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ENSAIOS

Segunda-feira, 22/12/2008
Perto do coração da linguagem
Claudia Lage
+ de 8900 Acessos
+ 4 Comentário(s)

"Só nos diz a verdade quem não gosta da gente ou nos é indiferente", Clarice escreveu ao amigo Fernando, desolada, sozinha no apartamento vazio, rodeada de caixas como o deserto de uma ilha rodeada de mar. "E tudo o que ele disse é verdade." Estava na Suíça, de mudança com o marido para um novo apartamento em Berna. A visão dos aposentos nus e da imensidão de caixas fechadas lhe dava vertigens. Pegara então numa bolsa a correspondência, como quem se apóia na parede para não desequilibrar na própria náusea. O que encontrou numa das cartas, porém, não lhe deu nenhuma estabilidade, pelo contrário, aumentou a sensação de que afundava no vazio do apartamento e na profundeza das caixas.

Um amigo enviara do Brasil um ensaio chamado "A experiência incompleta", do crítico Álvaro Lins, sobre Perto do coração selvagem, o primeiro romance de Clarice Lispector, lançado em 1943, quando a escritora tinha 23 anos, e O lustre, o segundo, publicado em 1946. Antes de ler o ensaio, Clarice precisou se sentar sobre uma das caixas, já abatida pelo título. Naquela mesma manhã, havia pensado que gostaria de trabalhar sem parar, escrever árdua e constantemente, mas as coisas vinham para elas em retalhos, fragmentos de frases e imagens, situações nebulosas, sempre esparsas, sempre... incompletas.

"Um romance", afirmou Álvaro Lins, "não se faz somente com um personagem e pedaços de romance. Romances mutilados e incompletos são os dois livros publicados pela sra. Clarisse (sic) Lispector, transmitindo nas últimas páginas a sensação de que algo essencial deixou de ser captado ou dominado pela autora no processo da arte da ficção".

Clarice desviou os olhos do papel para a sala. A casa mutilada em caixas fechadas, as paredes brancas sem vestígios, o chão liso sem móveis que fazem da sala o lugar onde se come, do quarto o lugar onde se deita. Partes de um todo que caberia a ela organizar, dar formas e cores, luzes e sombras. Organização que lhe dava vertigens antecipadas. Se pudesse, deixaria as caixas fechadas, e o que havia dentro delas intacto, tesouros intocados, protegidos e vigiados sem descanso. Apenas o vestígio de ouro e prata na superfície. Mas não podia, ela sabia que a sua tarefa maior era trazer à luz o segredo mais guardado, revelar sem corromper o tesouro mais escondido.

Álvaro Lins, ao fazer a sua crítica, baseava-se no conceito tradicional do gênero do romance, fundamentado em uma sólida estrutura de lógica temporal, espacial e eventos seqüenciais, onde não se encaixava uma obra fragmentária sem unidade lógica, solução final e uma progressão dos fatos.

"Mas o que é que se torna fato?", Clarice escreveu a Fernando, "Devo interessar-me pelo acontecimento?". Para ela, os acontecimentos eram secundários, já que nasciam das pessoas, e não ao contrário. "Por que deveria encher as páginas com informações sobre os 'fatos'?" Não devia, Fernando afirmou. Apesar de pensar como o amigo, ela não conseguia esquecer as palavras do crítico sobre os seus romances, "mutilados", repetia olhando as caixas fechadas em seu apartamento, "incompletos". Nada a havia preparado, porém, para o que viria a seguir. Em certa parte do ensaio, Lins deixou o livro, para se concentrar em outro aspecto. "O leitor menos experiente confundirá com a obra criada aquilo que é apenas o esplendor de uma personalidade estranha, solitária e inadaptada, com uma visão particular inconfundível." Clarice levou um choque ao ver que o crítico se referia a ela. Era a nebulosidade da personalidade da escritora que impregnava o romance, ele disse. Tão sentada ela estava sobre uma caixa que nessa hora se levantou. A sensação de que o crítico tirava o dedo do livro e o virava com firmeza para o seu rosto.

Forma própria
"É um cretino!", Fernando vociferou por carta à amiga. E exigiu que Clarice não se abalasse, "Você avançou na frente de todos nós, passou pela janela, na frente de todos", disse, não como consolo, mas como constatação. Para o escritor Fernando Sabino, Clarice Lispector havia alcançado uma forma muito própria de escrever, na qual a linguagem nascia da experiência mais íntima da personagem. Em primeiro plano, não estavam os episódios, mas o fluxo palpitante da subjetividade. O que Álvaro Lins havia visto como excesso de introspecção e individualidade eram para Sabino originalidade e renovação na criação de um romance. Apesar das suas palavras, Clarice sentiu um desânimo profundo. Em pé, entre as caixas e o espanto, assumia a observação do crítico como uma fatalidade, "O que sou está acima da linguagem, mas como posso escrever sem mim?".

Para outro crítico, Antonio Candido, Perto do coração selvagem era uma tentativa impressionante de levar a "nossa língua canhestra a domínios pouco explorados, forçando-a a adaptar-se a um pensamento cheio de mistério, para o qual sentimos que a ficção não é um exercício ou uma aventura afetiva, mas um instrumento real do espírito, capaz de nos fazer penetrar em alguns dos labirintos mais retorcidos da mente".

"Escrever é tão perigoso", Clarice escreveria mais tarde, "o perigo de mexer no que está oculto ― e o mundo não está à tona. Está oculto em raízes submersas nas profundezas do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Nesse vazio é que existo intuitivamente, mas é um vazio terrivelmente perigoso, dele arranco sangue". Clarice sabia, o vazio era a sombra do seu próprio mistério que se realizava na escrita.

O escritor Guimarães Rosa disse, uma vez, "A linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o espelho de sua personalidade, não vive". Naquele dia, em seu apartamento novo, que de tão novo nada tinha ainda de seu, Clarice reconhecia que o que Álvaro Lins criticara era a característica maior de sua literatura. O seu defeito era na verdade a raiz de sua natureza de escritora. E seria a fonte maior de toda a sua obra. "Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso", escreveu depois à irmã, Tania Kaufmann, entre caixas abertas, segredos e tesouros trazidos à tona cuidadosamente para não se partirem, "nunca se sabe qual deles que sustenta o nosso edifício inteiro".

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pela autora. Originalmente publicado no jornal Rascunho, na edição de novembro de 2008.


Claudia Lage
Niterói, 22/12/2008
Quem leu este, também leu esse(s):
01. O Frankenstein de Mary Shelley de Ruy Castro


Mais Claudia Lage
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
22/12/2008
20h57min
Ah, que bom este ensaio na véspera de natal. Sempre muito bom lembrar que a diferença de estilo, em Clarice, tamanha personalidade, dava o que falar. Os incomodados que se mudem ou, apesar dos julgamentos precipitados, que a caravana sempre passe, linda. Guardo o artigo pra reler e reler e repassar. Um abraço da leitora do DF ;-)
[Leia outros Comentários de Gisele Lemper]
26/12/2008
15h16min
Este ensaio é de uma pureza e beleza palpitante. Clarice de fato dá uma tonalidade de beleza e mergulha na linguagem com uma tal pungência que nos constrange em nossa própria solidão.
[Leia outros Comentários de well]
6/1/2009
02h07min
Parabéns, Claudia Lage, o seu texto afastou o horror da minha insônia, vivificou-me! por meio da bela linguagem. Gratíssimo! Abraços do Sílvio Medeiros.
[Leia outros Comentários de Sílvio Medeiros]
7/1/2009
11h40min
Belo ensaio. A frase inicial foi uma escolha feliz. O tempo mostrou que Álvaro Lins estava errado e que Fernando Sabino e Antonio Candido estavam certos: vislumbraram a grandeza de Clarice.
[Leia outros Comentários de José Frid]
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