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Quarta-feira, 10/7/2013
Convocação para uma outra luta
Marilia Mota Silva

Estar perdido é bom. Significa que há caminhos. O grave é quando deixa de haver caminhos. (Mia Couto, em A Confissão da Leoa)

Caminhando nas matas, nos arredores de Washington, às vezes acontece de uma pessoa se perder, ainda mais nos meses frios: camadas de folhas secas, no outono, ou de neve, no inverno, cobrem o caminho e o espaço entre as árvores como um tapete único, branco ou colorido, igualando tudo. A pessoa segue confiante, inebriada do ar fresco e perfumado, da bela paisagem que a acolhe quando, de repente, se dá conta que as marcas pintadas, de longe em longe, nos troncos das árvores, marcando a trilha, também sumiram.

Procura dez, vinte metros em todas as direções, e nada. Tudo é placidez e silêncio sob a luz difusa de um céu subitamente cinza. Se for em frente, quem sabe, pode haver uma saída. Ou um precipício, ou um urso de má índole, ou um rio intransponível. Volta sobre os próprios passos, alerta a qualquer ruído, ao declínio do sol, ao desempenho dos próprios músculos, rezando para que não escureça até descobrir o ponto em que perdeu o rumo. (Encontramos! Foi só um susto.)

A exposição "Gênesis" de Sebastião Salgado, no Museu do Meio Ambiente, Rio de Janeiro, nos leva a esse susto e à mesma pergunta: Onde foi que nos perdemos? Em que momento caímos no desvio que nos trouxe a pássaros cobertos de óleo, rios mortos, fomes africanas, à riqueza estéril, à ganância extrema, sem sentido e sem vergonha?

As 245 fotografias que compõem a mostra não exibem essas misérias, no entanto. Ao contrário, elas revelam a beleza de "vastas e remotas regiões onde a natureza reina em silenciosa e imaculada majestade".

Paisagens grandiosas não afetadas ainda pela saga da dominação humana. Aldeias de pinguins, famílias de elefantes, leões marinhos, baleias: é intrigante que, entre tantos planetas estéreis só o nosso seja fecundo, só o nosso abrigue tantas formas de vida.

"Não podemos continuar poluindo nosso solo, nossa água e ar. Precisamos agir de imediato para preservar terras e águas ainda intocadas e para proteger o ambiente-santuário de animais e povos ancestrais", diz o texto de apresentação da mostra de Sebastião Salgado.

Não podemos continuar nesse caminho. Nem podemos voltar: nos perdemos faz muito tempo. Talvez quando da invenção do automóvel. Em função desse transporte individual, a terra se cobriu de tiras de asfalto, e o petróleo com seus subprodutos, petrodólares e guerras, definiu nossa era. Ou foi a produção em massa? Não importa. Procurar essas respostas agora seria um exercício fútil. Os distritos industriais se escondem nas periferias das cidades como um segredo sujo, as chaminés poluem, armazéns, galpões, prédios cinza enfeiam a vista, mas que conforto, que boa vida nos proporcionam! Não tem volta. E não há como parar também. Antigamente nossas ações se limitavam a um tempo e espaço, tínhamos algum controle sobre elas. Hoje não temos controle sobre nada, (nem sequer sobre nossa privacidade, mas isso é outra história) as repercussões do que fazemos nos escapam, a globalização tem rota própria.

Se não há volta, se não há como parar, o que fazer daqui para frente?

As fotos em preto e branco, profundas e luminosas, envolvem o visitante como um abraço. A pessoa espia, em silêncio reverente, paisagens grandiosas que existem longe de nosso olhar, livres de nosso domínio. Preservemos isso, é o apelo de Sebastião Salgado.

Qual a trilha a seguir, qual nos levará aos sítios que buscamos e não a um precipício, a um ponto sem retorno? Desenvolvimentismo a qualquer custo, nos moldes do século passado, ou um caminho novo a descobrir, a construir à medida que caminhamos, com as incertezas do novo? Mais um desafio de nosso tempo.

Marilia Mota Silva
Rio de Janeiro, 10/7/2013

 

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