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Segunda-feira, 28/4/2014
Digestivo nº 499

Julio Daio Borges

>>> A IMPORTÂNCIA DE SER PRUDENTE E OUTRAS PEÇAS, DE OSCAR WILDE Quase como Clarice Lispector, que tem frase pra tudo, Oscar Wilde é mais conhecido, hoje, pelas citações do que por qualquer obra sua. Tirando uma frase ou outra que Wilde, efetivamente, declarou, a maior parte das citações vêm de suas obras. Reza a lenda que, na alfândega, em sua viagem aos Estados Unidos, ele teria dito: "Nada tenho a declarar, a não ser o meu gênio". E dizem que, em seu leito de morte, teriam sido estas as suas últimas palavras: "Morro como sempre vivi, além de minhas posses". Wilde era teatral. A ponto de sua confissão, De Profundis, ser considerada, por alguns estudiosos, como mais uma de suas poses. Até quando era sincero, Wilde podia estar encenando. "Mentiras sinceras me interessam", cantou o nosso bardo contemporâneo. Porém, mais do que teatral, Oscar Wilde foi dramaturgo, e homem de teatro. A receita do plebeu irlandês para ascender às altas rodas da elite do império britânico incluiu, além de polêmica, e escândalo, aparições públicas e sucessos de bilheteria no teatro. O Retrato de Dorian Gray, seu romance, talvez permaneça como a principal porta de entrada para sua obra, mas as peças são, como dizem, o filet mignon, e é preciso lê-las para conhecer Wilde. Nesse sentido, A importância de ser prudente e outras peças, pela Penguin Companhia, é um ótimo aperitivo para o universo do dramaturgo irlandês. O volume abre com Uma mulher sem importância, que Paulo Francis definiu como um dos textos mais hilariantes do teatro em inglês, e é mesmo. Nesta peça, encontramos, por exemplo: "Os homens se casam porque estão cansados; as mulheres, porque estão curiosas. Ambos se decepcionam". E: "Nós sempre devemos estar apaixonados. É por isso que nunca devemos nos casar". Feminista, Wilde coloca as mulheres no centro da trama, comandando a ação. Tinha uma sensibilidade profética para captar o Zeitgeist: "A única coisa que vale a pena ser hoje em dia é moderno". Chegando até a nossa época: "Nada faz mais sucesso que o excesso". Ou, ainda: "Adoro os prazeres simples. Eles são o último refúgio do complexo". Se ao lado das mulheres, fazia pouco dos maridos, Wilde converteu o dândi em seu herói preferido. As melhores declarações coloca na boca de Lorde Illingworth, em Uma mulher sem importância; depois, em Lorde Goring, em Um marido ideal (onde esse dândi, aliás, resgata o mesmo "marido ideal" do iminente fracasso); e em Algernon, em A importância de ser prudente, cujo subtítulo é: "Uma comédia frívola para pessoas sérias". Wilde jogava com o contraditório. Era seu charme. Em O marido ideal, por exemplo, diz que "verdadeiras personalidades", raramente, "são populares". Ou que "quando os deuses querem nos punir"... "eles atendem nossas preces". Antecipou o individualismo: "Amar a si próprio é o início de um romance para a vida toda". E o eterno culto à juventude: "A juventude não é uma afetação. É uma arte". Pressentiu que a forma subjugaria o conteúdo: "Ele não tem nada, mas aparenta tudo". E mostrou o segredo de seu sucesso: "Em assuntos de grande importância, o estilo é vital, não a sinceridade". Wilde não brincava em serviço: quando fazia piada, estava falando muito sério. Era o seu gênio. Era a sua assinatura.
>>> A importância de ser prudente e outras peças
 
>>> PACO DE LUCÍA (1947-2014) Paco de Lucía foi o maior violonista da nossa época. Foi um gênio do violão e é notável que não tenha recebido formação clássica. Seu virtuosismo alçou-o de um ritmo popular da Espanha, o flamenco, aos principais templos da música no mundo. No limite, era um músico popular, mas foi respeitado por instrumentistas de todos os credos e origens, estudado por musicólogos de todas as línguas e reverenciado por eruditos em música. Paco de Lucía foi unânime. Um ídolo entre roqueiros, e guitarristas, tocou, de igual para igual, com músicos de jazz e produziu a sua própria interpretação "flamenca" do Concerto de Aranjuez, que faz parte do cânone para as seis cordas. Sem contar suas releituras de Manuel de Falla. Treinado pelo pai, como Mozart, percebeu muito cedo que não havia limite, em termos de técnica, para o que poderia tocar. O pai, igualmente músico de flamenco, retirou o filho prodígio da escola, porque não conseguia pagar, e mudou a família de Algeciras para Madrid, quando Paco contava 12 anos. Tocando com o irmão violonista, que adotou a alcunha de Ramón de Algeciras, Paco (Lucía era sua mãe, portuguesa) esgotou o cancioneiro hispano-americano já nos anos 60. Ia com seus dedos do México a Cuba, passando pela Argentina e, sim, pelo Brasil. Acelerou o "Tico-Tico", celebrizado por Carmen Miranda, de tal sorte que Zequinha de Abreu não o reconheceria. Venceu, nos EUA, e excursionou, sozinho, com seu violão, sendo um pioneiro em turnês, antes que houvesse qualquer estrutura para isso. Como descreveu um contemporâneo seu, "encantava quem não sabia de música" e "enlouquecia quem sabia": "Paco tinha tudo". Não contente em ser apenas intérprete, aventurou-se pelo reino da composição. E, igualmente, triunfou. Os anos 70 marcam sua independência como artista solo, tornando-se, mais que um embaixador, um revolucionário do flamenco, a exemplo do que fez Piazzolla pelo tango. Basta ouvir "Entre dos aguas" (1973) e "Rio Ancho" (1976) para se convencer de que Paco, como compositor, não deixava nada a dever aos mestres criadores do flamenco. Os anos 80 marcam a consagração planetária, quando se aproximou de John McLaughlin, e, com Al Di Meola, gravaram o multiplatinado Friday Night in San Francisco (1981), um clássico absoluto entre rockers, "jazzistas" e violonistas clássicos. "Era um circo", assim definiu Paco os shows daquela época. Ignorante em matéria de escalas, aprendeu a improvisar nelas com as dicas de McLaughlin e Meola. Paco de Lucía nunca havia improvisado dessa forma, porque nunca havia precisado. Reconhecia os acordes só de olhar e as melodias, só de ouvir. O flamenco, para ele, era como a própria respiração. Tão logo cansou de vender milhões de discos, lançou-se num desafio técnico de volta as raízes, o insuperável Siroco (1987), fora o supracitado Concierto de Aranjuez (1991). Ficou marcado pelo vocalista Camarón de la Isla, seu acompanhante que faleceu precocemente, e chegou a declarar que sua grande ambição era... cantar. Voltou a se reunir em família com seu Sexteto: em 1981, com Pepe de Lucía; e, em 1997, com Ramón de Algeciras. Casou-se duas vezes e deixou cinco filhos. Quando se cansava de "Paco de Lucía", Francisco Gustavo Sánchez Gomes refugiava-se no México, onde mantinha uma residência e pescava. Teve um ataque do coração na Playa del Carmen, em férias com a família. Seu espírito, contudo, foi eternizado em música. Grande música.
Paco by qLeph
>>> Paco de Lucía
 
>>> A ECLOSÃO DO TWITTER, DE NICK BILTON Nós já tínhamos lido sobre o Google. Nós já tínhamos lido sobre a Amazon. Nós já tínhamos lido, até, sobre o Facebook. Mas nós não tínhamos lido, ainda, sobre o Twitter. Faltava uma "biografia" do Twitter. E ela veio; depois da IPO. A história do Twitter nos parecia, especialmente, interessante ― por causa de Evan Williams. Para quem não se lembra, Williams foi o sujeito por trás do Blogger, a primeira das ferramentas a se tornar popular na criação de blogs, no início dos anos 2000. Todo mundo sabia que Williams havia vendido o Blogger para o Google (nessa mesma época). E todo mundo sabia que, na sequência, ele havia criado a Odeo, para consolidar podcasts ― mas não havia sido tão bem-sucedido... Até o Twitter. Reza a lenda ― e o livro de Nick Bilton confirma ― que o Twitter surgiu dentro da Odeo. Como um projeto paralelo, de troca de mensagens entre os funcionários, que se achavam solitários, em São Francisco, e queiram compartilhar seu status com os amigos. Pelo menos, era a ideia de Noah Glass e Jack Dorsey. Evan Williams, que bancava a Odeo, bancou também o Twitter, e assim foi o início. O que não se sabia, porém, era que a empresa foi construída em meio a uma disputa por poder entre @noah, @jack, @ev (Evan Williams) e, não tão declaradamente, @biz Stone, o quarto fundador do Twitter. Noah foi logo chutado no momento em que Evan fez Jack e Biz igualmente donos do Twitter. Jack foi chutado depois de ter sido um desastrado CEO, embora tenha continuado com sua participação e uma função "simbólica" no conselho. Já Evan ― sim, o primeiro dono do Twitter ― foi chutado pelo mesmo conselho, sob o comando de Fred Wilson, o primeiro investidor. Por último, Biz acabou saindo, porque não achava mais lugar na empresa onde nenhum dos seus amigos permanecia. Jack Dorsey, em paralelo, acabou fundando a Square, start-up de pagamentos via celular. E, depois da saída de Evan, quem acabou assumindo o cargo de CEO foi Dick Cosolo, antigo COO (sem participação acionária). Jack apostava num Twitter mais "pessoal", tanto que é dele a pergunta: "O que você está fazendo?". Já Evan apostava num Twitter mais "social", tanto que é dele a pergunta: "O que está acontecendo?". Jack era caótico, como CEO, embora se achasse genial (como Steve Jobs). Já Evan era um líder organizado, gostava de dar crédito e não se interessava pelos holofotes. Mas Fred Wilson queria fazer do Twitter uma empresa de 100 bilhões de dólares, e Dick Cosolo era o sujeito para levá-la até lá (logo, Evan estava fora). A história não é mesmo simples e o livro de Bilton às vezes parece um folhetim. Mark "Facebook" Zuckerberg, falando do Twitter, usava a metáfora de "três palhaços que tinham encontrado uma mina" e "haviam se perdido lá dentro". Zuckerberg, aliás, tentou comprar o Twitter pelo menos duas vezes, segundo o livro. E devemos a Evan Williams a insistência em não vender (ele já havia vendido o Blogger para o Google e sabia muito bem o que acontecia). E lhe devemos, ainda, o fato de o Twitter haver se tornado uma "alternativa" ao Facebook ― porque as pressões para torná-lo uma "rede social" e, não, uma "information network" continuaram existindo. A IPO veio e fez de cada um dos fundadores um bilionário. Mas o que vai acontecer com a empresa sem eles? O livro de Nick Bilton não responde. Mas é uma questão para a internet e para o futuro dela.
>>> A Eclosão do Twitter
 
>>> EM BUSCA DA TERRA DO NUNCA... E JOHNNY DEPP É sintomático que Em Busca da Terra do Nunca, que completa dez anos em 2014, tenha ficado como um ponto de inflexão na carreira de Johnny Depp, que tenta passar de um ator juvenil, ou até infantil, para um artista adulto, ou sério. Para quem não sabe, Finding Neverland, o título em inglês, conta a história do autor de Peter Pan. J. M. Barrie é um fracasso de bilheteria, como dramaturgo, até descobrir uma família pela qual se apaixona. Casado, tem admiração pela viúva dessa família (no filme, Kate Winslet), o que prejudica seu próprio casamento, mas são as crianças que o inspiram a criar um personagem que nunca envelhece. No longa, aquele homem alheado, que passava as tardes com filhos que não eram seus, em brincadeiras aparentemente sem futuro, revela-se um artista sensível, maduro, culminando, como não poderia deixar de ser, com um sucesso de bilheteria, e com respeito social. Seu casamento termina, a viúva igualmente falece, mas, além da consagração de Peter Pan, o protagonista acaba se realizando, ao dividir a tutela das crianças com sua avó materna. Depp que, acredite ou não, fez sua estreia em A Hora do Pesadelo (1984), teve uma passagem por Platoon (1986), mas acabou se consagrando com Edward Mãos de Tesoura (1990), que se não for um filme infantil, está muito perto de ser. Foi adolescente em Gilbert Grape (1993) e tentou ser sério em Ed Wood (1994), mas não foi dessa vez. Abriu alas para Marlon Brando em Don Juan DeMarco (1994) e quis ser sério, novamente, em Donnie Brasco (1997). Começou a amadurecer, talvez, em Medo e Delírio (1998), onde descobriu Hunter S. Thompson. Mas rendeu-se, outra vez, ao infantojuvenil em A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça (1999), ao juvenil em Chocolate (2000) e ao declaradamente infantil em Piratas do Caribe (2003), que se converteu numa franquia. Se os anos 2000, portanto, seguiriam dominados pelos Piratas, em 2006, 2007 e 2011, 2004 acenou com Terra do Nunca; 2010, com Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton; e 2011, com Diário de um Jornalista Bêbado (Hunter S. Thompson, de novo, em produção sua). A ponto de o personagem de Depp em Cavaleiro Solitário, um blockbuster da Disney, ser muito menos "tonto" que seu nome indica. Ou seja: a meia-idade fez bem a Johnny Depp. Já 2016 acena com Through the Looking Glass, a continuação de Alice (infelizmente sem Tim Burton). Mas 2016 também acena, como não poderia deixar de ser, com outro Piratas do Caribe, o quinto. Qual Johnny Depp vai prevalecer? Se tudo falhar, ainda lhe resta a música. Depp, para quem não acredita, já tocou guitarra numa banda com Gibby Haynes, o cantor dos Butthole Surfers, Flea, o baixista dos Red Hot Chilli Peppers, e Steve Jones, sim, o lendário guitarrista dos Sex Pistols. E se mesmo a música não lhe trouxer alívio, há, ainda, seu lado restaurateur: Man Ray, que dividiu com Sean Penn e John Malkovich, funcionou como bar e restaurante em Paris, no endereço de um antigo cinema. A verdade é que Depp, além de tudo isso, tem seu lado pai: agradeceu ao hospital que salvou sua filha da morte com uma doação milionária e com uma tarde fantasiado de Jack Sparrow, contando histórias para crianças doentes. Quem sabe, a "chave" para a maturidade de Depp esteja em sua paternidade ― que, por sua vez, o joga, de volta, nos braços das crianças e jovens nos filmes. Enfim, Johnny Depp, maduro ou "imaturo", permanece um enigma.
>>> Em Busca da Terra do Nunca e Johnny Depp
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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