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Segunda-feira, 11/7/2016
Elon Musk
Julio Daio Borges


Fazia tempo que alguém não me inspirava tanto. Acho que desde que o Steve Jobs morreu, em 2011, ficamos num vácuo, no universo da tecnologia.

Porque não adianta: nossa inspiração vem do Vale do Silício. Vem da internet. É onde estão fazendo as coisas novas. É onde estão mudando o mundo.

"Queríamos carros voadores e, em vez disso, recebemos 140 caracteres" ― é a frase conhecida de Peter Thiel, bilionário investidor do Facebook, ex-CEO do PayPal (que, aliás, destronou Elon Musk na época).

Mas a resposta para a mesma frase de Thiel, sobre o Twitter, é, de novo, Elon Musk. A ponto de o próprio Thiel, mais recentemente, afirmar: "O fato de o mundo ainda duvidar de Elon é mais um reflexo sobre a insanidade do mundo do que sobre a insanidade de Elon".


Afinal, quem é Elon Musk?

As definições variam, mas ele é, basicamente, o dono da Tesla Motors, que fabrica carros elétricos, e também da SpaceX, a primeira empresa privada a colocar um foguete em órbita.

Fora concorrer com as montadoras de carros do mundo todo, e com a Nasa, ele ainda é o maior acionista da SolarCity ― originalmente uma fabricante de painéis solares que almeja ser uma das maiores fornecedoras de energia dos EUA.

Como se não bastasse, Elon Musk está metido em outros projetos ainda mais ousados ― como o Hyperloop: um meio de transporte futurista, que pretende deslocar pessoas, veículos e cargas dentro de um “tubo” (sim, dentro de um tubo). Mas aí já é demais ― até para mim ― e eu prefiro me concentrar na Tesla, na SpaceX e na SolarCity ;-)


Elon Musk, sua mãe, o irmão Kymbal e a irmã deles, Tosca

Elon Musk é de 1971 e acabou de fazer 45 anos, no dia 28 de junho.

Ele não é norte-americano, é sul-africano. As origens de sua família remontam ao Canadá, para onde ele emigrou, aos 17 anos ― para fugir do Exército, estudar e chegar nos EUA ("land of opportunity").

Elon Musk é, praticamente, da nossa geração: a geração X, a dos videogames.

Aprendeu a programar em Basic sozinho (como eu!) ― mas seu pai, um engenheiro mecânico e eletricista, que construía prédios e shoppings, olhava desconfiado para os microcomputadores: "Isso é mais para jogos, você nunca vai conseguir fazer engenharia de verdade nesse negócio".

Elon e Kymbal, seu irmão mais novo, não tiveram uma boa relação com o pai na infância e adolescência. Embora ele os tenha ensinado coisas "práticas" ― como assentar tijolos, trabalhar com encanamentos e instalações elétricas.

Kymbal, inclusive, acredita que herdaram o gênio difícil do pai: "Eu não entro em luta com mais ninguém, porém Elon e eu somos incapazes de aceitar uma visão que não seja a nossa".

Ainda sobre Elon Musk, como CEO, já chegaram a afirmar: "Seu maior inimigo será ele próprio e o modo como ele trata as pessoas".


Elon e Kymbal Musk

Musk acabou estudando Física, na Penn, e Economia, em Wharton, mas a verdade é que acabou se tornando um "super" engenheiro. (Embora não fale mais com o pai.)

Da família da mãe, puxou o espírito aventureiro do avô, que voava, com a família, da África do Sul para a Austrália. "Tínhamos a impressão de que éramos capazes de qualquer coisa. Só era preciso tomar uma decisão e fazer. Nesse sentido, meu pai ficaria muito orgulhoso de Elon", conta um tio.

"Ou você está tentando fazer algo espetacular sem nenhuma concessão ou não está. E se não está, Musk o considera um fracasso", escreve o autor de Elon Musk, a biografia, lançada pela Intrínseca, que me fez conhecê-lo melhor.

E num e-mail interno, para um subordinado, formulou sua ética de trabalho: "Quero que você pense à frente, e pense tanto, todo dia, a ponto de sua cabeça doer. Quero que sua cabeça doa toda noite, quando você for dormir".

"Este é Elon. Faça ou morra, mas não desista", completou um amigo.

E quando alguém não entrega algo no prazo, Musk chega a ameaçar: "Vou fazer seu trabalho e ainda ser o CEO de duas empresas, tudo ao mesmo tempo".


Elon Musk e seus filhos

A fim de promover uma revolução tanto na indústria automobilística quanto na espacial, Elon Musk tem um estilo de vida que não fica atrás.

Começa a semana na SpaceX, em Los Angeles, onde mora, e onde passa a segunda e uma parte da terça-feira. Terça à noite, viaja para o Vale do Silício, e trabalha na Tesla, quarta e quinta-feira ― quando volta para Los Angeles.

Passa quatro dias por semana com os cinco filhos, gêmeos e trigêmeos respectivamente, de quem tem a guarda compartilhada (a mãe, Justine, de quem é separado, foi sua namorada nos tempos da faculdade). "Acho que o tempo reservado para os negócios e as crianças está bom. Mas gostaria de separar mais tempo para namorar. Preciso encontrar uma namorada".

Acabou encontrando e se casando de novo ― com a atriz britânica Talulah Riley, aproximadamente metade da sua idade. De quem se separou igualmente. Mas com quem voltou a se casar (pela terceira vez agora ― a segunda com ela). No fim do livro, concluído em 2015, o biógrafo Ashlee Vance não sabe nos dizer se estão juntos ou separados.


Uma foto da PayPal Mafia (embora Musk não apareça nela)

A história das empresas de Musk é quase tão frenética quanto sua vida pessoal.

Começou com a Zip2, onde ele era programador e trabalhava com o irmão, nos primórdios da internet. Sua ambição era nada mais nada menos que criar o Google Maps da época, vendendo anúncios para negócios locais. A startup acabou sendo vendida e lhe rendendo 22 milhões de dólares.

Em vez de comprar uma ilha particular e passar o resto da vida fazendo nada, Elon Musk tinha menos de 30 anos e resolveu atacar um novo problema. Focou na indústria financeira. Tinha sido estagiário em banco, sabia das ineficiências do sistema e não tinha muita admiração pelos "banqueiros". Fundou a X.com.

Não estava sozinho, desta vez, e encontrou, pelo menos, dois oponentes de peso, na Cofinity (startup concorrente): Max Levchin, o lendário programador que venceu as fraudes no PayPal, e Peter Thiel, aquele investidor que aparece no filme do Facebook.

Depois de muito competir e quase se matar no processo, X.com e Cofinity resolveram se unir, concentrando seus esforços no produto e na marca mais forte: PayPal. Como o novo empreendimento precisava de mais dinheiro e Elon Musk ainda tinha, acabou se tornando o maior acionista e primeiro CEO do PayPal.

O resto é história. O PayPal acabou sendo vendido para o eBay ― o MercadoLivre dos EUA ― por de 1,5 bilhão de dólares. E como Musk era o principal acionista, acabou ficando com 165 milhões de dólares no bolso.

Aí você acha que ele parou, comprou uma ilha particular e ficou sem fazer nada pelo resto da vida?


A história da Tesla e da SpaceX se sobrepõem, inclusive no livro.

Da SpaceX, conta-se que Elon Musk sempre teve um interesse pela conquista espacial. E um interesse mais destacado por Marte.

Reza a lenda que Musk acessou o site da Nasa para saber a quantas andava a missão para Marte ― e não encontrou nada. Não havia missão para Marte. Não havia sequer um cronograma. Não havia nada.

Musk, então, decidiu se reunir com sociedades científicas, que estudavam o planeta ― e procurou ir se aprofundando no tema.

Acabou estabelecendo que a missão da SpaceX, sua nova empresa, seria chegar em Marte. Dizem que Elon Musk quer ser o primeiro ser humano a pisar no planeta (desde que não corra risco de vida na viagem). E anunciou também que pretende se aposentar por lá (suas (ex)mulheres já disseram que não vão ― e que vão ficar cuidando das crianças).

O fato é que, para completar sua missão, a SpaceX tinha de ser uma empresa rentável primeiro. Seu objetivo inicial, portanto, foi colocar objetos (que poderiam ser satélites) em órbita e transportar cargas até estações espaciais.

Elon Musk acredita que a demanda por satélites deve crescer em potências emergentes, como a China. E acabou conseguindo seu primeiro contrato com ninguém menos que... a Nasa.

Musk tentou, originalmente, adquirir foguetes com os russos, para os seus primeiros lançamentos. Mas como era muito jovem ― não tinha nem 40 anos ―, não foi levado a sério. O que não foi problema para ele: decidiu que a SpaceX desenvolveria seus próprios foguetes ― do zero.

Com um jeito de trabalhar naturalmente inspirado no Vale do Silício, a SpaceX acabou desenvolvendo foguetes por uma fração do custo, tão seguros quanto os "governamentais", e em tempo recorde.

Nessa brincadeira, a SpaceX ultrapassou empresas como a Boeing e a Lockheed Martin. E conseguiu 400 milhões de dólares em seu contrato com a Nasa. (Bem na hora em que a fonte de Musk secava...)

Claro que Elon Musk não fez tudo sozinho ― mas soube identificar talentos, financiar projetos, administrar orçamentos, fixar prazos, promover o marketing e "fazer o meio de campo" com outros investidores, com o mercado e até com órgãos do governo.


Já a Tesla Motors, ao contrário da SpaceX, existia em embrião ― mas Elon Musk abraçou o projeto do carro elétrico e fez a coisa acontecer. Inclusive salvando a própria Tesla da falência, durante a crise de 2008, quando ninguém mais queria saber de fábricas de automóveis...

A ousadia de Musk levou a Tesla mais longe, no sentido de produzir um carro totalmente elétrico. No livro, o biógrafo diz que um carro normal, movido a combustão, aproveita de 10% a 20% da energia gerada. Enquanto que um carro elétrico da Tesla consegue aproveitar até 60%. Seria algo como andar 160 Km (cento e sessenta quilômetros) com um único litro de combustível.

Como tem menos desgaste, de peças, um "Tesla" demanda menos manutenção. É governado por um computador central ― e, por ser igualmente "movido" a software, recebe atualizações, da fábrica, durante noite. Amanhece "atualizado". A Tesla abandonou aquela história de "ano 2016/ modelo 2017". Todos os carros recebem todas as atualizações sempre.

A Tesla também abandonou o velho esquema das concessionárias ― que comodamente vivem de "dar manutenção" em carros tradicionais. A Tesla é a fábrica e, ao mesmo tempo, a única vendedora. "Mas os carros elétricos nunca dão problema?", você pode se perguntar. Dão; mas a Tesla busca o carro na casa do dono, empresta outro igual e devolve o original consertado.

Contudo, o mais impressionante é que quem compra um Tesla não precisa mais pagar "combustível". Claro que o dono pode (re)carregar o carro na tomada, como qualquer aparelho eletroeletrônico. Mas Elon Musk aproveitou a SolarCity ― sua empresa de placas solares ― para gerar "estações" de recarga, gratuitas, nas principais estradas dos EUA. Também nas da Europa e da Ásia.

Basta chegar a um "posto" da Tesla e fazer a recarga de graça. Ou, se o cliente não quiser esperar, trocar todo o conjunto de baterias por um conjunto novo ― recarregado ―, ao custo de um tanque de gasolina.


Para desenvolver o primeiro modelo da Tesla, o Roadster, Musk imaginou uma espécie de crowdfunding de milionários. Combinou que o preço seria 100 mil dólares e saiu arrecadando cheques entre amigos e frequentadores de clubes de golfe nos EUA.

Sua estratégia foi começar com um modelo esportivo, de luxo, e passar, na sequência, ao desenvolvimento de um sedã, o "Model S", para a família. Finalmente, seu objetivo seria um modelo mais acessível, "popular" ― o "Model 3"? ― que supostamente consagraria a Tesla. O autor do livro já fala em um *caminhão* da Tesla e, nos sonhos mais loucos de Musk, num modelo "anfíbio" (tipo "007").

A abertura de capital da Tesla foi, relativamente, um sucesso, porque ela ainda dava prejuízo ― e a crise de 2008 quase obrigou Musk a vendê-la para o Google. Larry Page ― que se tornou amigo pessoal de Musk ― assumiu o papel de "fiador", nos momentos mais dramáticos dos empreendimentos “Musk”. Afinal o Google tem caixa de sobra ― e Page se diz admirador da ousadia de Musk (que, ao contrário de outros bilionários, tem grandes ambições: resolver o problema energético do planeta e expandir o alcance territorial da humanidade [palavras de Page]).

Recentemente, Musk anunciou que a Tesla vai adquirir a SolarCity. O mercado não entendeu direito. Confesso que eu, também, não. A meu ver, as duas empresas valem mais separadas do que juntas. Mas deve haver alguma outra coisa na lógica incomum de Musk, que não estamos captando...


Gostei tanto do livro que já estou sentindo saudades de Elon Musk. O livro não é perfeito ― elogia desproporcionalmente o protagonista e se perde em discussões técnicas sem muito interesse ― mas a história dele é estimulante. E, desde que comecei a ler, recomendo a leitura a toda e qualquer pessoa.

Eu ficava preocupado que precisava administrar o Digestivo Cultural e, de um ano pra cá, o Portal dos Livreiros. Ficava preocupado que pudesse haver “conflito de interesses”. "Como vou me dividir em duas coisas tão diferentes?", pensava comigo mesmo.

Aí, li o livro de Musk e, francamente, o que estou fazendo não é nada ― perto de um sujeito que está tentando colocar “de pé” uma empresa de foguetes, uma fábrica de carros elétricos e uma instaladora de painéis solares. Tudo ao mesmo tempo. Arriscando tudo o que já ganhou anteriormente. Sem contar a vida pessoal dele.

Você ainda vai ouvir falar muito de Elon Musk. O sujeito que retomou a corrida espacial. O sujeito que está realizando o sonho do carro elétrico. Que aposta na energia solar e no fim da dependência de combustíveis fósseis. Um sujeito que, como nós, jogou videogame, programou em Basic e empreendeu na internet ;-)


Julio Daio Borges
São Paulo, 11/7/2016

 

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