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Quarta-feira, 1/2/2012
Noites Urbanas, de Daniel Piza

Julio Daio Borges




Digestivo nº 485 >>> Se aventurar na literatura não é para qualquer jornalista. O jornalismo tem outro tempo. A literatura tem de estar quase desconectada dos fatos. Jornalismo literário existe, mas, antes de ser um ramo da literatura, é mais uma ramo do jornalismo. Quantas vocações literárias não foram desperdiçadas, ou salvas, em nome do jornalismo? Jornalistas-escritores, grandes escritores, temos, sim. Mas são em menor número do que as "tentativas". Indiscutivelmente, no Brasil: Ruy Castro e Fernando Morais. Mas será mesmo ficção o que fazem, ou, novamente, jornalismo? Ciente de tudo isso, ou talvez contra tudo isso, Daniel Piza se lançou na ficção com Noites Urbanas, em 2010. Sérgio Rodrigues ― mais uma exceção que confirma a regra ― tinha sido muito bem sucedido com Sobrescritos (2010), pequenas ficções que se originaram na internet. Daniel, intencionalmente ou não, reuniu participações em coletâneas variadas com extratos ficcionais de sua coluna semanal, Sinopse, e publicou tudo pela Bertrand Brasil. Depois de sua morte, alguns textos adquiriram caráter, inclusive, místico. Três das narrativas mais longas (as que chamam mais atenção) terminam com morte. Em "Ledinha": "A confusão virou escuridão quando Divo morreu", sobre um romance de inspiração machadiana (e final dúbio). Em "Saquê": "O Alberto(...) Morreu, amiga. Com 28 anos!", sobre uma história que começa com Tanizaki e lembra Bernardo Carvalho. E "Jogo da Verdade": "Fernando estava no chão, com um corte profundo na barriga, de lado a lado, e o sangue desenhava uma sombra no tapete marrom", sobre um esboço de peça teatral, que talvez contenha os melhores diálogos do volume. Daniel Piza, aliás, criticava o Diogo Mainardi romancista pelos diálogos. Mas o maior problema de Daniel Piza, ficcionista, talvez resida nos finais, invariavelmente abruptos. Nem todos os contos engrenam logo de início, mas a maioria, quando passa de uma página, alcança um desenvolvimento considerável ― infelizmente prejudicado pelo final que, como um deadline, bombasticamente surge. Mania de jornalista? Pressão do tempo... para entregar o texto? Michel Laub uma vez disse que uma diferença marcante entre compor um texto jornalístico e um romance de ficção (ele também conseguiu) era o tamanho da angústia. "No jornalismo, a angústia dura um dia, dois. Na literatura, pode durar anos." E mais trágico que isso: pode-se chegar a lugar nenhum... Entre os destaques de Noites Urbanas, está "Educação pelo outono", sobre uma garçonete que gostava de ler, mas que, com mais de um pretendente, não conseguia se decidir. Também "Circuito interno", uma paráfrase, válida, de "The Big Radio", de John Cheever. Ainda, os mesmos "Saquê" e "Jogo da Verdade" (pelo realismo e bom ouvido). E, para terminar, "Grace", possivelmente o menos ambicioso e o mais bem acabado de todos. Uma história que poderia ter Drauzio Varella como protagonista... Daniel Piza escreveu muito. Na verdade, mais do que o recomendável. Numa entrevista da virada do século, disse que, naquela época, só lhe faltava escrever para teatro, mas que tinha, estrategicamente, desistido de ser Shakespeare. Com um livro de ficção legível, e uma boa peça de teatro dentro, não lhe faltou nada, enfim. Pena que sua vida teve final abrupto, como muitos dos contos deste volume...
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Editor
 

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