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Segunda-feira, 1/4/2013
Consumidor, você tem toda a razão!
Daniel Bushatsky

Já tive oportunidade de contar aqui no Digestivo Cultural uma maré de azar que ocorreu comigo ("O Código de Defesa do Consumidor e Maradona"). Desta vez vou desabafar pelos outros e continuar o grito de que ainda falta muito para no Brasil se respeitar o consumidor.

O primeiro episódio foi em uma tradicional pizzaria, na Avenida Treze de Maio. Um casal de amigos pediu para substituir a mussarela por catupiry na cobertura da calabresa. A mudança custou quase a metade de uma pizza pequena. Questionando o garçom, este fez uma cara paradoxal de que não era com ele, mas entendia perfeitamente o problema. Chamou o gerente, que, com ares de superior, deu um sermão no jovem casal afirmando que estava claro no cardápio que a mudança da cobertura era cobrada à parte. O casal, por sua vez, simplesmente retrucou que não estavam se negando a pagar e sim questionando se aquilo estava correto (talvez a palavra fosse "justo"), porque na maioria das pizzarias (renomadas) de São Paulo a simples troca de cobertura (não estávamos falando de caviar) não custava metade da pizza. Ainda assim, o casal saiu com fama de "malandros" que não queriam pagar a cobertura da pizza e "clientela dispensável", quando o gerente sugeriu que não precisava deixar mais explícito aos clientes o valor que se cobra nessas situações, pois "quem sempre vai ao restaurante" não se importa de pagar o preço que for.

Saindo da área gastronômica e indo para a financeira, um amigo meu teve suas ações de companhias abertas, em custódia em famoso banco espanhol, perdidas. Sim, isto mesmo: o banco não conseguia localizar as ações e, portanto, não realizava a ordem de venda. Ajuizada ação judicial, o banco foi condenado a pagar o prejuízo da desvalorização das ações, mas o valor de dano moral, que deveria cobrir o desrespeito pelo serviço mal prestado, bem como o stress de oito meses sem saber onde estavam os títulos (e o dinheiro). Foram indenizados em R$1000. Certamente não foi uma indenização que fez o banco (ou seus concorrentes) pensarem em investir em infraestrutura e melhorar o atendimento aos seus clientes. Ainda vale mais a pena contratar bons atores globais para garantir novos consumidores.

As últimas passagens têm a ver como a "Broadway brasileira".

No teatro Bradesco, do Shopping Bourbon, na tentativa de comprar ingressos com "meia-entrada", outro casal de amigos se dirigiu a bilheteria, após pegarem um cinema patrocinado pelo banco concorrente. Não tendo os comprovantes de estudante, solicitaram o famoso "carimbo", para apresentarem na hora do espetáculo. A resposta direta, sem nenhum jogo de cintura, foi: "Não é possível. Se você quiser, compre depois pela internet". Aqui dois são os problemas. O primeiro é que ninguém se negou a mostrar a carteirinha, só foi solicitado, como é prática comum, que a apresentação fosse à entrada do teatro. Parece que o teatro não gosta e não confia em estudantes. Segundo, que a compra pela internet é mais custosa, pois tem taxas que, não raro e dependendo da quantidade de ingressos comprados, os deixam consideravelmente mais caros.

Esta história só não foi pior do que a do casal que comprou o Rei Leão pela internet. Quando os ingressos foram entregues, a data da apresentação não era a escolhida. Após inúmeras ligações e horas com telemarketing, a empresa confessou que para alterar a data (eles não podiam na data escolhida pelo teatro), eles teriam que mandar por correio os ingressos recebidos, com documentação pessoal e aguardar a comunicação de uma possível nova data. Engraçado, para mudar a data, os consumidores não foram sequer consultados. Para resolver o problema que o teatro criou terão que perder tempo e dinheiro!

O que fazer à frente de todos estes problemas? No artigo a que remeti os leitores sugeri que houvesse leis mais coercitivas, sancionando o fornecedor que não entregasse o produto bem feito e, enquanto isto não ocorresse, vaiássemos todos os comerciantes que não nos respeitassem, como os torcedores fazem com seus times de coração.

Passado um tempo, minha previsão continua infelizmente correta. As operadoras de celular, os bancos e o comércio, em geral, não respeitam o consumidor. Histórias são o que não falta! Mesmo a concorrência, tão saudável para o mercado, não resolve o problema que, sinto, é cultural.

O povo brasileiro não sabe se impor como consumidor e os fornecedores não fazem nada porque não são punidos. É um ciclo vicioso!

Se no caso das ações perdidas do meu amigo a indenização por dano moral fosse de R$100.000 aposto que o banco se coçava; se fosse de um milhão de reais, algum diretor passaria a noite em claro pensando em mudanças rápidas e eficientes, se é que não perderia o emprego!

Penso que para chegarmos ao estágio cultural no qual pela simples demora (não absurda) do atendimento, na Chessecake Factory, rede de lanchonete nos Estados Unidos, o gerente distribuiu sobremesas de graça para se desculpar, precisamos, infelizmente, de grandes indenizações.

É a cultura do medo das decisões do judiciário que fará as empresas mudarem e, de quebra, conscientizar os consumidores.

Até lá vai ser muito difícil ouvir um grito forte e consistente: Consumidor, você tem toda a razão!

Daniel Bushatsky
São Paulo, 1/4/2013

 

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