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Segunda-feira, 31/1/2011
Chega de Escola
André Forastieri

Eu detesto escola. É uma perda de tempo miserável. Minha mãe me ensinou a ler, escrever e fazer as quatro operações. O resto foi aos trancos e barrancos.

Fui bem na escola até o momento em que precisei começar a estudar ― dali para frente foi só o mínimo de nota para passar de ano (duas vezes, raspando).

Meu colegial ensinou a dar sinal de sete-copas, beber e fumar. O papel que gastei jogando batalha naval no fundão dava para reflorestar o deserto de Atacama. A besta do professor de português, em três anos, recomendou um único livro decente: O Apanhador no Campo de Centeio.

Detesto tanto escola que abandonei a faculdade na primeira semana. Cinco dias de recepção aos calouros por parte dos veteranos Libelu da ECA-USP e deu. Fui e voltei várias vezes. Assim que comecei a trabalhar, abandonei definitivamente. Voltei depois à ECA ― para dar palestra para os calouros, já tive até convite pra ser banca, quá-quá-quá.

No Yazigi foram sete anos e foi útil. Mas o inglês só deslanchou lendo Avengers e traduzindo o encarte do Sgt. Pepper's. Foi bom também para cantar bem alto aquele clássico do Alice Cooper, "School's out for summer, school's out forever, school's been blown to pieces".

Nada contra praticamente nenhum professor. Imagina, a maioria tinha muito boas intenções. Eu podia até estar naqueles anúncios da Fundação Victor Civita, ao lado de algum mestre bacana: dona Zélia, dona Aparecida, o carrasco do seu Salles. Mas é como você estar na cadeia e trombar um carcereiro gente fina: não refresca.

Pelo que percebia na minha época e percebo mais ainda agora, as melhores escolas do Brasil formam uma legião de cretinos semianalfa. As exceções se devem à influência de pais e amigos, uma ou outra escola, um ou outro professor, ou acidentes genéticos. Ninguém sabe de nada, ninguém lê, ninguém escreve direito, ninguém fala inglês, e pior: ninguém é curioso. As piores escolas, não quero nem imaginar, mas deve ser a mesma porcaria e com balas voando pra todo lado.

Minha teoria é que toda escola serve para esmagar o espírito e a imaginação do ser humano para que ele se torne um escravo zumbi da sociedade. É também um lugar para os pais estacionarem os filhos durante o horário comercial. Chega dessa idiotice.

A educação básica em qualquer lugar do mundo devia se limitar ao domínio da língua materna, da língua global (inglês!) e um mínimo da matemática. Dá pra resolver em, no máximo, quatro anos ― digamos, dos 8 aos 12 anos (antes dos 8 deixa os caras brincarem, pô).

Claro, é superlegal que a garotada aprenda física, química, geografia. Também é bacana ensinar a empinar pipa, andar de skate, nadar, reconhecer as constelações e plantar jabuticabeiras. Mas as escolas ensinam isso? Não. As escolas ensinam a decorar informações para a próxima prova. Então, chega de escola. Delenda magister (opa, ninguém me ensinou latim).

Dos 12 anos pra frente é sacanagem trancar a molecada nas salas de aula. Porque aí já é hora de enfrentar as questões fundamentais da existência. Aprender a transar, dirigir, ganhar dinheiro, cozinhar, ajudar o vizinho, se dar bem com a sogra e reconfigurar o acesso à Internet.

E o principal: aprender a se manter curioso. Quem é curioso lê e experimenta, pula muro, tem conversas estranhas, faz conexões, cria universos. Pensa com a própria cabeça. É o que interessa.

OK, existem escolas diferentes, mais experimentais, moderninhas e carinhas. Mas não comemore ainda, caro amigo de classe média alta. As alternativas ao sistema decoreba imbecilizante são tão preocupantes quanto. Domina aquele papo hippie de contato com a natureza, de isolar ao máximo a criançada da tecnologia, da mídia e da cultura pop.

Me arrepia os cabelinhos da nuca. Até porque sou da turma que aprendeu a desconfiar das "manipulações da mídia" lendo os infames e invejosos ataques de J. Jonah Jameson ao Homem-Aranha. E outro dia um amigo contou que virou roqueiro por causa daquele verso do Supla, "mas eu não sou nem quero ser igual a quem me diz que sendo igual eu posso ser feliz".

Por essas e por outras que mudei de opinião sobre o Guns N'Roses e outras bandas detestáveis. Qualquer um que escancarar para a molecada que o bacana é ser esquisito e encrenqueiro tem o meu apoio (aprendi isso com o Clash e os X-Men).

A tecnologia e a cultura pop são as grandes equalizadoras. Graças a elas é que vamos ficando mais iguais que diferentes, em cada canto do planeta, em cada ponta das classes sociais. Você já reparou que o conjunto de coisas que a gente tem que saber em 2011 é absurdamente maior que na juventude da sua avó? E quem foi que te ensinou a tirar dinheiro no caixa automático, programar o videocassete e reformatar o hard disk?

Está totalmente na cara que a rapaziada de todas as classes sociais está igualmente equipada para lidar com o mundo moderno. Especialmente no Brasil. Afinal, todo mundo por aqui vive a mesma experiência audiovisual/interativa. O moleque da periferia ouve música, assiste à televisão e joga videogame tanto quanto o filhinho de papai do condomínio. Ambos já estão com um pé dentro da economia digital. Em qualquer lugar do mundo é assim. E brasileiro, para completar, adora uma novidade e é apaixonado por televisão.

Se for para investir uma grana ensinando a rapaziada a lidar com tecnologia, recomendo subsidiar a compra de gameboys e distribuir para a juventude carente. Qualquer mestre Pokémon está pronto para ser estagiário da Microsoft.

E a formação clássica, uma base geral de ciências, artes e humanidades, não faz falta para lidar com o mundo moderno? Não, não faz nenhuma. Talvez faça para lidar com o mundo eterno ― mas aí, como dizia uma professora pernóstica que eu tive, estamos invadindo os limites do imponderável.

Não precisa saber tudo sobre tudo. Nem dá. O conhecimento total da humanidade, no momento, dobra a cada seis meses. O ritmo acelera loucamente. Um desses gênios do MIT garante que vai dobrar a cada segundo a partir de 2017. Num mundo desses, o que é formação clássica, o mínimo indispensável? Virgílio? Física de partículas?

O fato é que qualquer um que passe o fim de semana assistindo à Globo vai aprender mais sobre o mundo do que 99 por cento dos seres humanos que já viveram neste lindo planetinha. Enquanto isso, sociólogos e pedagogas garantem sua graninha com projetos paternalistas e esse punhetol de "resgatar a cidadania".

Li metade da Pedagogia do Oprimido aos 18 anos, não entendi um quarto, mas gostei. Aprendi que a educação tem de ser feita em cima da vida, dos interesses, sonhos e necessidades de cada um; que ninguém ensina nada, a gente é que aprende ou não; e que educação é uma ferramenta para você descobrir qual seu lugar no mundo, descobrir quem está te fodendo e reagir.

Ouvi falar que tem uma ONG usando o método do Paulo Freire para ensinar informática para favelados, com dinheiro de multinacionais da pesada. Parece ótimo, divertido e vai acabar dando uma boa briga. Vou descobrir mais ― se por acaso encontrar uma escola que presta para alguma coisa, aviso.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na revista Caros Amigos, em fevereiro de 2001, e republicado no blog de André Forastieri, em junho de 2009 (atualmente no portal R7). (Leia também o Especial "Ensino Superior".)

André Forastieri
São Paulo, 31/1/2011

 

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