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Quarta-feira, 19/1/2011
Um Oscar para Christopher Nolan
Rafael Rodrigues

Considerado como uma espécie de termômetro do Oscar, o Globo de Ouro realmente funciona como uma prévia de algumas premiações da Academia. Em 2009 e 2010, por exemplo, os melhores atores coroados com o Globo também receberam o Oscar por suas atuações. Destaca-se apenas o fato de, na edição de 2009, Kate Winslet ter recebido dois Globos de Ouro: um como Melhor Atriz Coadjuvante, por sua atuação em O Leitor, e outro de Melhor Atriz, pelo filme Revolutionary Road, sendo que a Academia premiou Winslet com a estatueta de Melhor Atriz por sua interpretação em O Leitor.

Por essas e outras, espera-se, na cerimônia do Oscar, basicamente as mesmas premiações, com uma ou outra diferença, mas, mesmo assim, sem nenhuma grande surpresa. Na edição do Globo de Ouro deste ano, cuja cerimônia aconteceu no último domingo, dia 16, esperava-se que o filme A rede social, dirigido por David Fincher, abocanhasse vários prêmios, mas havia uma grande expectativa de que A origem, escrito e dirigido por Christopher Nolan, recebesse algumas estatuetas. Mas não foi o que aconteceu. A rede social ganhou os prêmios de melhor filme de drama, melhor diretor, melhor roteiro (escrito por Aaron Sorkin) e melhor trilha musical.

Quem assistiu ao filme sabe que os prêmios não foram injustos. A rede social é, sim, um grande filme. Sem dúvida alguma um dos melhores do ano que passou. Depois das interpretações brilhantes de Jesse Eisenberg (como Mark Zuckerberg) e Andrew Garfield (como Eduardo Saverin), o maior destaque da produção é a estonteante trilha sonora, que ficou a cargo de Trent Reznor (vocalista e "dono" do Nine Inch Nails) e Atticus Ross. Não é comum uma trilha sonora parecer ditar o ritmo das cenas, geralmente o que se vê é o contrário. A rede social é um desses raros casos em que a trilha parece se sobrepor às cenas.

Outro ponto forte ― e talvez um tanto emocional ― de A rede social é que ele lembra um pouco o clima de Sociedade dos Poetas Mortos, um clássico do cinema contemporâneo. E me parece que o filme de David Fincher e Aaron Sorkin ficará marcado como a produção que marcou uma época de nossa sociedade, de uma geração, assim como o filme de Peter Weir o fez. Isso é algo muito representativo, e o seria ainda mais se esta época merecesse tamanhas honrarias. Mas, infelizmente, não é o caso. Ao contrário de Sociedade dos Poetas Mortos, não há romantismo ou idealismo algum em A rede social, e isso ― é preciso destacar: na minha opinião ― diminui um pouco a sua importância.

A origem, de Christopher Nolan, preenche essa pequena lacuna que A rede social deixou em branco. O protagonista da história, que é interpretado por Leonardo DiCaprio ― outro injustiçado pela Academia ―, tem dentro de si ainda alguma nobreza, alguma aspiração digna. Mesmo que os fins não justifiquem os meios, seu objetivo é, poderíamos dizer, singelo, respeitoso. O que Dom Cobb quer é apenas voltar para a sua família, no caso, seus filhos, já que sua esposa está morta. Objetivos nobres não fazem filmes, mas a questão é que tudo em A origem é digno dos maiores elogios: roteiro ― que, aliás, é original, e não adaptado, como o de A rede social, que é baseado no livro Bilionários por acaso, de Ben Mezrich ―, direção, interpretações, efeitos especiais, e até mesmo a discreta trilha sonora. Por isso, a pergunta que ficou, para muitos do que assistiram à criação de Nolan é: "como é que esse filme não ganhou prêmio nenhum?".

Mais: como é que Nolan não recebeu, até hoje, nenhum Globo de Ouro e nenhum Oscar? Lembrando que ele é o autor de um dos filmes mais revolucionários do cinema nos últimos 15 anos: Amnésia, de 2000, que chegou a ser indicado, em ambas as premiações, na categoria Melhor Roteiro, mas não venceu.

Longe de Christopher Nolan ser uma unanimidade ou não existirem trabalhos melhores que os dele. Mas sequer indicações de Melhor Roteiro, Melhor Direção e Melhor Filme Batman: O cavaleiro das trevas, de 2009, escrito e dirigido pelo cineasta, recebeu. De todos os filmes da franquia Batman, O cavaleiro das trevas é, de longe, o melhor. Une perfeitamente o entretenimento ao bom cinema. O roteiro desse filme é nada menos que brilhante. Assim como o clima dele, sombrio, fazendo jus ao subtítulo do filme, que vem a ser o apelido do herói. Alguns diálogos, além de especificamente as interpretações de Heath Ledger (talvez o melhor Coringa de todos os tempos) e Aaron Eckhart (Harvey Dent/ Duas Caras), são soberbos. Os últimos minutos de O cavaleiro das trevas, e isso é preciso ser reconhecido, em vez de ignorado talvez por ser um "filme de super-herói", são uma pequena obra-prima do cinema. Não importa se são piegas, ingênuos ou algo do tipo: os minutos finais de O cavaleiro das trevas deveriam entrar para a história do cinema como uma das sequências mais profundas dos últimos anos. Seu roteiro merecia, no mínimo, uma indicação, e não o silêncio solene da Academia.

Espera-se que não, mas o Globo de Ouro deixa entender que a A origem será, assim como Batman, ignorado pelo Oscar. O que é uma pena, além de uma enorme injustiça. Talvez a maior dos últimos anos.

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 19/1/2011

 

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