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Sexta-feira, 27/4/2007
Digestivo nº 326

Julio Daio Borges

>>> DÉLIVRER Quem mexe com livros, com o tempo acaba se anestesiando na recepção e, cada vez mais raramente, se impressiona com a apresentação de um volume novo. Humberto Werneck, no entanto, editando diretamente seu Pequenos fantasmas, uma especialíssima coletânea de contos, consegue, justamente, a façanha de deslumbrar, tanto na forma quanto no conteúdo – com o perdão da rima – até o editor ou jornalista mais carrancudo. Humberto, como poucos escritores hoje, tinha uma relação tão visceral com seus primeiros contos de juventude (que, inéditos, o assombravam de quando em quando – daí o título fantasmagórico), que optou por publicá-los de forma artesanal, invertendo todas as expectativas que, em geral, cercam uma obra de estréia em ficção. Tudo bem, lá se vão quase quarenta anos, desde a produção da maioria dos textos, mas o controle de Humberto Werneck, na edição em papel, ainda assim é impressionante. Pequenos fantasmas não tem orelha, não tem também elogios habituais na quarta capa, apenas o nome do autor, o título e o nome da editora, na capa, e uma delicada ilustração, na contracapa. (Ah, as orelhas fisicamente existem, mas só para marcar as páginas durante a leitura.) A tiragem? Nada de três mil exemplares, mil ou quantos sejam os milhares: apenas quinhentos (500) exemplares numerados e rubricados pelo autor. A distribuição? Não está em livrarias, nem em sebos, nem na internet: o autor se deu ao luxo, como falou, de escolher, um a um, seus leitores. Marca o nome numa lista e envia para quem quer. Só. Como se não bastassem esses cuidados todos, o deslumbramento, com os contos, não é menor. Desde que Humberto parou com a ficção, o Brasil perdeu, em prosa poética, no mínimo outro Raduan Nassar. Felizmente sobraram ainda Pequenos fantasmas. E o livro, como objeto, reinventado.
>>> Pequenos fantasmas (trecho) - Humberto Werneck (perfil | chat)
 
>>> HOMEM VOA? Os cem anos do vôo do 14 Bis, em 2006, até que foram bem comemorados, por exemplo, com exposição de Guto Lacaz e com álbum de Spacca. A televisão também incluiu Santos Dumont, via Cássio Scapin, numa minissérie em 2004, mas apenas para ressaltar os aspectos sentimentais que serviam ao folhetim (e, não, ao inventor em si). 14 Bis, de André Ristum, o média-metragem que estreou no ano passado e que a Log On solta agora em DVD, é, portanto, uma bela homenagem, em matéria de sétima arte, ao Pai da Aviação, ao seu grande invento e ao primeiro vôo, plastica e triunfalmente reconstituído. O Santos Dumont de Daniel Oliveira – desde Cazuza roubando o lugar de “darling” do cinema nacional (que antes era de Matheus Nachtergaele) – perde em ambigüidade sexual (coisa que o Dumont de Scapin reforçou) e ganha, intelectualmente, em brilho e obstinação. Afinal, no meio do turbilhão em que alguns outros disputavam a primazia de voar com algo mais pesado do que o ar, Santos Dumont venceu tanto pelo gênio quanto pela pertinácia. Como em todo média-metragem que se preze, o resto é paisagem. Desde desfrutáveis como Rosanne Mulholland até o playboy sem sal Rico Mansur, que fazem pontas na vitória de “San-tôs”. O 14 Bis, propriamente dito, se não foi remontado, e reconstruído milimetricamente (ao ponto até de voar!), foi quase. E Lacaz tem razão em insistir, há tempos, no Santos Dumont designer: no filme, o mesmo 14 Bis é uma peça de beleza e delicadeza (além do mais). Para completar, fica um resto de emoção, junto com a brevidade desse 14 Bis em película: infelizmente, aquele momento não vai se repetir para nós, mas, agora, assistindo, podemos comemorar à nossa maneira – nem que seja a mais de um século de distância...
>>> 14 Bis
 
>>> CHORÕES E SERESTEIROS Talvez por influência dos guitarristas de rock, e do decadente star system, até no Brasil às vezes temos a impressão de estar assistindo a mais uma geração de ases do violão, fritando as cordas do instrumento como se só a velocidade, em música, importasse. Buscando as raízes do virtuosismo aqui mesmo em nosso País, talvez tenhamos ficado presos a mestres como Baden Powell, que era estridente no dedilhado e fez muito barulho (quando a MPB ainda era “popular”), e, claro, Raphael Rabello, cuja discografia extensa e cuja morte precoce, de certo modo, consagraram o modelo “10 anos a 1000” (em suposta oposição a “1000 anos a 10”). Villa-Lobos, nosso pai esquecido do violão, era efetivamente um monstro, mas não só na execução: formalmente, na composição; e, incansavelmente, na invenção. Villa, simplesmente, resolveu humilhar o maior virtuose de seu tempo, Andrés Segovia, escrevendo para ele, por exemplo, doze estudos que, de tanta ginástica, terminaram por irritar o executante. Alvaro Henrique, mais um maluco a querer escalar o Everest das seis cordas, está divulgando, atualmente, seu registro de toda a obra de Villa-Lobos para violão solo. Em poucas apresentações pelo Brasil, permanentemente no YouTube e – se você insistir – em DVD na sua casa, Alvaro, na saudável obstinação para com o mestre, relembra aos brasileiros – que se dispuserem a tanto – o quanto Heitor Villa-Lobos, nos 120 anos de seu nascimento, nos humilha indiscriminadamente com seu gênio. Obrigado, portanto, Alvaro, por desviar a atenção das firulas dos contorcionistas das cordas de agora. Villa-Lobos, igualmente, agradece. E que o seu empreendimento sonoro chegue aos ouvidos de quem, realmente, interessa.
>>> Projeto Primeiro Concerto
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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