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Terça-feira, 9/5/2023
Rita Lee Jones (1947-2023)
Julio Daio Borges

Quando Kurt Cobain veio ao Brasil, em 1993, fez questão de reconhecer a importância dos Mutantes numa entrevista à MTV.

E quando “Technicolor”, o álbum perdido dos Mutantes, enfim teve seu lançamento, em 1999, quem ilustrou o encarte foi Sean Lennon (sim, o herdeiro de John & Yoko).

Só por ter feito parte desse trio, junto aos irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, Rita Lee já teria um lugar na música brasileira.

Mas não ficou nisso. O rock era pouco e os Mutantes não só participaram do antológico “Tropicália”, de 1968, como lhe deram um subtítulo: “Panis et Circenses” (o mesmo da canção homônima).

A importância do Tropicalismo é menos teórica - que a do Modernismo e dos modernistas - mas, inspirando-se na Antropofagia, tentou conciliar, em música, o rock e o pop, que vinham de fora, com a nossa tradição de bossa-nova, samba-canção, samba “tout court” - e uma infinidade de outros ritmos.

E Rita Lee - tanto quanto Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa - foi a encarnação disso. Se os baianos descendiam assumidamente de João Gilberto, Tom Jobim e Dorival Caymmi, Rita e os Mutantes foram contemporâneos dos Beatles, Arnaldo Baptista poderia ser o nosso Syd Barrett e Sérgio Dias, o nosso primeiro “guitar hero”.

Que essa turma pra lá de heterogênea tenha se trombado no Brasil foi, para nós, uma benção dos deuses da música. Se não fosse por isso, jamais teríamos performances como a de “Domingo no Parque”, com os Mutantes, e discos como o “Transa”, de Caetano, e o “Gilberto Gil” de 1971 (seu clássico em inglês).

Sem contar o dueto entre Rita Lee e o mestre dos baianos, João Gilberto, em 1980: “Seja em Paris/ ou nos Brasis// Mesmo distantes/ Somos constantes// Tudo nos une/ Que coisa rara/ No amor, nada nos separa”. Uma marchinha da Era de Ouro, dos anos 30 - mas cuja letra prenuncia a relação da “roqueira” com o cancioneiro de seu país.

Não por acaso, ensaiando “Desculpe o auê”, antes de executá-la no Parque do Ibirapuera, João Gilberto queria saber se era bossa-nova ou o que era... A compositora não soube responder.

Do mesmo jeito que não soube responder a Mick Jagger - quando abriu para os Rolling Stones, no Brasil - sobre o uso de uma imagem de Nossa Senhora. O autor de “Sympathy for the devil” não entendia o sincretismo religioso da ovelha-negra-da-família...

E por falar em bossa’n’roll, mereceu um dueto com “a maior cantora do Brasil” - sim, Gal Costa, que elevou “Mania de Você” às alturas. Como, aliás, fez Elis Regina, em 1980 - pois “pra variar, estamos em guerra”...

“Você não imagina a loucura”...

Como se não bastasse, ainda gravou “Mania de Você” com Milton Nascimento - cuja versão ele santificou - e um “ao vivo” inteiro com o Gilberto Gil da fase “Re”: “Refestança”(1977).

Isso tudo e nem falamos de sua parceria com Roberto de Carvalho, originalmente um roqueiro, que, a partir dos anos 80, transformou Rita Lee num ícone da cultura pop, conquistando as paradas de sucesso e as trilhas sonoras das novelas.

E quase chegou a se reunir com os irmãos Dias Baptista, para um “bis”, num show seu - mas ressentimentos, mágoas e traumas não permitiram uma ressurreição dos Mutantes originais, antes de Kurt Cobain, e de Sean Lennon.

Ainda poderíamos falar da feminista, no bom sentido e “avant la lettre”. Também da escritora best-seller. Da debatedora, em “Saia Justa”, com Mônica Waldvogel. Sem contar a mãe, de Beto Lee, e a avó...

Rita Lee foi muita coisa para muitas pessoas.

Por ter, mais ou menos, a idade dos meus pais, Rita Lee foi, na minha infância, como uma tia festiva, barulhenta e extravagante. Na juventude, uma artista sensível de quem ouvi a discografia, relançada em CD. E, na idade adulta, uma personalidade que se deu ao trabalho de responder a um texto meu, sobre um disco seu.

Anos depois, tivemos a oportunidade de publicar um texto seu no Digestivo. E, quando eu disse à estagiária que ela poderia colocar no ar, meio descrente ainda me perguntou: “Mas como assim? É a Rita Lee? Rita Lee???”.

Como se tivesse outra...

À Lovely Rita que um dia me chamou de “James Dean” (por causa das minhas inciais), desejo que “rest in peace” - ou, então, que festeje “ad aeternum” na companhia de Raul Seixas, Cazuza e Renato Russo (entre tantos outros)!

Nota do Editor
Leia também "Orra, meu" e "A Mina de Sampa".

Julio Daio Borges
São Paulo, 9/5/2023

 

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