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Quarta-feira, 24/4/2013
Os Enamoramentos, de Javier Marías

Julio Daio Borges




Digestivo nº 490 >>> Os Enamoramentos, de Javier Marías, é o livro da estação. Quem gosta de ler, já ouvir falar. Aquele tipo de leitura que, depois de tantos comentários, torna-se inevitável. O título chama a atenção. E a foto ― que poderia ser um achado da Companhia das Letras ― é um acerto já na edição original, da Alfaguara. "Enamoramiento", na língua de Javier Marías, tem o sentido de paixão. Mais especificamente, uma pessoa "enamorada", em espanhol, é uma pessoa apaixonada. Assim, à primeira vista, a capa e o título convidam para um romance sobre "enamoramentos". Mas o grande mérito do livro é que o "enamorar-se" é só parte da história. Os Enamoramentos começa a partir de um luto, por conta de uma morte bárbara e, aparentemente, inexplicável. As cinquenta primeiras páginas tratam do drama da viúva, mesmo numa época como a nossa, em que, a princípio, não há tempo para a "elaboração". (Outro dos méritos da história é ser bastante contemporânea.) Mesmo com dois filhos pequenos, Luiza se sente paralisada sem o marido, assassinado por um indigente em Madri, no dia em que completaria 50 anos. A partir da página cinquenta, mais ou menos, a história sofre a primeira reviravolta. A narradora, María Dolz, que era apenas uma observadora do casal Luiza e Miguel, decide abordá-la, no café em que se avistavam, e acaba passando uma tarde em sua casa. Lá, conhece Javier Díaz-Varela, o melhor amigo de Miguel (apoio constante da viúva), por quem María se sente atraída à primeira vista. Não se torna amiga de Luiza, mas se torna amante de Javier, e se apaixona, "se enamora" por ele. Díaz-Varela porém ― como na "Quadrilha", de Drummond ―, não se apaixona por María, pois já era apaixonado por Luiza (que, por sua vez, segue apaixonada pelo falecido marido). Em meio a considerações psicológicas, María formula a hipótese de Díaz-Varela ter sido apaixonado por Luiza antes da morte de Miguel, e desejar, secretamente, que seu melhor amigo "saísse do caminho". Graças a uma segunda reviravolta da história, essa hipótese torna-se assustadoramente provável ― e, munida de dados mas ainda com dúvidas, María confronta Javier. Numa racionalização digna de Crime e Castigo, de Dostoiévski, ele não só confessa o assassinato (ou a maquinação do mesmo) como se justifica... ― tão habilmente que provoca uma terceira reviravolta na história. María, ainda que horrorizada pelo crime, "aceita" a confissão de Díaz-Varela, embora não aceite totalmente sua justificativa ― mas é impacta de tal forma pelo que ouve... que não consegue perturbar a inocência de Luiza (que de nada desconfia), limitando-se a encerrar seu caso com Javier. O livro termina com o encontro, casual, de María, a narradora, com o novo par que, passado o tempo devido, havia se formado: Luiza e Javier Díaz-Varela. Ele havia vencido. A exemplo de uma história clássica de Machado de Assis, havia vencido a resistência da viúva. María, já com outro par, aborda o casal querendo acabar com o idílio (vingando-se de Javier) ― mas a simpatia de Luiza, ainda insciente, convence María a continuar quieta, e silenciar sobre a morte de seu antigo marido, arquitetada, cinicamente, pelo seu novo marido... Para um volume de menos de 350 páginas, é um feito e tanto. Os elogios da quarta capa, contudo, são exagerados: seria mesmo o caso de Javier Marías ser indicado para o Prêmio Nobel? A nova edição brasileira, possivelmente devido ao sucesso no nosso País, traz a obra numa caixa, com outro livro "de brinde": O Coronel Chabert, de Balzac. Marías dialoga com um dos maiores romancistas da França, quando evoca a história de Chabert, justamente um morto que "voltou" (porque não morreu), e "atrapalhou tudo". À maneira de Woody Allen, no violento Match Point, Javier Marías nos deixa com a incômoda sensação de que há muito mais, entre o céu a terra, do que sonha a nossa vã criminologia...
>>> Os Enamoramentos
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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