o problema acontece quando ele assume uma atitude blasé e diz "não escrevo para ninguém, não penso nos leitores; o que almejo é a posteridade" ou algo do tipo.

Ora. Você é um escritor, passou dias, meses, anos escrevendo um livro, e conseguiu publicá-lo. Por que não fazer algum esforço ― nem precisa ser um esforço tão grande ― para fazer sua obra alcançar um público relativamente numeroso?

Nos Estados Unidos os escritores fazem algo que por aqui não se vê, que é sair em turnê com suas obras. Como se fossem uma banda de música fazendo turnê para divulgar um novo disco. Apesar de os eventos literários no Brasil estarem aumentando de número, sinto falta de algo assim, parecido com uma turnê.

E quando digo que o esforço não precisa ser grande, não precisa mesmo. Me refiro a coisas pequenas, como negociar com a editora uma determinada quantidade de exemplares para doar a bibliotecas públicas e mesmo de colégios ou faculdades particulares, e, junto com a doação, organizar uma palestra, uma mesa redonda sobre não apenas o livro, mas sobre a importância da leitura ― e não apenas leitura de literatura ― na vida de alguém.

Não me refiro aqui a sair viajando o Brasil inteiro para divulgar um livro, porque nosso mercado restrito (leia-se "pouca verba") não dá essa possibilidade. Mas por que não fazer isso na cidade natal do escritor, ou na capital do seu estado, ou na cidade onde ele reside há anos? Algo simples de ser feito é visitar as escolas nas quais estudou ou a faculdade na qual se formou, por exemplo.

Em alguns lugares, por algumas pessoas, escritores ainda são vistos como seres "fora da realidade", "sonhadores", ou mesmo como "malucos", "caras estranhos". Muito por culpa de alguns escritores malucos e sem noção, é verdade, mas é preciso desfazer essa imagem ainda um tanto borrada que algumas pessoas têm dos escritores. Um escritor é alguém que tem direitos e obrigações como qualquer outra pessoa, que leva os filhos para a escola, paga contas e almoça com a família aos domingos.

É preciso quebrar certas barreiras, alcançar determinadas pessoas que podem vir a ser leitores fiéis. Nós, escritores, podemos fazer muito mais pela literatura do que pensamos. E, no final das contas, quem mais vai ganhar com isso somos nós mesmos, já que poderemos vender mais livros e conseguir mais leitores. Sinto que, atualmente, escritores escrevem para escritores, quando um outro público poderia ser alcançado. Qual o problema de ser lido por uma garota que leu Crepúsculo ou por um jovem que adora Harry Potter? Por que não tentar alcançar esse público, falando diretamente para eles (e isso não é o mesmo que "escrevendo diretamente para eles", é bom deixar claro)?

Sinceramente, quando meu livro for publicado ― e só Deus sabe quando isso vai acontecer ― vou fazer o que estiver ao meu alcance para que ele seja conhecido, lido e vendido por aí. Não tenho a pretensão de ser um autor best-seller, mas não quero ver minha obra parada, criando teia de aranha em livraria ou dentro de caixas guardadas em minha casa. Se escrevo, é porque, além de ter a necessidade de escrever, quero ser lido. Simples assim.

Nota do Editor
Leia também o Especial "Autores Novos".

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 10/9/2010

 

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