Sempre que encontro uma pessoa que não vejo há um tempo, ela me pergunta como está a produção de charges, cartuns e caricaturas. Minha resposta é sempre simples e direta: “não está”. Claro que isso não encerra o assunto. É preciso explicar que, na era digital, não é mais possível viver desse tipo de atividade. Isso costuma ser o bastante, mas algumas vezes o meu interlocutor não se dá por satisfeito. Nesse caso, é preciso discorrer sobre como a era da automação chegou também ao mundo das artes e de como a Inteligência Artificial está tomando o controle da produção hoje.
Não foram só os cartuns que morreram. Os cartunistas também saíram de cena, para se dedicar a outras atividades. Que sorte a minha ter mudado de vida antes que essa morte horrível fosse anunciada. Felizmente encontrei uma forma de driblar essa marcha fúnebre com uma definição menos sinistra e mais engraçada para divertir meus interlocutores: cartunistas são os novos ascensoristas de elevador. Uma representação de um tempo que já passou. Hoje me apresento simplesmente como um “ex-cartunista em atividade”.
As charges, os cartuns e as caricaturas já foram a minha vida. Hoje são diletantismo. Exercícios criativos de pura autoindulgência que, quando aparece a oportunidade, apresento a pessoas que ainda possuem uma vida fora das telas de celular. A questão é: ainda existe algum lugar onde as pessoas estariam abertas a caricaturas e livros de charges? As feiras de livro que pesquisei já pareciam ter todos os seus espaços ocupados por quem joga esse jogo no dia a dia, não sobrando lugar para diletantes e outsiders.
Aí, em 2024, fiquei sabendo da Feira do Livro no Pacaembu, que chegava à sua terceira edição. Parecia um local mais acessível para quem está de fora. Uma feira ainda nova, aberta e com espaços que ainda estavam sendo ocupados. Parecia um bom local para lançar a ideia: que tal ter caricaturas ao vivo para os leitores em seu stand? Em troca, eu só precisaria de autorização para expor meus próprios livros. Claro que todas as editoras não podiam aceitar por obrigações contratuais e editoriais. Todas, menos uma: a Editora Patuá.
A Patuá tem uma proposta que vai na contramão de todas as tendências do mercado: ao invés de fugir de autores novos e independentes, eles os procuram. Ao invés de investir em títulos mais comerciais, rasos e fáceis de cativar o grande público, eles apostam no nicho de um público-leitor mais reflexivo. Romance, conto, poesia, crônica, vários gêneros em livros de todos os tipos a preços acessíveis. Um trabalho admirável e merecidamente premiado.
Para minha surpresa, ainda tem muita gente que gosta de caricatura e abre um sorriso diante da possibilidade de se ver desenhado no papel. E ver o desenho sendo feito ali na hora é muito diferente de dar um prompt no GPT e receber a imagem pronta. Entre traços e sorrisos, a arte cria algo que aplicativo nenhum será capaz de fornecer: conexão.
Pelo segundo ano consecutivo trabalhando na tenda da Patuá, notei que o público presente estava lá para muito além dos livros. Estava em busca dessa sintonia através das palavras, do texto, da arte, do desenho. Vi autores e leitores criando essas conexões, autografando livros, contando histórias e promovendo encontros.
Vale a pena mencionar o crescimento da Feira do Livro nesta quarta edição em 2025. A estrutura estava maior e mais profissional este ano. A entrada da Petrobras via Lei Rouanet deu um peso maior ao evento e quem achava que o feriado de Corpus Christi poderia esvaziar a praça, se enganou: o público cresceu junto com a feira.
Nesta edição de 2025 a Feira do Livro ficou mais parecida com a Feria Del Libro na Cidade do México, que ocorre anualmente na praça El Zócalo. Estive lá na edição de 2024 e a proposta é parecida: aberta, situada num local central e tradicional da cidade, com várias opções de transporte e, claro, sem cobrar entrada. Fica evidente que a Praça Charles Miller é o local certo para que essa feira chegue ao tamanho da feira mexicana. Além de ser uma área ampla, ainda tem o Museu do Futebol e a opção de uso de alguns espaços do estádio, como aliás já aconteceu este ano, como o “futebol dos autores”.
Mas, voltando à Patuá, quando eu soube que a editora tinha uma livraria/bar chamado Patuscada, na hora me veio à mente a histórica entrevista de Fernando Collor à Globo em 1997, quando ele ainda tentava limpar o seu nome, cinco anos após o impeachment. Aí tive a ideia de fazer uma tirinha, brincando com os momentos mais marcantes dessa entrevista.
Claro que, para a tirinha alcançar o seu objetivo e provocar o riso, é necessário que você veja o vídeo completo antes. Sei que pedir 10 minutos do seu tempo parece muito, mas garanto que vale cada segundo.
Eduardo Lacerda, editor da Patuá, com a tirinha original, que ficou exposta na tenda da editora
A derrocada das grandes livrarias abriu um flanco interessante para o mercado editorial. As editoras independentes estão crescendo, encontrando seu nicho e se posicionando no mercado. As livrarias de bairro também voltaram e, aos poucos, o mercado editorial vai se reinventando.
Essa parceria com a Patuá pelo segundo ano seguido foi muito importante para que eu pudesse participar disso. Todos são muito simpáticos e a tenda esteve sempre muito movimentada. Eu mesmo me via trocando de figurino o tempo todo: ora autor, ora leitor. Era inevitável não comprar alguns livros e conversar com outros autores.
Foi uma satisfação poder testar o meu último livro DISTOP!A - uma interpretação sobre o país do ódio com o público-leitor, já que ele não teve um lançamento oficial. Foi uma publicação independente, mas não é exagero dizer que ele encontrou na Patuá uma casa.
Entre pantomimas e patuscadas, a literatura e a caricatura seguem promovendo grandes encontros, como esses.