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Quarta-feira, 29/8/2001
Digestivo nº 47

Julio Daio Borges

>>> LIVRE COMO UM TÁXI Em meio a altas e baixas do mundo virtual, alguns ases da palavra (e da imagem) mantêm o seu curso (inalterado) no mar da internet. Mobilizando uma audiência que lhes permite subir ao pódio dos websites mais visitados, provam que existe esperança para a Humanidade, e vida inteligente na Web. Embora esteja há pouco mais de um ano no ar, o Millôr Online é o exemplo maior (e o modelo mais copiado) de como explorar a fluidez da Rede, fazendo dela uma alternativa crítica ao establishment, sem fugir da realidade (palpável), sem sucumbir ao imediatismo (jornalístico) e à mesmice (do tempo presente). Também pudera. Como próprio Millôr já disse (quando da inauguração de seu "saite"), a internet foi inventada para ele. Artista renascentista (muito além do "humorismo"), manifestou seu gênio desde o inconfundível traço (indo da charge aos painéis, ao hai-kai) até a escrita em insuspeitadas modalidades (indo do frasismo, dos mais notáveis da língua, até a tradução de Shakespeare, até a dramaturgia). Paulo Francis ("bípede implume insuportavelmente sapiens") costumava dizer que se Millôr Fernandes tivesse nascido em idioma mais conhecido, teria para si a reputação de um Voltaire. E o Millôr Online sabe fazer uso de todas essas capacidades, desdobrando a obra do guru do Meyer em mais de 30 seções e 200 mil ítens. Estão lá: os Amigos (em Retratos 3x4), o Daily Míllor ("cada exemplar é um número, cada número é um exemplar"), o Sexo ("Podem fazer o sexo grupal que quiserem: filho vai ser sempre de duas pessoas."), a Economia ("O sistema bancário subsiste mesmo em países socialistas, por um motivo muito simples - é genial."), o Pasquim ("Apelando para as memórias de velhas amigas, cheguei à conclusão de que estou muito perto das 5.000"), The Cow ("Agora é que são elas: Now is that they are they"), os Uolpapers (Elefante diz para a elefanta: "Não adianta resistir, querida, esse sentimento é muito maior do que nós") e, logicamente, as Frases ("O homem é o único animal que ri. E é rindo que ele mostra o animal que é."). Não bastasse a singular condição que coloca Millôr Fernandes entre os grandes realizadores do século XX (e XXI), ele ainda estabelece diálogo com seus milhares de leitores, e cutuca o "País do Faturo", diariamente, com a mesma vitalidade (sem descansar sobre seu legado e sua reputação). É clicar e conferir.
>>> http://www.millor.com.br/
 
>>> AMÉLIA: MULHER DE VERDADE? Gore Vidal causou alvoroço na "America" ao exercitar sua verve de polemista profissional e, mais uma vez, defender o terrorista Timothy McVeigh (aquele da bomba de Oklahoma City, recentemente executado em cadeia mundial de rádio e tevê). Não à toa, Vidal escolheu (como palco) as páginas de uma das bíblias do Império Yankee: a Vanity Fair. Pinçar seu ensaio, portanto, e reproduzi-lo fora de seu contexto original (como o Estadão fez, por exemplo) tira do leitor a chance de imaginar o que é dividir espaço com Penélope Cruz, Martha Stewart e Woody Allen, os "sweethearts" da America. Gore Vidal é hoje um senhor em idade avançada e atacá-lo seria uma temeridade. De qualquer jeito, será que ele não percebe que (embora critique o Tio Sam com veemência há décadas) também desempenha o seu papel no imaginário dos Estados Unidos da América? O grande feito dos EUA, durante todo o século XX (e provavelmente século XXI), não foi vencer as guerras, muito menos tornar-se potência hegemônica, foi, isso sim, vender beleza, gosto e inteligência. Exatamente como a Vanity Fair. Os Estados Unidos foi muito menos uma imposição tirânica (como as esquerdas querem crer) do que uma alternativa sedutora: desde o Faroeste até o Jazz, desde Hollywood até o Pop, desde Walt Disney até Bill Gates. Gore Vidal deve estar brincando se quer mesmo fazer política em meio a anúncios de Calvin Klein, Prada, Saks, Donna Karan, DKNY, Tommy Hilfiger e Victoria's Secret. E os saudosos do Muro de Berlim devem continuar se iludindo se acham que o "inimigo" está encastelado na Casa Branca, quando, na verdade, os USA vão fazer a cabeça de crianças, jovens e adultos como sempre fizeram: vendendo civilização. Se Vidal e os socialistas querem derrotar Big Brother, deveriam, antes, verificar se existe alternativa a ele.
>>> http://www.vanityfair.com
 
>>> YOUNG, FOOLISH, AND EASY Apesar do elenco estrelado, Ralph Fiennes (O Paciente Inglês) e Liv Tyler (Beleza Roubada), Paixão Proibida (livre tradução para Onegin, romance homônimo de Puchkin) é um filme que corre riscos, como atestam as salas escondidas em que está sendo exibido. Tem uma das fotografias mais deslumbrantes da cinematografia atual (qualquer guia turístico falaria em "paisagem exuberante", se visse). Os dias são tremendamente brancos, refletindo uma existência opaca, desapaixonada, aborrecida, na perspectiva do protagonista. É possivelmente a maior interpretação de Fiennes até agora, que encarna o vazio e o enfado da alma de Onegin com muito rigor e a devida porção de "witty" (avant la lettre, pois está um século antes de Oscar Wilde). Liv Tyler é ainda a beldade de Bertolucci: fica bem entre olhares, silêncios e evasivas, não evoluiu significativamente, como atriz, desde 1996. Prova de fogo, para ambos, são as derradeiras cenas em que Onegin força um encontro com Tatyana, embora ela esteja (já) casada e as chances de recusa sejam altas. Qualquer revelação maior acabaria com todo o suspense e a emoção do longa, portanto, vale dizer apenas que seus talentos estão muito aquém do que os últimos minutos exigem. Mas tirando o epílogo, a história é contada de maneira não-óbvia e sugere que Martha Fiennes (irmã de Ralph) talvez seja a diretora mais indicada para montar uma nova adaptação de Anna Karenina (se é que alguém ainda lê Tolstoi). Outro aspecto notável de Paixão Proibida são os figurinos e a maquiagem, que surpreendem exatamente por não confundir século XVIII com século XIX (como é praxe). Toby Stephens faz um poeta provinciano (o adjetivo aqui é crucial), e lembra assombrosamente Schubert (ou, ao menos, os retratos que sobraram dele). Desafia Onegin para um duelo cujo desfecho é brutal, como há muito não se via em tela grande. A honra de quem arrisca a vida (admitindo a morte) não existe mais. Tampouco aquela da mulher, que assumindo compromissos matrimoniais, não se entrega (independentemente de quem seja o marido). Duas horas para se pensar, enfim.
>>> Onegin
 
>>> REBOP, BOP, MODERN JAZZ As grandes figuras, gênios e artistas, têm o seu auge e sua respectiva queda. Pouca gente, porém, calcula a importância de quem reabilita os mitos e as personalidades, atribuindo-lhes o valor devido e reinserindo sua obra no contexto de uma época. (Por exemplo: qual o tamanho da dívida que Nélson Rodrigues tem hoje com Ruy Castro, seu grande benfeitor, que ressuscitou o jornalista e dramaturgo para as novas gerações?) Pois bem. Ken Burns, o documentarista da série Jazz, está tratando de recolocar o gênero musical de Duke Ellington e Louis Amstrong no panteão da música do século XXI, e merece ser (novamente) reconhecido por esse feito. Quem se interessa pelo assunto (e não sabe por onde começar) deve obrigatoriamente adquirir os cuidadosos volumes da coleção "The Definitive". São 22 CDs (vendidos separadamente). Cada um apresenta uma seleção cronológica (de performances e execuções) de uma lenda viva do Jazz. Como qualquer coletânea, causa certa desconfiança à primeira vista, mas não tarda em revelar o trabalho precioso do pesquisador: especialistas ou estudiosos comentam cada faixa (no encarte); todos os instrumentistas e músicos (presentes nas gravações) são nominalmente citados; a discografia original é evocada de acordo com o período abordado (caso o ouvinte queira se aprofundar); as ilustrações, cores e fotos são escolhidas a dedo (instigando o comprador eventual a correr atrás dos discos que faltam). Dadas as transformações camaleônicas pelas quais passou o Jazz, é complicado sugerir esse ou aquele nome irrefletidamente. Ainda assim, os pais do Bebop, Dizzy Gillespie (trompete) e Charlie Parker (sax) talvez mereçam ser adquiridos de olhos fechados. Mesmo as sensibilidades menos aguçadas devem se encantar com pérolas como Salt Peanuts, Groovin' High, Now's The Time, Embraceable You e Star Eyes. Ou, no mínimo, se orgulhar de ouvir a versão do trompetista para Chega de Saudade. Sim, Tom Jobim está lá. Esperando talvez pelo Ken Burns que, no Brasil, ainda não deu o ar da graça.
>>> Amazon.com
 
>>> O CONSELHEIRO TAMBÉM COME (E BEBE) Os clubes estão caindo de moda, ou será que existe uma fase em que não se ouve mais falar deles? A idéia de dividir espaços, recursos e serviços é boa, mas ninguém quer dividir nada hoje em dia, qualquer contato mais próximo com desconhecidos (e, às vezes, até conhecidos) já pode ser considerado invasão de privacidade. E se as intenções forem perversas: assédio sexual. Perdeu-se o dom da convivência. De qualquer jeito, ainda se escuta, de quando em vez, uma ou outra menção aos restaurantes de associações e agremiações. O Play Tennis não é exatamente isso, é apenas um lugar onde se alugam quadras para jogar com raquete, bolinha e shortinho (branquinho). Piadas à parte, a pizza de lá é famosa, ao menos no Morumbi (onde são escassas as pizzarias, e "delivery" então nem se fala). Eles têm estacionamento com manobrista, mas é preciso atenção porque na Giovanni Gronchi os moradores apostam corrida (e se você não apostar também, eles passam por cima). A entrada é um pouco escura, dependendo do dia ou da chuva, penumbrosa (embora estes tempos de apagão confundam "charme" e "climas românticos" com mera necessidade de abaixar o consumo de energia). Não é preciso muita perspicácia para perceber que a melhor coisa do lugar é, antes da comida, a vista: todo aquele desbarrancado do Morumbi foi coberto por uma sucessão de quadras de tênis, uma em cada nível, morro abaixo, como se fosse uma escadaria. Não é nenhum alpe suíço, mas proporciona a ilusão (momentânea) de que não se está em São Paulo, ou de que a cidade ainda tem alguns ângulos não comprometidos. A pizza, em si, não é nada de extraordinário, mas (dado o bairro) extremamente palatável, e justifica uma segunda vinda para provar outros pratos (há também massas e sanduíches). O atendimento é aquele típico dos clubes (garçons morosos, movidos a gorjetinhas). O Play Tennis vale, portanto, pelo horizonte. E talvez por uma pontinha de nostalgia.
>>> Play Tennis
 
>>> DIGA O SEU NOME E A CIDADE DE ONDE ESTÁ FALANDO
Teixeira Coelho, de São Paulo: "Um pouco por falta de espaço, não explicarei em que consiste a desculturalização do ensino. Aquilo a que essa expressão se remete fica, no entanto, desde logo, inteligível no modo como a cultura é deixada explicitamente à margem dos 'reais' assuntos da universidade para tornar-se mero tema de extensão de suas atividades para fora dela, o que não deixa de ser um aspecto duplamente suculento para a discussão: a universidade se desculturaliza internamente e acredita ter o que estender de sua cultura para fora de si mesma."
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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