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Terça-feira, 2/11/2010
John Lennon, o homem
Marco Antonio Santos Silva

Demorei um certo tempo para aceitar que os Beatles foram a maior força criadora da música pop. Não que eu não goste do quarteto de Liverpool ― muito pelo contrário ―, mas muita gente boa não teve o devido reconhecimento, em particular os Kinks. Os singles lançados por estes últimos na década de 60 são pérolas do mesmo quilate de algumas canções da fábrica Lennon/McCartney. Em termos de álbuns, com certeza os Beatles são imbatíveis até hoje. E fariam, com certeza, durante todos esses anos, álbuns maravilhosos, se Mark Chapman não tivesse resolvido dar cabo da vida de Lennon. Talvez Chapman não tivesse gostado muito da ideia do fim dos Beatles, ou do discurso político de Lennon enquanto andava de Rolls-Royce, ou fosse mesmo só um louco. Mas tudo o que disse foi para chegar ao ponto em que os Beatles terminaram.

Como todas as pessoas do planeta, sempre acreditei que John Lennon era a mente e a alma do grupo, ignorando por vezes as preciosas contribuições de Paul, George e Ringo. A mim bastava o mito que havia sido criado em torno do líder dos Beatles. Só que, há uns dois meses, li a biografia definitiva de Lennon, John Lennon ― A vida (Companhia das Letras, 2009, 840 págs.), escrita por Philip Norman. E aquela imagem intocável de deus que se criou de John começou a ser desfeita em mim após algumas reflexões sobre o livro. O valor da obra é inquestionável, mas Philip Norman me lembrou o Capachão da TV Colosso, a cada capítulo puxando o saco do falecido beatle. Qualquer coisa que ele tenha feito, Norman tenta mostrar algum traço de genialidade. Não estou contestando a mente iluminada de Lennon, mas em alguns momentos a rasgação de seda toma conta do livro. O autor parece achar normal a aversão que John tinha a aleijados, a arrogância com que tratava os próximos, enfim, qualquer frase que ele dissesse. Na tentativa de traçar um retrato fiel do beatle, Norman conseguiu ― não sei se era essa a intenção ― desconstruir o mito e mostrar o homem, sendo este o grande mérito de seu trabalho.

A arrogância e a personalidade forte de John, pelo que se pode constatar se lido com crítica, era na verdade só um disfarce para sua insegurança, assim como Nixon fez na sua entrevista com David Frost, retratada nas telas no filme Frost/Nixon. Uma pessoa cheia de traumas, que não teve convívio com seus genitores, criado por uma tia conservadora que o paparicava, que não tinha certeza se suas canções eram melhores que as de seu eterno parceiro, Paul, que se deixou dominar por uma mulher controladora, que não tinha pudores em humilhar publicamente pessoas que trabalhavam com ele. Mas que tinha realmente um enorme talento para lapidar pérolas pop. E com fama e fortuna. Certa vez, li numa revista Bizz uma matéria sobre o Los Hermanos (de quem eu sou fã incondicional) que os "excêntricos é como chamamos os chatos bem-sucedidos" e associei imediatamente esse raciocínio ao beatle. Fiquei um tanto decepcionado com o Lennon homem, porque quando ele precisou ser homem de verdade quem o fez por ele foi Yoko Ono. Essa baboseira de não usar palavras para se comunicar, de pedir palpites a uma artista que estava aquém da grandeza dos Beatles e a vontade de se deixar controlar e, principalmente, não reconhecer seus erros quando utilizava suas famosas frases de efeito, tudo isso culminou no fim da mais brilhante formação que o universo conheceu.

Observando com atenção, cheguei à conclusão de que John se reportava sempre à Yoko porque ela era sua esposa e, por mais que ela tentasse ser imparcial na crítica da construção das canções do grupo, sua opinião sempre seria a favor do marido, e este, por sua vez, sempre acataria o que ela dissesse. Mesmo que isso resultasse numa das muitas brigas com os companheiros. Ringo e George se acostumaram a ficar à margem, para evitar os conflitos, mas Paul, perfeccionista que é, não concordava, embora tenha algumas vezes aceito a situação para manter a unidade do grupo. Pelo menos isso Philip Norman deixa claro: o baixista foi o pilar que sustentou a banda o máximo que pôde. Na minha modesta opinião, Paul sempre foi o líder, a força criadora que inspirava ― e por vezes frustrava ― seu parceiro John. Infelizmente a mídia encarregou-se de transformar Lennon no "líder", justamente o mais fraco dos Beatles.

Pode ser que o fim não tenha sido o objetivo de Lennon, mas sua arrogância, insegurança e Yoko Ono tornaram a situação insustentável para todos os outros. Os resultados de menosprezar seus companheiros e a própria obra da banda foram três: All the things must pass, de George; Sentimental journey, de Ringo e, sobretudo, Band on the run, de Paul. Se em vez de pôr Yoko para berrar nas suas canções tivesse reconhecido o valor de seus companheiros, aceitado as diferenças entre eles e juntado suas canções com as deles, com certeza teríamos mais um disco não menos que genial. Infelizmente não foi assim. Eu não gostei de como as coisas acabaram. E parece que Mark Chapman também não.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no site Helvetica12. Leia também "Despindo o Sargento Pimenta".

Para ir além





Marco Antonio Santos Silva
Teresina, 2/11/2010

 

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