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Quinta-feira, 16/4/2020
Rubem Fonseca (1925-2020)
Julio Daio Borges

Morreu o nosso maior contista vivo. E da década de 60 pra cá, não há outro, no Brasil, que se aproxime dele.

Não apenas em quantidade de obras - pois foram mais de quinze livros de contos em seis décadas -, mas no apuro da linguagem, na desenvolvimento de temas e na cultura literária.

De “Feliz Ano Novo” (1975) pra cá, é praticamente impossível encontrar um autor brasileiro relevante que não tenha bebido na fonte de Rubem Fonseca, nem que seja para negar seu estilo.

A prosa direta, às vezes crua, mas com uma escolha inesperada de uma palavra fora do contexto, produzindo grande efeito, contaminou gerações de escritores que, mesmo não tendo lido Rubem Fonseca, sofreram a influência dele.

Antes que a violência fosse naturalizada no cinema, Rubem Fonseca fez um registro do submundo do crime no Brasil que permanece insuperável, especialmente na forma curta, que ele dominou como poucos em português brasileiro.

Antes dele, talvez só Nelson Rodrigues - com a infinidade de histórias de “A vida como ela é...” - tratou de temas assim urbanos, numa superação do regionalismo, e tendo como cenário a rua, a metrópole, o século.

A legião de imitadores de Rubem Fonseca tentou emular o frescor de sua linguagem, a enganosa simplicidade de suas histórias policiais e até mesmo o charme de seus protagonistas, mas os que melhor se saíram nessa tarefa, conseguiram, no máximo, ser bons discípulos do mestre.

O romancista Rubem Fonseca pode suscitar dúvidas, apesar do sucesso de adaptações para “Agosto” (1990) e “A Grande Arte” (1983), mas o contista, embora com produção desigual na última fase, se mantém como expoente num século que teve Guimarães Rosa e Machado de Assis.

Embora tenha rompido literariamente na forma e no conteúdo, Rubem Fonseca tinha muito respeito pela tradição literária, fazia uso frequente, e hábil, da citação e conferia ao escritor um status especial - mesmo num país de minguantes leitores -, convertendo-o em herói (mesmo que, às vezes, herói trágico).

Quantos, depois de ler uma obra sua, não quiseram seguir seus passos, não por fama e glória, porque ele não tinha nem uma nem outra (talvez, agora, glória póstuma), mas pelo simples desejo de fazer parte daquele panteão de artífices, verdadeiros estilístas, da palavra escrita, com o poder mítico de criar - e destruir - mundos, realidades, vidas?

Talvez por sua reclusão - Rubem Fonseca se negava a fazer aparições e dar entrevistas -, sua imagem não sofreu com o desgaste, típico em nossos escrevinhadores, vítimas do engajamento político, que, seja contra, seja a favor, produz obras enviesadas, a serviço de causas diversas que não a da literatura.

Com a morte de Rubem Fonseca, perdemos alguém que mantinha a chama acesa. E assim como Borges se confundia com a própria noção de literatura na Argentina, o Brasil vivencia agora o silêncio de uma de suas vozes.

Afinal, o que é um grande autor senão a testemunha de toda uma época, o representante de toda uma geografia, a identidade de toda uma nação? Rubem Fonseca, produzindo sua interpretação do Brasil contemporâneo, nos ajudou a entender quem somos, assim como Machado, Rosa e Nelson fizeram, cada um em sua época.

Para ir além
"A literatura de ficção morreu?" e "Lembranças de Nova York", de Rubem Fonseca. Também "Rubem Fonseca e a inocência literária perdida", "Ela me observava como quem olha para um quebra-cabeça", "A concisão dos meus poemas", "O selvagem da ópera" e "O Romance Morreu, de Rubem Fonseca". Ainda "As mulheres de Rubem Fonseca", "O pior Rubem Fonseca é sempre um bom livro" e "As histórias magras de Rubem Fonseca". Finalmente, Rubem Fonseca no Portal dos Livreiros.

Julio Daio Borges
São Paulo, 16/4/2020

 

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