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Terça-feira, 25/1/2022
Olavo de Carvalho (1947-2022)
Julio Daio Borges

Conheci Olavo de Carvalho décadas antes de ele ser ideológo do governo Bolsonaro. E, mesmo passado todo esse tempo, não consigo chegar a uma conclusão a seu respeito.

Quando o descobri, em meados dos anos 90, achava válida a sua crítica à imprensa, que ele considerava majoritariamente de esquerda.

Não só por “achismo”, mas porque Olavo havia feito parte dela, como jornalista - e, tendo sido militante comunista na juventude, conhecia todos os truques.

Sua explicação para a chegada da esquerda ao poder no Brasil, nos anos 2000, fazia sentido - pela via da cultura, da comunicação e dos costumes, “fazendo a cabeça” de gerações.

O problema, a meu ver, é que Olavo atuava da mesma forma, só que no espectro ideológico oposto, como sintetizou Paulo Polzonoff Jr. em 2003:

“Aliciou jovens até então sem destino para a sua causa e, por isso, foi chamado de guru da nova direita.”

Ou como escrevi, em 2004:

“Não era santo - e sob o pretexto de querer desanuviar algumas mentes confusas, estava doutrinando outras tantas.”

Quando percebi esse procedimento, rompi - e os “olavettes” nunca me perdoaram...

O que mais irritou, em 2004, foi a minha conclusão:

“Convém lembrar que[...] uma ‘neodireita’ pode ser tão nefanda quanto a ‘neo-esquerda’ atual...”

(Pausa para você me dizer se foi ou não...)

Por outro lado (e sempre tem um outro lado), é inegável que Olavo de Carvalho conhecia filosofia, falava da “vida intelectual” como poucos no Brasil - e foi um intelectual público com grande influência política (embora, em termos de governo, a gente só tenha a lamentar o resultado...).

Como já disse Pondé, reconheço também que Olavo trouxe uma nova bibliografia, para o nosso “debate de ideias” - mas sempre achei igualmente lamentável que se dissipasse em palavrões pelas redes sociais...

Me surpreendeu a qualidade do documentário “O Jardim das Aflições” (2017), que - de tão perseguido, proibido, criticado (hoje na Amazon) - eu imaginava que fosse uma bela porcaria...

Mas daí a dizer que Olavo de Carvalho foi filósofo... Existe uma distância considerável.

Toda a “novidade” que Olavo representou, na imprensa, está em “O Imbecil Coletivo” (1996).

Sua compilação de Carpeaux pela Topbooks (1999) foi importante, mas eu precisaria reler seu “esboço biográfico” para saber se concordo...

E juro que tentei ler sua “filosofia”, mas nunca me convenceu. “O Jardim das Aflições”, o livro, começa com mais uma de suas diatribes contra um intelectual brasileiro...

Olavo era pródigo em dar apelidos jocosos: “Piza Nabolla strikes again”, sobre o Daniel Piza; “Falsíssimo Verissimo”, sobre o Luis Fernando Verissimo; “Ralé de Toga”, sobre a Filosofia da USP...

E, falando, tinha um poder de convencimento espantoso (o YouTube está aí para provar) - mas rompeu com praticamente todos os seus discípulos (e sua vida familiar, bem, é impublicável)...

Por essas e por outras, é muito difícil fazer um “balanço” de Olavo de Carvalho. Para começar, de qual “Olavo” estamos falando? (É possível isolar um “Olavo” dos demais?)

Eu mesmo não me considero “neutro” - porque troquei correspondência com ele no final dos anos 90 (Olavo elogiava os textos do J.D. Borges)...

E me impressiona que ele tenha dominado a internet, elegendo um candidato assumidamente “de direita” - e que tenha se tornado best-seller, num país de “não leitores”...

São feitos consideráveis, para quem tinha, contra si, o establishment (seja ele intelectual, editorial, global etc.)

Mas nem por isso estou de acordo com a mensagem... E todo intelectual que ascende ao poder... vende um pouco de sua alma (de Platão a FHC, a lista é extensa)...

Como leitor, só espero que o Wagner Carelli conclua a biografia de Olavo de Carvalho. Concordando ou não com seu ideário, sua vida movimentada produzirá entretenimento da melhor qualidade ;-)

Julio Daio Borges
São Paulo, 25/1/2022

 

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