busca | avançada
46801 visitas/dia
2,4 milhões/mês
Sexta-feira, 9/3/2007
Digestivo nº 319

Julio Daio Borges

>>> A ARTE DE TER BONS SONHOS De Benjamin Franklin, pouco se sabe além do fato de que foi um dos Pais Fundadores, dos Estados Unidos da América, e que sua efígie estampa a famosa nota de 100 dólares. As duas óbvias constatações estão na bela apresentação que R. Jackson Wilson faz de Como escolher amantes e outros escritos, de Benjamin, agora pela editora da Unesp, dentro da Coleção Pequenos Frascos. O Franklin escritor – que é o que nos interessa aqui, mais do que o Franklin político –, embora tenha vivido no século XVIII, era dado a máximas, tinha uma forte queda pelas “cartas de aconselhamento” e usava maiúsculas para grafar conceitos abstratos, à maneira dos escritores edificantes do século XIX (como bem observou Edmund Wilson). Jackson Wilson – o da apresentação do presente volume – levanta duas sérias objeções ao Benjamin escritor: Keats, o poeta inglês, o considerava “cheio de máximas vis e mesquinhas” e Twain, o romancista e humorista norte-americano, acusava-o de haver “prostituído seus talentos para inventar máximas e aforismos concebidos para infligir sofrimento... sobre meninos que, de outra forma, poderiam ser felizes”. Waaal, não sobra muita vontade de ler Como escolher amantes e outros escritos. A constatação, porém, depois da leitura, é a inversa da apresentada acima: o Franklin amoroso (o das “amantes”) e o Franklin cientista (alguma coisa a ver com pipas, relâmpagos e energia elétrica) – para usar as divisões do próprio livro – até que são interessantes (mais pelo valor documental), mas é o Franklin moralista (por mais que o título pareça démodé e por mais que pesem sobre ele as acusações de Keats e Twain) que reina soberano nos domínios do Benjamin Franklin escritor. Afinal, quem resiste à sua sabedoria compacta? “Após três dias, os homens enfastiam-se de raparigas, hóspedes e tempo chuvoso”. Quem ousa discordar de sua argúcia? “Incensa um vilão e ele apunhalar-te-á; apunhala-o e ele te incensará”. Quem contesta sua inteligência em pílulas? “Gênio sem educação é como prata na mina”. E quem não se rende ao final? “Uma longa vida pode não ser boa o suficiente; mas uma boa vida é longa o suficiente”. Na dúvida, se trombar com Como escolher amantes e outros escritos, comece de trás pra frente. E Benjamin vai te convencer a levá-lo pra casa.
>>> Como escolher amantes e outros escritos
 
>>> ORA, ORA Se você não tinha nenhuma pista sobre de onde vinha a voz de Marcelo Camelo, sua impostação e o seu cantar, agora pode sanar essas e outras dúvidas. A resposta está na família mesmo, no CD de Bebeto Castilho, Amendoeira, do ano passado, pela Biscoito Fino, cuja música tema, aliás, é composição do mesmo vocalista do Los Hermanos. É um disco manso, como o Camelo – novamente – em 4 (2005), que, de início, não espanta, mas que, devagar, vai conquistando. Na contramão das superproduções da MPB – com “maestros” e arranjos engessadíssimos –, Bebeto Castilho vai conduzindo seu Amendoeira valorizando uma forma muitas vezes considerada fora de moda, a forma-canção. Canta baixo – de modo que se tem de abaixar o volume do acompanhamento –, mas produz um canto sincero, de quem ficou anos fora do circuito, aperfeiçoando sua mensagem, como um João Gilberto ainda mais arredio ao estúdio e ainda mais radical em relação à indústria. Como o mestre baiano, não importa tanto o quê Castilho está cantando mas que ele está cantando, ponto. “A Vizinha do Lado”, de Caymmi, por exemplo, é virada pelo avesso: em Amendoeira, é mais a admiração do vizinho tímido do que a provocação máscula, e atrevida, do compositor Dorival. “Beijo Distraído”, no contraponto perfeito de Nina Becker, dá o caráter da interpretação de Bebeto Castilho: “Um dia, a gente dá um beijo distraído/ E aí, olha nos olhos, comovido/ E vê que não há nada mais para falar”. “Amendoeira”, a própria, confunde-se com “Porta de Cinema”... – numa, canta Marcelo Camelo, o compositor da outra (adivinha, se conseguir, qual é qual). Mais “uma”, para encerrar a exemplificação: “Pode ser?”, de Geraldo Pereira e Marino Pinto, porque, fora Bebeto e Thalma de Freitas, ninguém mais dá “bonjour” ou tem “rêve d’amour”... Caetano Veloso confessa, no encarte, que morreu de inveja de Camelo em Amendoeira. Caetano, que quer estar em todas – e que, por isso, não tem nada a ver com esta –, talvez sofra, entretanto, o efeito benéfico dos eflúvios do CD. Como Camelo, quem sabe abandone as guitarras roqueiras de vez em quando.
>>> Amendoeira
 
>>> ÁGUAS DE MARÇO Alguém ainda vai decifrar o segredo das corridas de rua, que teve um boom em São Paulo, no início da década dos 2000, mas que continua, em fluxo constante, ano a ano. De repente, quase todo mundo corria, celebrizavam-se os “grupos de corrida”, surgiu até uma revista, não havia mais “esteiras” livres, na academia, e, na USP, no sábado, tinha-se de desviar de gente como Cicarelli e Fernanda Young. E, nos circuitos: gordos, magros (esses sempre na frente), homens, mulheres (essas, muitas vezes, à frente também), velhos (muitos completando a prova), cachorros, cegos, deficientes, atletas, famílias inteiras, grupos (claro) e uma infinidade de marinheiros de primeira viagem. Multidões – com alguns milhares de pessoas cada –, para quem a corrida nunca fora um objetivo, subitamente tomavam de assalto provas de 5, 8, 10, 12... quilômetros. A maratona e a meia-maratona, antes apenas lembradas na virada do ano, com a São Silvestre, se tornavam, portanto, um objetivo palpável para quem, muitas vezes, não tivera o atletismo como hobby desde a escola. Ainda hoje – e aí está o mérito de quem começou esse movimento, literalmente – as corridas de rua reúnem platéias dignas de shows de rock (com direito, naturalmente, a muita animação, música, suor e adrenalina homemade). Descendendo da tão alardeada “geração saúde”, a “geração corrida” se embriaga com água mineral, tem alucinações, com a reta de chegada, “se acaba”, a cada quilômetro, e, no término, “enche a cara” de bananas, sanduíches “light”, barras de cereal e – sem nenhum merchandising aqui – copos de Gatorade. Aconteceu de novo, neste domingo, dia 4 de março, com a abertura do Circuito Corpore 2007 – numa corrida, desta vez, patrocinada pela Hydra, em prol da economia de água, com apoio dos arquitetos (e decoradores) paulistanos, e das válvulas que prometem dar tratamento diferenciado (em matéria de volume d’água) a sólidos e líquidos... A estimativa era de 10 mil pessoas, escolhendo entre 5 e 12 quilômetros, na USP. O sol abrasou os primeiros passos – mais de quatro pontos de distribuição de água, mais de quatro grupos musicais... quase não foram suficientes – para a festa dos fotógrafos... Em vez de discussões técnicas sobre os meios de transporte – e a violência urbana –, a mídia poderia aprender um pouco com a serenidade, e os avanços, dos corredores.
>>> Corrida Hydra pela Economia de Água
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

busca | avançada
46801 visitas/dia
2,4 milhões/mês