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Terça-feira, 4/1/2011
Meu cinema em 2010 ― 2/2
Wellington Machado

Dando continuidade à minha coluna anterior, seguem os outros filmes:

O escritor fantasma (Roman Polanski, França/ Alemanha/ Reino Unido, 2010) ― Um roteiro ágil e engenhoso faz deste thriller um dos melhores filmes do gênero. O foco da história são as relações promíscuas de poder dentro do governo e entre esferas pública e privada. Um ghost-writer é contratado para escrever sobre um poderoso político britânico e acaba se envolvendo em uma trama na qual se torna investigador. Se ele tinha o papel de elogiar o biografado, a história toma outro rumo quando o escritor descobre que há muito de ruim nas relações de poder. Um filme inteligente, com um final surpreendente.

Tudo pode dar certo (Woody Allen, Estados Unidos/ França, 2009) ― Boris é um professor aposentado que, por invencionices "woodyalleanas", abandona um casamento estável e se envolve com uma garota de 20 anos (qualquer semelhança com a vida privada do diretor pode não ser mera coincidência). A trama ganha corpo quando a mãe e o pai da moça começam a entrar na vida do professor ranzinza. Ocorre uma sucessão de encontros e desencontros de casais em busca do par perfeito, não importando a idade ou o sexo. Só mesmo o Woody Allen para colocar tantas referências em 90 minutos. O filme aborda principalmente as várias possibilidades de as pessoas se envolverem afetivamente. Bem como a concessão do cético (Boris) ao místico (uma vidente picareta que desperta dúvidas no professor). Diversão inteligente, com diálogos impagáveis.

À prova de morte (Quentin Tarantino, EUA, 2007) ― Com dois anos de atraso, o filme só chegou ao Brasil em 2010. Os diálogos despretensiosos entre cinco garotas ao passear pela cidade de carro, a caminho de um pub, dão o tom do suspense: algo de grave acontecerá a qualquer momento com as inocentes viajantes. O surgimento de um excêntrico "maníaco das estradas", cujo fetiche é provocar violentos acidentes de carro em alta velocidade, dá um ritmo frenético ao filme até então despretensioso. Carregado de referências cinematográficas dos anos 70 (Dirty Harry, o cultuado Corrida contra o destino etc.), o filme mostra sequências implacáveis de perseguição e suspense. À prova de morte é o mais Tarantino dos Tarantinos.

Dois irmãos (Daniel Burman, Argentina, 2010) ― Um filme simples, mas sensível. Aborda a relação entre dois irmãos (solteirões) na terceira idade, após perderem a mãe. A irmã, uma corretora de imóveis, é possessiva e insiste em ditar o destino do irmão. Acaba alugando uma casa para ele em uma pequena e pacata cidade no Uruguai, onde há uma escola de teatro ministrada por um importante diretor. O que parecia ser um fim de vida depressivo naquela cidade, acaba sendo uma renovação quando o irmão entra para a escola, passa a atuar e fazer novos amigos. Daniel Burman é um jovem diretor com um currículo já de peso. Realizou Abraço partido (2004), As leis de família (2006) e Ninho vazio (2008), sempre com a temática voltada para os dramas familiares. Dois irmãos é mais um bom filme que concilia boas atuações com roteiro simples, alternando momentos dramáticos e engraçados.

José e Pilar (Miguel Gonçalves Mendes, Portugal/ Brasil/ Espanha, 2010) ― É um documentário com altos e baixos, mas que merece ser visto. O seu grande mérito é fazer jus ao nome: dar igual importância a Pilar e Saramago. O filme retrata um momento crítico do casal. Há dois ou três anos antes de morrer, o escritor foi acometido por uma doença respiratória gravíssima, que o debilitou bastante. Sua esposa, uma mulher de fibra e personalidade forte, assumiu literalmente a carreira do marido ― o que não era pouco, principalmente após Saramago ganhar o Nobel. Ela lia cuidadosamente e fazia uma triagem na correspondência que recebiam (cerca de 200 cartas/dia). O documentário também quebra o mito em torno do escritor: a de uma figura ranzinza e mal-humorada. O que poucos sabiam era que ele raramente recusava um convite para visitar um país quando era solicitado. Também ignorava o cansaço (e por isso adoeceu) no cumprimento da agenda de palestras e lançamentos de seus livros. Chegava a assinar, com inacreditável paciência, mais de mil exemplares em uma noite. O filme mostra como Saramago virou pop star.

Dos lançamentos, não consegui (ainda) ver A ilha do medo (Martin Scorsese), A fita branca (Michael Haneke) e Um homem sério (Joel e Ethan Coen), que certamente comporiam minha lista. Não vi, também, A suprema felicidade, do Arnaldo Jabor (tenho minhas dúvidas se o incluiria nesta lista). Valendo-me das locadoras, revi os sensacionais Cortina de fumaça (Wayne Wang), Cães de aluguel (Tarantino), Spider (David Cronenberg), e o melhor filme do Hector Babenco, Coração iluminado.

Além da lista anual, tenho mania de promover "mostras particulares", fazendo "cortes" por diretor. Em 2010 conheci, graças também às locadoras, os principais filmes de Luis Buñuel, Louis Malle e Daniel Burman. A decepção do ano foi o péssimo À procura de Eric, de Ken Loach ― que não é um mau diretor.

Como estamos "fechando uma década", fiz minha lista dos melhores filmes brasileiros da década (por ordem de preferência):

1. Amarelo Manga (Cláudio Assis, 2003)
2. Lavoura Arcaica (Luiz Fernando Carvalho, 2001)
3. Cinema, Aspirinas e Urubus (Marcelo Gomes, 2005)
4. Latitude Zero (Toni Venturi, 2001)
5. Bicho de Sete Cabeças (Laís Bodansky, 2000)
6. O invasor (Beto Brant, 2001)
7. O cheiro do Ralo (Heitor Dhalia, 2007)
8. Nina (Heitor Dhalia, 2004)
9. Árido Movie (Lírio Ferreira, 2006)
10. Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002)

Não assisti, por opção, a Avatar, Chico Xavier, Nosso lar e O bem amado. E, depois de Drácula de Bram Stoker (Francis F. Coppola) e A dança dos vampiros (Roman Polanski), impossível contemplar algum outro "crepúsculo"...

Wellington Machado
Belo Horizonte, 4/1/2011

 

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