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Terça-feira, 27/11/2012
Analisando Sara: Pós-hardcore atmosférico
Duanne Ribeiro

O vocalista da Analisando Sara, banda de pós-hardcore de Santos, litoral de São Paulo, como que range os dentes quando sente a música. Não se veem os olhos sob o boné, ainda mais com a pouca luz do bar, mas se enxerga o branco cerrado na boca, a cabeça sacudida como que em um espasmo. Tensão contida? Liberada com o vocal que explode sobre ritmo e melodia em devaneios próprios.

Às vezes ele só aguarda, força o eixo do corpo para um lado, cobre o rosto com as mãos, acompanha a melodia com quase uma dança. A banda atrás está imersa no riff e na batida. A sonoridade instrumental me lembra Circa Survive, Alexisonfire (sem a fúria), Envydust. Mas não é exatamente nada disso; se nos primeiros EPs as influências eram mais claras e o gênero mais marcado, 6567826968738469, o mais recente, (o segredo da sequência de números, só no encarte do álbum) traz uma identidade mais bem definida e original.

A banda venceu o Rock Show 2012 na categoria Som Original. O EP anterior a esse, Repetição Imediata: Co-Evolução e Consequência, foi premiado pelo Zona Punk como melhor demo nacional de 2010. Está já em gravação o próximo, que deve aparecer em 2013. A formação atual reúne os guitarristas Daniela Gumiero e Diego 'Munk' Oliveira, o baixista Henrique Santana, o baterista Bruno 'Skero' Martins e o vocalista Gilberto Junior - único desde o início do grupo. Mesmo no cenário alternativo esse tipo de som é raro no Brasil; a tendência é que se aperfeiçoe.

Assisti ao show no Cerveja Azul, na Mooca; show pequeno, a banda teve maiores, como no Hangar 110, ou em espaços mais importantes, como a Virada Cultural. Além do gestual, o que se destaca em Gilberto é sua postura de líder no palco - tanto para vender camisetas e álbuns quanto para defender uma ideia positiva da vida, o que a banda constrói como sua marca. Há entrega, convicção e projeto, visíveis não só em tudo que citei, como na presença online e nos bastidores.

É por isso que escrevo a resenha do EP, que segue abaixo. Não só por isso: eu sou amigo de Gilberto faz bastante tempo (naturalmente, por esse motivo você pode desconfiar de qualquer entusiasmo meu). Já toquei com ele há uns dez anos, em várias ocasiões. Numa delas, a música era Pregos, Cruzes e um Saco de Moedas, do Dance of Days. Eu fiz humildemente o vocal limpo, Gilberto subiu no palco e fez os screams. As caixas vibraram com a potência, de um tal modo que (acho) parei e olhei impressionado por um instante.

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Gilberto não berra mais; especializou-se em outro estilo. Usa preferencialmente timbres agudos, forçando melodicamente todas as frases. Os finais de palavra se alongam e quase sempre se estendem e se ligam, formam uma linha contínua de variação sonora. Pode soar maneirista e dramático, e até onde vejo afasta alguns ouvintes - mas é uma camada que se destaca e integra o conjunto com força.

São características de voz análogas a de um vocalista como Nenê Altro (foi essa a minha primeira impressão, negativa, de Se Essas Paredes Falassem), embora aqui tenhamos um vocal mais limpo, mais encorpado. Segue o faixa-a-faixa:

A Última de Vogal se constrói pela sobreposição de sonoridades. Abrem a música a melodia do vocal feminino e o dedilhado da guitarra base. Ambiente feito, entra a guitarra solo, em tom mais agudo, acrescenta mais uma linha melódica. O vocal principal rasga esse ambiente, variando mais os tons sobre a batida simples, mas quebrada, da bateria. Quando a guitarra solo muda seu riff, não volta a repetir as sequências iniciais; soma-se ao conjunto outro vocal, gritado - "quantas noites perdemos para salvar o futuro, para que os sonhos de vida não se percam no escuro?". Tudo se acumula, cada instrumento na sua forma própria. Intenso, algo triste, repetição insistente que só cessa com o grito "temos que lutar!".

Minha preferida, Perimetral, tem várias seções, com mudanças de dinâmica e da função de cada instrumento. O início, com poucas notas nas guitarras que ecoam, mais lento, segue por uns vinte segundos; um golpe no prato de condução deixa soar o metal enquanto sobram vocal (caindo de intensidade e tom) e guitarra (no som estéreo, em um ouvido só) com um riff nas cordas mais graves - e explode um riff mais agudo na outra guitarra (e em outro ouvido). As duas alternam essas linhas uma única vez, até que a bateria desacelere - um segundo ápice. Uma das guitarras passa a ser só solo, abusando da velocidade da palhetada. Outra vez, a música baixa sua velocidade, para dar lugar a uma seção com um novo riff e uma batida mais estacada, com o bumbo atacado múltiplas vezes. Até o fim, guitarra e vocal exploram sua potência, pra "fazer valer cada gota de suor", como diz a letra.

Permita-se é a base mais "simples" do EP, tanto a primeira base de estrofe como a parte final lembram recursos comuns de bandas de pós-hardcore. 140' (feita por Rafael Carvalho, que ajudou a produzir o EP) é a faixa que mais se afasta do estilo do conjunto: batida eletrônica, efeitos sonoros típicos do ambient music, algumas colagens de áudio. Uma delas diz: "Não podemos ter medo de sonhar grande". É um interlúdio que se segue ao verso "é difícil dizer o que é sonho, é difícil dizer o que é real" de Permita-se - de tal maneira que essas duas músicas parecem conectadas. No encerramento de Cygnus... Vismund Cygnus, do Mars Volta, há uma seção assim, embora mais ruidosa e sombria.

Keka Rarecandy feat. Sasha Robot foi a primeira música de trabalho do EP. Possui um andamento mais lento que Perimetral, mas sua estrutura com várias seções é parecida. É talvez a música em que o vocal ganhe mais destaque; os riffs não são tão presentes e tão variados, há mais acordes com batidas mais simples. A voz no entanto explora bastante a dinâmica, com quedas de tom num verso a que segue uma linha em tom bem mais alto, ou que mudam todo ambiente da canção, como por volta do fim do primeiro minuto (lá em Perimetral, num momento, Gilberto varia também rápido, mas para um tom agudo). Keka Rarecandy é também a em que a repetição do refrão é marcante, o que explica possivelmente porque se tornou a música do clipe, a de divulgação inicial.

Em todas uma atmosfera particular, repleta de melodia. Baixe e ouça.

Duanne Ribeiro
São Paulo, 27/11/2012

 

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