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Sexta-feira, 8/9/2006
Digestivo nº 295

Julio Daio Borges

>>> ONLY TIME WILL TELL O mundo dá voltas. Na internet, um pouco mais rápido do que fora dela. Quem diria que a Netscape, mártir da resistência contra a Microsoft, na Guerra dos Browsers (1996-2000), se aliaria ao mainstream e combateria, ao lado da AOL (e da Time Warner), a inovação? Aconteceu agora, no meio do ano, quando o Netscape.com deixou de ser um portal (coisa que foi, relativamente bem, desde que deixou de ser uma marca de browser) para se converter no que Michael Arrington, o blogger da Web 2.0, chamou de “Digg-killer”... O Digg tem sido, para quem não sabe, a mais bem-sucedida iniciativa de “user-generated content” (conteúdo gerado pelo usuário) desde 2005, ao ultrapassar o Slashdot, e, diz Mike ainda em seu podcast, ao ultrapassar – em 2006 – o New York Times (!). Jason Calacanis, fundador da Weblogs Inc., relativamente recente aquisição da AOL, está capitaneando a cruzada da “nova” Netscape “contra” o Digg. Na Netscape, as indicações de leituras dos internautas são votadas pelos próprios e, se forem bem no ranking, atingem a homepage – como no Digg –, mas, de maneira inédita, podem sofrer a interferência de jornalistas, chamados de “âncoras”. Em resumo, o Digg, como portal, havia matado o editor; a Netscape, sob o guarda-chuva da AOL e a direção de Calacanis, absorve o conceito do Digg mas reintroduz a mediação do profissional de mídia. Desde meados deste ano, a discussão está fervendo na internet: o jornalista deve morrer como intermediário da notícia ou não? Os internautas têm condição (e maturidade) para serem totalmente autônomos? Quem vence a atual guerra: o Digg, em sua versão 3.0, tentando deixar de ser um recanto só de geeks; ou a Netscape, “Digg-killer”, misturando jornalismo e a “escolha da audiência”?
>>> Netscape.com | Digg
 
>>> FORMIGANDO A LÍNGUA Depois de séculos nas mãos dos franceses, a gastronomia foi tomada de assalto por um chef espanhol, Ferran Adrià. A gastronomia francesa continua com seu passado glorioso, de mãe fundadora, mas divide a liderança, no presente, com a anglo-saxã, e só tem uma certeza sobre seu futuro: de novo, Ferran Adrià. Para o Brasil é bom, porque Adrià já declarou, por sua vez, que o futuro da gastronomia passa por... Alex Atala, o chef brasileiro do D.O.M.! Adrià é, ainda, o chef que recebe mais de 10 mil currículos por ano, trabalha (ou abre seu restaurante, elBulli) só durante seis meses (dos doze), passa o resto do tempo inventando, recepcionando candidatos a discípulos e pesquisando... Essas e outras histórias – que você não encontra em qualquer livro sobre gastronomia contemporânea – estão na obra de Marcia Algranti, Conversas na Cozinha, pela Senac Nacional. Ao contrário dos nossos colunistas de gastronomia que não cansam de, anualmente, incensar os mesmos nomes do velho circuito brasuca, Marcia tenta discutir o assunto num patamar global, com algum isenção – e, no aspecto do rigor e da disposição, lembra o exemplar Mort Rosenblum (que chegou até nós em traduções). Quem imaginava um volume de entrevistas, por causa do título, ou mesmo um blablablá tipo Ofélia (que, tudo bem, já teve o seu momento), vai se surpreender com as informações atualizadas de Marcia Algranti – e até mesmo com seus capítulos de receitas que fogem, claro, do trivial (e do “trivial variado”). Em meia dúzia de capítulos introdutórios, ela procura dar um panorama histórico, depois parte para os ingredientes e, por fim, explora os grandes grupos: entradas frias, entradas quentes, pratos principais, pães, patês e sobremesas. Em 2006, e em português, é o livro sobre gastronomia com as melhores intenções.
>>> Conversas na Cozinha
 
>>> ENTRE UMAS E OUTRAS Ao contrário da vasta maioria dos restaurantes que se propõem a realizar atividades culturais além da gastronomia (mas que, muitas vezes, não têm nem o espaço para tanto), o Chakras nasceu com essa saudável ambição e vem implementando – na prática – projetos nessa direção. Sua galeria, a IQ, é uma das mais movimentadas da cidade, com vernissages quase mensais (e quase todas, logo de início, “sold out”); seu lounge, o La Suite, não é apenas uma sala de espera ou uma recepção, é um espaço à parte, com conceito e programação próprios (independentemente do restaurante, e da galeria). E, agora em setembro, o Chakras implementa uma nova temporada de um de seus projetos mais afetivamente acalentados: o Jantar Cinematográfico ao Ar Livre. Com curadoria, em matéria de sétima arte, do crítico Sérgio Dávila, da Folha, o Chakras promove, todos os domingos, sempre às 21 horas, uma sessão da mostra Novo Cinema Americano, até o final de outubro. Cada fita indicada por Dávila – que acredita num boom atual semelhante ao que revelou grandes diretores dos anos 70 (como Coppola e Scorsese) – ganha acompanhamento, gastronômico, de uma criação especial do chef Nilson de Castro. Assim, Os Excêntricos Tenenbaums puderam ser assistidos, no último dia 3, à base de hambúrguer de atum (como prato principal) e muffins de maçã (como sobremesa). Sideways, no próximo dia 17, será acompanhado, por exemplo, por bombom de morango e rosbife de vitelo ao molho de Coca-Cola. Quero Ser John Malkovich, no dia 24, merecerá a clássica american pie e hambúrguer de javali. E por aí vai...: com Encontros e Desencontros (no dia 1º de outubro); Em Busca da Terra do Nunca (no dia 15 do próximo mês); entre outros, sempre na praça do Chakras – onde a inspiração de Nilson de Castro não encontra limites e onde Sérgio Dávila realiza, enfim, seu sonho de curadoria. O Chakras vai mostrando, inteligentemente, que existe alternativa aos centros culturais de marca em São Paulo.
>>> Chakras
 
>>> O POETA DO SOM Sivuca é, para muita gente, aquele albino sanfoneiro que se confunde com Hermeto Pascoal. Mas é, além disso, um virtuose paraibano que resolveu, neste ano, prestar uma grande homenagem a seu estado: Terra Esperança. O CD, lançado agora pela Kuarup, é o resultado de um trabalho de pesquisa, de Sivuca e de Glória Gadelha (a produtora), que reúne um repertório 100% ligado à Paraíba. Tem, logo na abertura, “Amoroso Coração”, com o Quinteto da Paraíba – um canto lírico de sanfona, quase “a capella”, anunciando a densidade e a vitalidade do álbum todo. Em seguida, na segunda faixa, “Um sol em mim”, alterna um quase-tango, um quase-jazz. “Barra vai quebrando”, com o Brazilian Trombone Ensemble, é a alegria do frevo, do xote, do baião – mas sem deixar de ser sério(!). “De bom grado” – se é possível aqui toda essa mistura – insinua um forró, marca uma valsa e tem bateria de bossa nova. “A doce canção de Nélida” é o momento melódico mais inspirado da dupla, Sivuca e Gadelha (que também compõe) – e nisso não chegamos nem na metade do CD... O encarte – ou melhor, Mario de Aratanha – nos conta que o virtuosismo, sabido e notório, quase atrapalhou Sivuca, que foi escrever partitura, arranjar e ser executado pela Orquestra de Rádio da Dinamarca, por exemplo, só de 20 anos pra cá. É certo que alguns instrumentistas, no Brasil, fariam melhor negócio não compondo (sem falar em alguns intérpretes...), mas está longe de ser o caso de Sivuca. A alternância de ritmos – quase uma obrigação em outros CDs – não incomoda. Já o flerte com o erudito não soa falso nem artificial: promove respiros e infunde, no ouvinte, um estado de meditação. “Sempre uma presença”, outro exemplo assim, quase no meio do disco (“a primeira do lado B”, se fosse um LP) lembra muito o Quinteto Villa-Lobos: é suave, saltitante e não agride (graças, também, ao Quinteto Latinoamericano de Sopros...). O disco segue nesse passo e outro grande momento, “Comigo Só”, um blues da mesma afinada dupla, é a antepenúltima faixa. Já quiseram, e tentaram, matar, na filosofia, a metafísica; felizmente, na música, ela persiste.
>>> Terra Esperança
 
>>> SYMPHONY OF COFFEE O Ateliê do Café – na sua incansável disposição de divulgar o melhor café brasileiro (tipo exportação) para os brasileiros – trouxe no último mês, a São Paulo, Klaus Thomsen, o barista vencedor do concurso internacional promovido pela Specialty Coffee Association (em 2006, em Berna, na Suíça). Thomsen, um dinamarquês que está nesse business de barista há 5 anos, e que vem se preparando para ser campeão há outros tantos, veio, ironicamente, mostrar aos brasileiros o que estão fazendo de melhor com seu café, no mundo... O Ateliê do Café e a Fazenda Daterra permitiram a Thomsen repetir a performance vencedora, na preparação de um expresso, de um cappuccino e de um drink especial, no Charlô Bistrô, mas sem a pressão do cronômetro e com todos os comentários do Número Um do Mundo. A Klaus Thomsen se juntou sua namorada, Sigga Dóra Halldórsdóttir, que, por coincidência, é juíza na mesma competição – e que pôde dar outros esclarecimentos de valor. Além do virtuosismo, Thomsen foi todo simpatia, demonstrando, didaticamente, como se decora, por exemplo, um cappuccino (com uma roseta ou com um romântico coração) – e proibindo, terminantemente, o pó de canela (para polvilhar no final – coisa que 99% dos vendedores de cappuccino da metrópole ainda não sabem...). O Ateliê do Café e a Fazenda Daterra conferiram esse privilégio, igualmente, a baristas selecionados da cidade de São Paulo, que participaram de um verdadeiro workshop, a portas fechadas, com Klaus Thomsen. O Ateliê e a Fazenda Daterra, ambos do Grupo DPaschoal, têm a mesma confiança que o mundo tem no nosso café. E mesmo o brasileiro que custa a acreditar quando é campeão do mundo, vai despertando, finalmente, para a posição que nunca perdeu de fato: a de detentor dos melhores grãos do planeta.
>>> A Day in the Life of World Barista Champion Klaus Thomsen
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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