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Segunda-feira, 27/1/2014
Digestivo nº 496

Julio Daio Borges

>>> ERA UMA VEZ EIKE BATISTA (E O BRASIL EMERGENTE) A Bloomberg BusinessWeek definiu como "possivelmente" uma das maiores derrocadas de uma empresa, e de uma pessoa, na História. Steve Jobs, uma vez, declarou que foi o único ser humano que queimou 250 milhões de dólares em doze meses. Eike Batista queimou 30 bilhões (talvez num prazo um pouco mais distendido). Já Naji Nahas, que volta e meia é lembrado por ter "quebrado" a bolsa, deu um prejuízo de 13... milhões. Delfim Netto, para quem nada era problema na economia do Brasil, definiu Nahas como "um operador muito avançado para sua época". Diria o mesmo de Eike Batista (cria de um governo que ele, Delfim, tanto apoiou)? O fato é que, sob qualquer ponto de vista, a desintegração do império "X", e recuperação judicial da OGX, são um fracasso histórico e retumbante ― para Eike Batista, para a bolsa e para o Brasil. Para Eike, porque será, praticamente, "jurado de morte" por muitos a quem deu prejuízo, no mundo. Para a bolsa, porque todas as campanhas pela entrada do "pequeno investidor", pessoa física, caíram por terra, diante de falhas inescapáveis do órgão regulador. E, para o Brasil, porque Eike é parceiro do governo da "contabilidade criativa", dos anúncios e das expectativas sem resultados que correspondam, do "capitalismo de estado", que elegeu "campeões" (alguns derrotados, como a "Oi"), e que interferiu nas regras do jogo ― setor elétrico, Petrobrás ― em nome do marketing político (Eleições 2014). Se a farra dos emergentes acabou, a farra do Brasil acabou antes. Agora é o momento de tentar entender como Eike Batista enganou tanta gente por tanto tempo. A imprensa, por exemplo. Eike era o homem do press release, do chamado "fato relevante". Por que foi tão pouco contestado? Por que teve tão poucos críticos? Um jornalismo menos decadente ― no mundo ― teria sentido o cheiro do fracasso antes da crise? Hoje parece óbvio que vivemos a nossa bolha. A "moda" dos emergentes foi o nosso subprime. E o conglomerado "X" foi o nosso Lehman Brothers. Qual será o impacto dessa quebradeira nas eleições presidenciais? Será o mesmo que se fez sentir nos Estados Unidos (que elegeu um candidato de oposição)? Os Estados Unidos demoraram 5 anos para se recuperar, parcialmente. Quanto tempo demorará o Brasil? A Europa nos lembra, diariamente, que a recuperação pode demorar bastante. Na Espanha, por exemplo, ela vai acontecer? Da Grécia, todo mundo já se esqueceu... O euro continua ameaçado? E o real (pela inflação)? Falamos da crise de representatividade na Itália... E no Brasil, com os protestos de junho, a violência de black blocs e a intimidação de "rolezinhos"? A oposição não tem candidato, nem projeto, muito bem definidos ― mas o governo tem? Um projeto que fracassou? (De novo?) Ou um outro candidato ― redivivo ― que chamou a crise de 2008 de "marolinha"? Qual o projeto dele? O da redução do IPI, dos estímulos à indústria, que funcionou em 2009, mas que parou de funcionar? Tivemos sorte nos anos 2000. Agora, o Brasil está desgovernado e a nossa "sorte" foi embora (junto com os investimentos externos). Por que em 2014 vai ser melhor? Por que será embalado pelo dinheiro da Copa e das eleições? Mesmo que seja verdade, e depois? Qual é o nosso plano para 2015? Alguém sabe? Tem alguém que não esteja pensando em 2014? Eike Batista foi só a ponta do iceberg. O sonho acabou. Qual é o próximo sonho? Para desgosto dos milhares de investidores que perderam dinheiro (mais de 99% do valor só na OGX), devemos esquecer Eike Batista. Talvez ele volte, como até Collor de Mello voltou. Primeiro como uma curiosidade. Depois, como uma afronta. Por último, como uma figura do folclore nacional. Vamos nos lembrar desta época como aquela fase em que o Brasil acreditou que poderia resolver 500 anos de subdesenvolvimento em um mandato ou dois. "Subdesenvolvimento não se improvisa", declarava o sociológo da Garota de Ipanema, "é obra de séculos". Desenvolvimento, também, é: obra de séculos.
>>> How Brazil's Richest Man Lost $34.5 Billio
 
>>> PROCURE SABER E O OCASO DA MPB Reza a lenda que o envolvimento de Caetano Veloso com Paula Lavigne começou no aniversário dele de 40 anos. Ela tinha 13 e sua virgindade foi, supostamente, um presente para Caetano. Apesar do idílio, nos anos 90 Lavigne se orgulhava de haver multiplicado o patrimônio do baiano por dez. Gostava de dizer também que, quando o pneu do carro furava, era ela quem trocava, enquanto ele ficava tocando violão... Assim como Yoko Ono se decidiu pela santificação de John Lennon ― com a qual o filho Sean não concordou ―, Paula decidiu proteger o artista Caetano, assumindo seu lado empresarial. Tal arranjo permitiu que Caetano tivesse seus arroubos de polemista, queixando-se do jornalismo e da falta de cobertura de seus produtos, enquanto Lavigne o alçava à cerimônia do Oscar, e Fina Estampa (1994) reverberava até num filme de Pedro Almodóvar... O casamento acabou, e a última fase "roqueira" de Caetano, musicalmente mais "despojada", reflete esse momento. A década passada, entretanto, coincide com a gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, quando a MPB tomou de assalto mecanismos como a Lei Rouanet, culminando com abusos, como o do "blog de poesia" de Maria Bethânia, e promovendo a ascensão de figuras como Pablo Capilé ao primeiro escalão... Tratar a cultura como política, fomentando lobbies e acumulando poder de verdade não foi, contudo, uma invenção de Capilé. Ainda que não tenham sido acusados de fazer campanha política ― para depois nomear secretários de cultura, e aprovar projetos de interesse ―, desde a década de 80 Caetano e Gil são conhecidos por apadrinhar novos talentos ― por exemplo, na música ―, enquanto se mantêm na "vanguarda", geração após geração. Malcomparando com caciques da política brasileira, como Sarney e ACM ― que se instalaram nas estruturas de poder desde a época da ditadura ―, Caetano, Gil, Roberto Carlos e mesmo Chico Buarque se beneficiaram (uns mais, outros menos) do vácuo cultural de 64 até a redemocratização, e depois. Talvez seja ocioso procurar a razão de ser de um grupo como o Procure Saber. Dizem que a raiz da perseguição a biografias "não autorizadas" estaria na reação de Roberto Carlos ao livro de Paulo César de Araújo, onde o biógrafo registra o acidente que levou o cantor a fazer uso de uma perna mecânica. Não contente em retirar o livro de circulação, estocando os exemplares em sua casa, o "Rei" teria convencido o estado-maior da MPB a impedir novas "invasões de privacidade", submetendo biografias à pré-aprovação, controlando, enfim, o que poderia se publicar ou não. Em uma palavra: censura. Paula Lavigne entrou acreditando que, além de escritores, outros agentes do mercado editorial lucravam, indevidamente, em cima de biografados ― e o circo se armou. Tirando a reação exemplar de Benjamin Moser, o texto de Caetano passou como "mais uma polêmica" do velho baiano. Já Chico Buarque, que nunca fala nada, deveria, mais uma vez, ter ficado calado. Começou apoiando as filhas de Garrincha, nas disputas com sua própria editora (a Companhia das Letras); passou ao ataque de Paulo César de Araújo, acusando-o de nunca havê-lo entrevistado; e terminou por associar a Última Hora ― de Samuel Wainer ― à lista de apoiadores do regime militar. Luiz Schwarcz, que sofreu o processo de Estrela Solitária na pele, respondeu ― mas foi generoso com o "amigo" Chico. Já Paulo César de Araújo, não contente em passar a data em que colheu o depoimento do compositor, divulgou uma foto e um vídeo, corrigindo o artista com declarações de seu próprio site. Enquanto José Nêumanne, no Estadão, lavou a honra da Última Hora. Muita gente boa concorda que o último disco relevante de Caetano foi Estrangeiro, há 25 anos. Gil talvez tenha tido seu último momento de brilho com o Acústico, há quase 20 anos. E Chico Buarque andou pela última vez "fértil" ― para usar uma palavra de Tom Jobim ― em Paratodos, duas décadas no ano passado. Se já não falam em nome da música há muitos anos, não deveriam tentar falar em nome da cultura, nem, muito menos, da História. Na tentativa vã de preservar sua vida "privada", mancharam suas biografias, no sentido mais amplo ― e os biógrafos do futuro não serão tão condescendentes quanto nós, seus contemporâneos.
Fernando Young Brasileiro
>>> Procure Saber
 
>>> A MORTE DA MTV BRASIL Desde o advento da internet, a MTV já foi acusada de muita coisa. No auge do MySpace (quando da aquisição por Rupert Murdoch), a MTV foi acusada de não ter inventado as redes sociais. Afinal, na década de 90, a emissora tinha o público jovem "na mão"... Por analogia: por que a MTV não inventou o Facebook, ou o Instagram? (Ou, no Brasil, o Orkut?) Também já acusaram a MTV de não ter inventado o YouTube. Afinal, a emissora detinha o monopólio dos vídeos musicais em décadas anteriores... Acontece que a Blockbuster não inventou o Netflix. Nem a Barnes & Noble inventou a Amazon. Do mesmo jeito, as gravadoras não inventaram o iTunes, nem a Apple (apesar de existir, originalmente, uma gravadora com esse nome). A verdade é que ninguém detém o monopólio da inovação. Nem empresas "de ponta". E trabalhar com público jovem não é garantia de nada. É garantia, talvez, de que você pode passar de moda. No Brasil, a MTV local foi "tendência" nos anos 90. Tanto que influenciou a linguagem da televisão brasileira no período. Mas, a partir dos anos 2000, a MTV Brasil, assim como sua matriz, perdeu o norte. O negócio da música, com a pirataria e o download, deixou de ser o que era. Com as gravadoras em crise, a MTV perdeu seu alicerce: a veiculação de clipes (jabá?). A programação, no Brasil, deu uma guinada "comportamental". O alvo continuou sendo o público "jovem", mas o consumo deixou de ser direcionado para a música. A MTV Brasil poderia ter retirado o "M" do nome, porque funcionava nos moldes de uma TV qualquer, ou de um canal, dependendo de publicidade. E a MTV Brasil lançou humoristas, além de VJs, que foram alçados ao mainstream. Mas por que a MTV não teve a ideia do Porta dos Fundos? (Seguem as perguntas.) Ainda assim, o grosso do faturamento da emissora se concentrava num único evento anual, o VMB, o "oscar" da MTV Brasil, com shows e apresentadores em performances que pretendiam entrar para a História. Com a última reestruturação do Grupo Abril, que descontinuou títulos como Alfa e Bravo!, e ameaçou pilares como Playboy e Capricho, a MTV Brasil acabou sacrificada. Sua "morte" foi dramática, com direito a contagem regressiva e o retorno de VJs que marcaram época e que haviam sumido do mapa. A geração que assistiu ao nascimento da emissora, nos primórdios da década de 90, se comoveu. Mas e a geração de jovens que cresceu com a internet? O canto do cisne, que deve ter retirado a audiência do traço, não foi suficiente, contudo, para reverter o processo. A MTV Brasil, apesar dos pesares, não "morre". Ela retorna às mãos de sua controladora original, a Viacom. E qual é o legado dessa primeira encarnação da MTV para o Brasil? Será que é musical? Será que é a de ter atualizado o "gosto" para um padrão mais "globalizado"? Será que é ter promovido encontros musicais nos VMBs? É mais provável que sua contribuição tenha menos a ver com o "M" do que com o "TV". Se o rock brasileiro dos anos 80 descobriu a juventude como mercado, a MTV Brasil descobriu como audiência televisiva. É óbvio que a síndrome de Peter Pan cansa, mas não foi a MTV que inventou, foi o rock ― e a internet, desde os "diários de adolescente" (blogs?), não tem feito muito para reverter esse quadro...
>>> O fim da (primeira) MTV Brasil
 
>>> PAULO FRANCIS - POLEMISTA PROFISSIONAL, POR PAULO EDUARDO NOGUEIRA Durante quase toda a década de 2000, o monopólio sobre Paulo Francis coube a Daniel Piza. Por ter organizado o último livro de Francis em vida, Waaal (1996), e por haver escrito uma das principais biografias, Paulo Francis ― Brasil na Cabeça (2004), Piza monopolizou as análises e interpretações sobre Paulo Francis na posteridade. Como nada é para sempre, porém, o próprio Daniel saiu de cena, no final de 2011, e Francis se tornou um campo aberto a novas interpretações. Além do documentário de Nelson Hoineff (com roteiro de Piza), e além da coletânea da Publifolha (com organização de Nelson de Sá e posfácio de Pondé), Paulo Eduardo Nogueira, editor de internacional do Estadão, publicou sua versão da história: Paulo Francis ― Polemista Profissional. Trata-se de um livro de 2010, pela Imprensa Oficial, que não recebeu a devida atenção. A infância e a juventude de Francis são, geralmente, cobertas pelos seus próprios livros de memórias, O afeto que se encerra (1980) e 1964 ― O que vi e vivi (1994). São as fontes em que Daniel Piza bebe e Paulo Eduardo Nogueira, também. O jornalista, antes do golpe e da mudança para Nova York, se espraia em registros nos veículos em que trabalhou, desde o Diário Carioca até a Última Hora, até OPasquim, passando pelas revistas Senhor e Diners. Já a personalidade consagrada pela televisão, além do registro audiovisual no Jornal da Globo e no Manhattan Connection, se revela no Diário da Corte, talvez o auge da produção escrita de Paulo Francis. O que há de novo na biografia de Nogueira, então? Paulo Francis ― Polemista Profissional refaz toda a trajetória de Franz Paul Trannin da Matta Heilborn, como não poderia deixar de ser, mas joga luz no salto de popularidade, do articulista de jornal para o comentarista da TV Globo ― que, não por acaso, coincide com a guinada da "esquerda" para a "direita", sempre evocada. Paulo Eduardo Nogueira não apenas sugere que o sucesso mudou a relação de Francis com o capitalismo como, bibliograficamente, aponta as fontes, que serviram de base não só para Francis, mas para uma geração de intelectuais, que se desiludiu com a esquerda, ao mesmo tempo em que flertou com o "conservadorismo", nos EUA. Entre as indicações de leitura de Nogueira, estão, por exemplo, A nova classe (1958), de Milovan Djilas, e The neoconservatives (1980), de Peter Steinfels. Uma citação pinçada do biografado, em uma entrevista à Veja em 1994, é iluminadora: "Não sou de direita nada. Acho apenas que o governo serve para garantir cumprimento de contratos, construir obras de infraestrutura e manter a lei e a ordem. A economia deve ser entregue à iniciativa privada". Lembrando que até uma candidatura, como a de Lula em 2002, que se acreditava "de ruptura", garantiu a vitória nas eleições quando assinou a famosa "Carta aos Brasileiros", em que, mais do que qualquer coisa, garantia o cumprimento de contratos e compromissos do País, interna e externamente. Assim como sua imagem política, a vida e a obra de Paulo Francis são mais complicadas do que as simplificações perpetradas desde sua morte. Felizmente, contudo, sua produção continua revisitada, e repensada, mais de uma década e meia de seu desaparecimento.
>>> Paulo Francis ― Polemista Profissional
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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