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Quarta-feira, 25/2/2004
Digestivo nº 163

Julio Daio Borges

>>> HÁ QUEM RESISTA? Leandro Carvalho não existe. É um alienígena. Depois de conversar com ele horas, a única pergunta possível é: – “De que planeta você veio?”. Enquanto seus colegas de geração estavam se perdendo numa rotina de puro hedonismo (muita diversão e pouca obrigação), Leandro estava se imiscuindo com Baden Powell e Turibio Santos, fazendo a rota do Descobrimento (dos índios do Xingu até o Pernambuco de Ariano Suassuna), lendo os formadores do Brasil, como Sérgio Buarque de Hollanda, e gravando discos. Nenhuma novidade no fato de ser responsável pelo processo todo: desde a elaboração do projeto (com patrocinadores e leis de incentivo) até a feitura dos arranjos (com cordas e outros instrumentos), até a convocação dos músicos (ensaios incluídos), até a pós-produção e a venda dos “compact discs”. Sem falar na divulgação e na agenda de shows, que, nem precisa dizer, ele mesmo monta e coordena. Leandro Carvalho não tem nem 30 anos e já se dividiu em mais de 1000 para gravar 4 álbuns, que, para dizer o mínimo, são obras de gênio. Sua última realização atende pelo nome de “Cromo” e ele homenageia o violonista cego Levino Albano Conceição (vale lembrar que já passou por João Pernambuco e João Pacífico, em CDs anteriores, e que vislumbra um encontro com Heitor Villa-Lobos). Além de regravar peças perdidas e esquecidas do compositor mato-grossense, Leandro compôs uma suíte (em parceria com Sérgio Barboza de Souza, que assina um dos quatro movimentos), dividindo as honras com o Quinteto da Paraíba. Ele foge da sina de menino prodígio (porque sabe que ela dura pouco e que não tem nenhum valor em si) e ambiciona simplesmente vender algumas dezenas de milhares de discos – apenas para poder viabilizar idéias assim. Como aconteceu a tantos outros, o Brasil ainda não merece Leandro Carvalho; mas, quem sabe, um dia, merece-lo-á.
>>> Cromo - Leandro Carvalho
 
>>> O QUE O FOGO JÁ LEU DE CARTAS A poesia, conforme a frase de Robert Frost, se perdeu na tradução. E a expressão, de tão batida, acabou virando título de filme. Enquanto isso, segundo Ricardo Silvestrin (do jornal “Zero Hora”), o Brasil inteiro está “carpinejando”. Estamos falando da antologia “Caixa de Sapatos”, do poeta gaúcho Fabrício Carpi Nejar, de 31 anos. Provavelmente o nome mais ovacionado, em matéria de poesia, de sua geração. São quatro livros (1998, 2000, 2001 e 2002) reunidos em um (2003), pela Companhia das Letras. Como poesia de verdade, há muito tempo, deixou de existir, falta-nos critérios para julgar o “carpinejarismo” (se é apenas uma unanimidade irresistível ou se é mesmo um fato incontestável). Como estamos mais próximos à tradição da prosa, podemos afirmar, desde já: – Carpinejar é um grande frasista; ou, se preferirem: – Carpinejar é um grande versificador (mais da “filigrana” do que da estrofe). Exemplos (que valem o livro): “Só na velhice a mesa fica repleta de ausências”; “Tornei-me o diário de uma viagem cancelada”; “A literatura não prestou para me entender”. Ou então, explorando contradições e invertendo o sentido do “óbvio” (Oscar Wilde era mestre nisso, e Umberto Eco tentou desmascará-lo): “O medo é de dormir na luz”; “Aprendeu a se deslocar parado”; “Ainda que não me lembre, legarei memória”. Claro: são pontos luminosos, e ainda não saiu nenhum “Poema de Sete Faces” (eu sei que não é correto comparar). Muito menos uma “Educação pela pedra” (também sei que é covardia). Mas, obviamente, entende-se o entusiasmo em torno de Fabrício Carpinejar. Finalmente alguém trata a poesia como se ela não fosse um “slogan” publicitário (Leminski); como se ela não fosse uma fórmula matemática ou um jogo de armar (Irmãos Campos); e como se ela não fosse banal o suficiente para se converter em refrão de música popular (nem precisa citar). Carpinejar torce algumas das nossas noções, e isso, por enquanto, basta.
>>> Caixa de Sapatos - Fabrício Carpinejar - 80 págs. - Companhia das Letras
 
>>> TOALHA DE NEVE FRESCA Philippe Sollers (dentro da coleção da José Olympio que publicou o “Van Gogh” [2003] de Artaud e o “Rembrandt” [2002] de Genet, com tradução de Ferreira Gullar) chamou Cézanne de maldito comparando-o a Rimbaud e a Lautréamont. Em meio a adjetivos e a uma pontuação pouco usual, Sollers tenta dar conta da pintura do mestre de Picasso e Matisse, mas soa mais interessante quando adota o tom biográfico. Cézanne rompeu com Zola e com seu círculo (Maupassant, Flaubert), que nunca entendeu seu desejo de abandonar tudo e de exilar-se no campo (um lugar comum da pintura na transição dos séculos [XIX e XX]?). Assumiu que o tempo das grandes obras-de-arte havia passado e que restava, para o artista, realizar apenas pequenas “partes”. Zola entendia que Cézanne poderia ter alcançado muito mais se houvesse enfrentado a sociedade e se houvesse assumido a sua posição dentro dela. Omitir-se, para um, era sinal de covardia e fraqueza; para outro, uma tentativa de manter a própria integridade. Sollers usa Heidegger (o maior filósofo do século passado, segundo ele) e os seus “ser-sendo” para fazer de Cézanne mais que um impressionista deslocado. Picasso guardava quadros seus com respeito e veneração, e o livro sugere que o autor das “Demoiselles” acaba no das “Baigneuses” (e não o contrário, como se pensa). Já Matisse fazia silêncio quando encarava uma tela sua; em termos de comentário, para Sollers, não poderia haver nada mais reverente – vindo da boca de um sujeito que, livrando-se da pecha de retratista, uma vez disparou: – “Eu não pinto mulheres; eu pinto quadros”. O problema do ensaio (“O paraíso de Cézanne”), contudo, é o mesmo de seus predecessores: por ser muito “livre”, com pretensões “literárias”, é pouco informativo (ou “original”, se quiserem) e bastante confuso na forma (o autor escreve a esmo, sem reler, como se estivesse “psicografando”). Felizmente, o tempo consumido é curto (algumas horas) e as ilustrações (Cézanne “no duro”) compensam as bravatas.
>>> O paraíso de Cézanne - Philippe Sollers - 96 págs. - José Olympio
 
>>> O CONSELHEIRO TAMBÉM APARECE NA TELEVISÃO

Assista à aparição do Digestivo Cultural no programa Manhattan Connection, clicando aqui (versão editada de 39 segundos) ou aqui (versão integral de 1 minuto e 18 segundos). [Uma cortesia de Eduardo Carvalho, que fez o link, e de Juliano Maesano, que fez o filme.]

>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO*** RECOMENDA
(CN - Conjunto Nacional; VL - Shopping Villa-Lobos)


>>> Palestras
* Qual a importância da arte para a saúde e a vida? - Dra. Nise Yamaguchi e Inês Novoa Jezler
(Sáb., 28/2, 16hrs., VL)

>>> Shows
* Joe “King” Oliver - Traditional Jazz Band
(6ª f., 27/2, 20hrs., VL)

** Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos: Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional: Av. Paulista, nº 2073

*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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