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Quarta-feira, 21/11/2001
Digestivo nº 57

Julio Daio Borges

>>> ARTE É INTRIGA Casa dos Artistas. Só se fala nisso. O nome não diz muita coisa. E nem o programa. O fato é que Silvio Santos está, mais uma vez, se afirmando como o único gênio da televisão brasileira. A idéia é simples: juntar “artistas” mais ou menos conhecidos, que apelem ao público a cada episódio, como numa novela. O dono do SBT percebeu como o povo acompanha, cada dia mais sôfrego, os seus ídolos: seja nos semanários de fofocas e “celebridades”; seja na “teledramaturgia” das seis, sete ou oito; seja nas atrações que vivem de perseguir e espremer “personalidades” atrás de intimidades ou segredos. A Globo, desde a sua conversão ao popularesco, com o advento de Marluce Dias, vem perdendo terreno. E a tendência é que perca cada vez mais. Quando abandonou o “padrão”, estabelecido por Boni, desceu ao patamar de ratinhos, gugus e hebes. É como se Roberto Marinho tivesse montando uma barraquinha e se prestasse a competir com o único camelô vocacional: Senor Abravanel. Dele, não tem como ganhar. Lamenta-se sempre, contudo. Não pela tevê, que é uma causa perdida, um aparelho que serve apenas para medir o Q.I. de quem assiste, eternamente abaixo da média. O que há de lamentável é que existam pessoas, milhões delas no Brasil, com uma vida tão culturalmente miserável que prefiram acompanhar os movimentos de “artistas” sem nenhuma importância a qualquer outra atividade mental ou intelectual. Esse é o verdadeiro retrato da educação no País. E não quantos vão à escola, quantos terminam o segundo grau, quantos saem da universidade. Basta observar: são milhares, dezenas de milhares, centenas de milhares de cidadãos “diplomados”, com terceiro grau “completo”, às vezes “pós-graduados”, se debruçando sobre as cretinices do cantor de rock, as criancices da modelo, as idiotices da apresentadora de TV. E ninguém mais se envergonha. Pelo contrário: ostenta a pecha de ter “visto”, “acompanhado”, “sentido” todo esse repertório de coisas descartáveis. É o que se chama de consumidor. (Serve para “consumir”, não serve?) E ai de quem não remexer nesse lixo que é a programação das emissoras de sinal aberto. Há uma fábula ilustrativa a esse respeito. Conta de um sujeito que, numa aldeia, era o único que enxergava, pois possuía olhos. Posteriormente, teve-os arrancados – justamente por todos os outros habitantes, que eram cegos. Eis o século XXI. A burrice nunca foi tão consagrada, e a inteligência, tão combatida.
>>> Casa dos Artistas
 
>>> TWO LOST SOULS LIVING IN A FISH BOWL Seria cômico se não fosse trágico: chegamos ao ponto em que o disco mais interessante da temporada é uma coletânea de velhos sucessos do Pink Floyd. Exatamente: aquela banda que teve figuras míticas como Syd Barrett, Roger Waters e, hoje, David Gilmour. Muita gente discute se o que está aí, fazendo shows pelo mundo, lucrando com efeitos pirotécnicos e composições de mais de vinte anos, ainda é o Pink Floyd. Se a resposta for dada, acabaram-se os fãs-clubes. Na verdade, parece que os velhinhos estão pouco se lixando. O CD duplo, Echoes, vai desde a primeira música do primeiro álbum (Astronomy Domine, de 1967) até High Hopes, título sintomático para um dos espasmos do último álbum (The Division Bell, de 1994). Toda a crítica, porém, é vã, porque – independentemente de quaisquer considerações musicais – todo mundo vai comprar. Another Brick In The Wall, Hey You, Wish You Were Here, Time, One of These Days, Confortably Numb, Shine On You Crazy Diamond, Money e Learning to Fly continuam como alguns dos melhores momentos da nossa existência pop. Tanto que o quarteto se aproveitou dessa aura lisérgico-messiânica para se perpetuar como vanguarda sonora (como muitos ídolos brasileiros dos anos 60 e 70, aliás). A capa e o encarte seguem aquele estilo “viajante”, que já fez a cabeça de tantos (!), com janelas dentro de janelas, paisagens dentro de paisagens, fotos dentro de fotos. Um quebra-cabeça para crianças de 15 a 20 anos. Estamos falando de idade mental. As surpresas (em termos de canções) ficam por conta daqueles hits remasterizados que não foram citados nos últimos dez ou mais anos, com The Delicate Sound of Thunder (1988) e Pulse (1995). São eles: See Emily Play, Echoes (a própria), Sheep, The Fletcher Memorial Home e Bike. Evidenciam que o quarteto nem sempre foi tão palatável quanto mostram os videoclipes. É ouvir e sonhar com a próxima turnê. (Será que eles vêm desta vez?)
>>> Pink Floyd
 
>>> QUANDO É O SUICÍDIO? Nelson Motta esteve no Esquina da Palavra, do Itaú Cultural, contando as muitas histórias do seu Noites Tropicais. O livro terminou classificado como “impressionista”, na época em que foi lançado, pois o autor não se privou de expor seus sentimentos em relação aos protagonistas da MPB desde 1950. Também pudera: Nelson Motta atravessou a bossa nova, a jovem guarda, o tropicalismo, a disco, o BRock – e todo o resto até aqui – sempre como ator principal, nunca como coadjuvante. É uma das poucas personalidades brasileiras que pode se gabar de ter estado, ao mesmo tempo, no palco e na platéia, ao longo de décadas. Muito se comentou também dos seus envolvimentos amorosos com mulheres célebres. É a vocação para alcoviteira, que grassa na nossa imprensa. Mas todo esse barulho só porque ele teve nos braços Elis Regina, Marisa Monte e Marília Pêra (para ficar em apenas três exemplos)? O que impressiona, de fato, ao longo das páginas, é o otimismo e a disposição desse musicista em encarar o “novo”, com o mesmo entusiasmo de sempre. Seu testemunho, ainda que nas entrelinhas, é o de que 1964 e 1968 esterilizaram toda a efervescência cultural do País a partir de Juscelino Kubitschek. Os sons, as melodias, e as harmonias mais sofisticados a que conseguimos chegar, em quatro séculos, foram empastelados pelos movimentos artísticos de massa, que explodiram, aliás, no mundo inteiro, como o rock, os gurus e as telenovelas. Quando, em 1985, o Brasil retomou a “democracia”, encontrou essa terra arrasada, que abriu espaço para os oportunistas de caras, bocas e bundas. Nelson Motta confessa, ao vivo e a cores, que não tem esperança para o futuro. Passou os últimos oito anos na Nova York da era Clinton, a de maior prosperidade desde a independência dos Estados Unidos. Crê que os tempos atuais não são de ascensão, e sim de queda. Pensa hoje nas filhas e nos netos. E nós, vamos ficando sem lendas.
>>> Noites Tropicais
 
>>> O CONSELHEIRO TAMBÉM COME (E BEBE) É preciso certa disposição para chegar até A Tal da Pizza. Dada a sua localização afastada, no caminho para Embú, na Granja Viana, poucos guias gastronômicos incluem o restaurante em suas listagens. A rua “Meandro”, em que a pizzaria está instalada, não consta em nenhum mapa da cidade (talvez num que abranja a Grande São Paulo). O telefone raramente atende durante o dia, e à noite vive ocupado. (Detalhe: eles só recebem quem tiver reservado.) Tanto esconde-esconde acaba criando, para A Tal da Pizza, uma aura penumbrosa, esquiva, típica de sociedade secreta. Essa impressão se confirma ao se atravessar ruas escuras de terra e chegar num estacionamento meio apagado em que o único indicativo mais forte é a existência de um “valet park”. Os donos não colocaram placa na porta, embora o estacionamento esteja tomado por carros importados, e a entrada (numa baixada) indique a fogueira e o aconchego característicos de uma taverna da Idade Média. E deve haver mesmo algum componente de bruxaria porque a pizza (a tal) – apesar de feita a olhos vistos – tem uma consistência e um sabor inigualáveis (mesmo para os exigentes conhecedores desta capital). O cardápio é econômico, uns quantos tipos são reproduzidos em tamanho natural para que o consumidor tenha a mais perfeita idéia do que vai degustar. E o mito de que “cada um tem de se servir” é verdadeiro: copos estão à disposição e geladeiras abertas para que o público pegue o que quiser e, depois, marque na medida de sua honestidade. Também não importa, eles ganham mesmo é no preço da “redonda”. (Atenção: não é barato. É cobrado obviamente o prazer de se sentir dentro da máfia.) As paredes indicam que A Tal da Pizza já recebeu a reportagem de revistas e jornais especializados, sendo a preferida de Thereza Collor. Dizem que é “in” ir lá. (Era só o que faltava.) Não dá para freqüentar toda a semana, mas tende a se tornar um marco gustativo na metrópole. Megalópole. (Para fechar: a variante “doce” de banana-quase-cristalizada com canela.)
>>> A Tal da Pizza - Rua Meandro, 430 - Tel.: 4612-0198
 
>>> O JOVEM E O MAR Uma caixa azul escura: a metade de cima é tomada por uma “revoada” de golfinhos; a metade de baixo é preenchida pela luz da lua. Estamos falando do DVD de Imensidão Azul, em versão estendida, com quase três horas de proezas de Jacques Mayhol. O filme fascinou toda uma geração de adolescentes em 1988 que, nos anos seguintes, dedicou-se à prática ou, ao menos, à experiência do mergulho. Conta a saga (não-verossímil) do menino francês que, com um fôlego sobre-humano, apegou-se às profundezas e aos seres aquáticos, afastando-se do convívio dos entes humanos para, posteriormente, conquistar o recorde de submersão: 400 pés sem cilindro, sem respirar. Ivo Pitanguy disse, uma vez em entrevista, que se sentia voltando ao útero sempre que passeava pelo fundo do mar. De fato, ainda que claustrofóbica para algumas pessoas, a convivência debaixo d’água é extremamente natural, mesmo para animais terrestres como o homem. A integração com a natureza é total, e facilita a aceitação de que somos apenas mais uma espécie (ou raça) dentro de um universo muito maior e mais importante do que “nós”. É mais ou menos esse sentimento que o longa de Luc Besson tenta passar. Há também espaço para a competição e o companheirismo, destacando Jean Reno, que se consagraria como ator a partir de então. Sem contar o romantismo superficial de Rosanna Arquette, que não evoluiu nada desde essa época, mas que seguiu sua trilha de loira burra. Em resumo: mais uma diversão leve, com belezas incomparáveis da Sicília e da Grécia, e uma mensagem edificante de amor ao mar.
>>> Le Grand bleu
 
>>> DIGA O SEU NOME E A CIDADE DE ONDE ESTÁ FALANDO
Olavo Bilac, do Rio de Janeiro: “Imortal é o escritor que não tem onde cair morto.”
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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